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Nº 1622 - Ano 34
22.08.2008

Sob o silêncio dos rios

Dissertação analisa processo de fragilização dos mecanismos de licenciamento ambiental

Ana Maria Vieira

Foto: Foca Lisboa
Morel
Morel Ribeiro: "solução de contorno"


Há meses, episódio de violência envolvendo um índio da etnia caiapó e engenheiro da Eletrobrás recolocou temporariamente o tema do licenciamento ambiental em discussão nacional. O conflito originou-se da polêmica construção da usina hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu. Proposto há pelo menos 20 anos, o empreendimento sofreu diversas modificações ao longo do tempo, mas retornou à pauta governamental, defendido como importante fonte para o suprimento de demandas futuras de energia para o país. Belo Monte, porém, não encontrou apoio da população local nem unanimidade na academia, onde especialistas têm apontado baixa relação custo-benefício do empreendimento. Apesar de questionada, a construção da usina foi incluída no PAC.

“O planejamento do setor elétrico brasileiro é dissociado da discussão dos impactos ambientais produzidos pela construção de usinas hidrelétricas”, observa Morel Ribeiro, que defendeu, no início do ano, dissertação sobre a efetividade do licenciamento como instrumento de política ambiental no Programa de Pós-graduação em Geografia do IGC. Histórias como Belo Monte, Rio Madeira e, em outra linha, a transposição do Rio São Francisco, exemplificam o problema de modo evidente para o grande público.

A análise de viabilidade ambiental de um empreendimento só é feita muito tempo depois que o Estado o elege para fazer frente a projeções de crescimento econômico. “Troca-se essa discussão pela conveniência da implantação dos empreendimentos e, por esse motivo, o conflito explode na hora do licenciamento”, acrescenta o pesquisador, lembrando que críticas sobre morosidade ajudam a jogar um véu sobre o problema.

Em sua pesquisa de mestrado, ele reporta o contexto de fragilização dos instrumentos de licenciamento, após identificar expedientes “flexibilizadores” dos procedimentos técnicos e administrativos previstos em normas legais, no deferimento de instalação de quatro usinas em Minas Gerais.

Casos

O estudo de caso abordou processos analisados pelo Conselho Estadual de Política Ambiental, no período de 1995 a 2005. As usinas de Itapebi e Irapé, no Rio Jequitinhonha; Capim Branco I e II, no Rio Araguari; e Retiro Baixo, no Rio Paraopeba, foram selecionadas por Morel basicamente por dois motivos. “Os processos eram mais expressivos do ponto de vista da inadequação de procedimentos para alcançar o objetivo que interessava aos proponentes e, sobretudo, devido aos seus impactos ambientais”, diz.

Itapebi ilustra o enredo, ao receber licença prévia do Ibama sustentada em Estudos de Impacto Ambiental (EIA) que não condiziam com a realidade do projeto que seria executado no Rio Jequitinhonha. “A licença padecia de vício insanável, deveria ter sido cancelada”, escreve Morel Ribeiro em sua dissertação. O problema era maior: o Ibama teria conhecimento dos reais impactos do projeto, “mas ainda assim concedeu a licença, simplesmente lançando compensação pela submersão não prognosticada das Cachoeiras do Tombo da Fumaça em Salto da Divisa”, afirma.

O final da história mostra uma complexa busca de legitimação envolvendo o Legislativo e o Executivo e o surgimento de “solução de contorno”, por meio de Termo de Acordo celebrado com o Ministério Público Federal, visto que o projeto já estava sendo erguido.

Conclusão apresentada pelo pesquisador atesta que práticas de compensações ambientais possuem um limite e que a recorrência de tais expedientes produz, inevitavelmente, questionamentos sobre a efetividade do licenciamento como política para a área. “A função desse instrumento é revelar os impactos físicos, biológicos e socioeconômicos para balizar a aprovação ou não dos projetos, fornecendo o balanço de seu custo-benefício. E para isso, há normas. Mas o jogo pára sempre que a análise de viabilidade não atende intenções dos proponentes”, reflete o pesquisador.