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Nº 1523 - Ano 32
23.03.2006
“Universidades se fazem e refazem permanentemente” *
Ronaldo Tadêu Pena
esse momento em que recebo da Reitora Ana Lúcia Almeida Gazzola o cargo de Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, me vem à mente uma clara manhã de abril, em 1965. Naquele dia, neste mesmo auditório, que aos meus olhos encantados parecia excessivamente espaçoso, o adolescente que fui ouvia, deslumbrado, o que, a seguir, iríamos experimentar. Éramos todos alunos da primeira turma do Colégio Universitário, projeto corajoso e inovador do reitor Aluísio Pimenta, de duração tão intensa quanto fugaz.
(...) O menino que eu era, o oitavo dos 11 filhos de um ferroviário da Central do Brasil e de uma dona de casa, vindo de Conselheiro Lafaiete, cumpria seu rito de entrada nos caminhos do conhecimento, no espaço generoso e exigente da Universidade Federal de Minas Gerais. Aprendia, ao mesmo tempo, o que nunca mais iria esquecer: o valor da universidade pública, gratuita, responsável e qualificada como instrumento insubstituível de cidadania.
(...) Como observador atento e próximo, sabendo que cada Reitorado inscreve-se na história da instituição, afirmo que muito dificilmente um Reitorado será capaz de realizar o que Ana Lúcia Gazzola e Marcos Borato Viana realizaram nos últimos quatro anos nesta Universidade. Aos dois, prestamos nossa homenagem.
(...) Entretanto, universidades nunca estão prontas – à semelhança das pessoas, como diz Guimarães Rosa, estão permanentemente se fazendo e refazendo. Assim, o desafio da condução política do Reitorado é conjugar a continuidade do trabalho dos que nos precederam com a exigência de acolher e motivar as transformações sempre necessárias.
(...) Contudo, uma universidade é republicana principalmente quando assume a responsabilidade de viver na cidade que a abriga e no País que a criou e a eles destina o melhor de suas ações, de suas idéias, de suas obras.
(...) Um componente utópico é indissociável de nossa concepção de universidade, de espírito humanista, democrático e republicano. Utopia é instrumento para desafiar o presente e imaginar que é possível um mundo melhor, mais justo e mais feliz. Não deve ser entendida como o impossível, mas como o horizonte de uma jornada, uma espécie de porta que se abre para o futuro, tornando factível a invenção da liberdade e de seus emblemas.
(...) Em sintonia com o próprio espírito universitário, para que ocorra a inovação é indispensável experimentar; fazer diferente aqui e ali, ampliar o que der certo, refazer onde houver erros, e tornar a experimentar. O momento é propício para testar novas formas de produção e difusão do conhecimento, para pensar a cultura como força irrigadora da vida universitária, para delinear políticas diversificadas de inclusão social. Consideramos que é tempo de experimentar.
(...) É preciso ampliar a distribuição geográfica do nosso corpo discente, na graduação e na pós-graduação. Vários programas da UFMG, por seus evidentes méritos, têm amplas condições de atuar como referência no País, na América Latina e na África de língua portuguesa. A nossa atenção deve estar voltada, igualmente, para a continuação de programas de interação com as grandes universidades da América do Norte e da Europa, respeitados, sempre, os princípios da autonomia e da reciprocidade.
(...) A mesma atenção dedicada à qualificação acadêmica se voltará para a dimensão da relevância. Qualificação acadêmica e relevância social são duas faces de uma mesma moeda, formas distintas de um mesmo compromisso.
(...) A discussão sobre cotas sociais e étnicas nas universidades públicas, ora em curso no Congresso Nacional, indica a importância da questão da democratização do acesso. Se, de um lado, não podemos, dada a autonomia que é própria às universidades, aceitar quaisquer imposições, venham de onde vierem, de outro lado, não podemos ignorar que as seculares injustiças sociais de nosso país deformam a composição de nosso corpo discente, sobretudo e exatamente naqueles cursos que possibilitam mais mobilidade social. Seja pelo compromisso ético com a eqüidade das oportunidades, seja para que nos antecipemos a medidas de natureza impositiva, temos que preparar e apresentar respostas, capazes de se contrapor à eventual imposição de um sistema de cotas. Pois, uma coisa é certa, a universidade pública brasileira é custeada pela sociedade e não pode ser um espaço onde injustiças sociais sejam reproduzidas e cristalizadas.
(...) Um tema a que dedicaremos especial atenção em nosso Reitorado será o da Cultura. Esse é o lugar de constituição de identidades que se organizam por diferentes formas de interação. Na cultura, as relações entre pessoas se estabelecem como modos de sociabilidade. Assim, podemos pensar a criação do conhecimento não apenas como um fazer isolado, mas como parte de um fluxo contínuo que irrigue todas as áreas de atuação da Universidade.
(...) Solidariedade significa adesão a uma causa, a uma opinião, a um princípio de responsabilidade pública e social que vincula cada um de nós aos demais membros de uma mesma comunidade. Não acreditamos que jovens brasileiros, pertencentes a um grupo privilegiado, por terem conseguido o acesso à educação superior em uma instituição superior pública, gratuita e de qualidade possam se negar a compartilhar o gesto da solidariedade social.
*Trechos do discurso proferido no dia 21 de março, durante cerimônia de transmissão de cargo de reitor da UFMG (a íntegra está disponível no endereço www.ufmg.br/online/arquivos/discurso_reitor.doc)
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