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Nº 1629 - Ano 35
13.10.2008

opiniao

Carreira docente: dúvidas e reflexões

Allan Claudius Queiroz Barbosa*

Desde a passagem de um grupo de professores à categoria de associado, após criação deste step (portaria de 29/06/2006), a dúvida permanece: a carreira docente nas Ifes, mesmo com esta inclusão, comporta os desafios atuais? Pergunta instigante e complexa, que permite inúmeras leituras e pode começar a ser respondida considerando alguns pontos.

O primeiro está ligado às mudanças que fizeram a atividade docente se diferenciar daquela preconizada pela carreira tradicional até a década de 80 do século passado. Sem ampliar o debate para o ambiente macro, pode-se dizer que naquela época havia uma relativa evolução dentro das Ifes: o professor iniciava como auxiliar de ensino, progredia a professor assistente, alcançava o nível de adjunto e coroava a carreira na posição de titular após realização de concurso. Entrecortado a esta trajetória, era possível identificar os referenciais acadêmicos para cada posição (mestrado e doutorado).

Os anos 90 trouxeram um fenômeno novo para a universidade: a massiva aposentadoria de professores, que fecharam seu ciclo dentro da instituição de forma espontânea ou induzida, gerando a necessidade de reposição, não imediata, de quadros. Estes passaram a entrar em sua maioria na posição de adjunto, em decorrência da abertura de vagas para docentes já titulados. Esta situação acabou por descortinar um novo ambiente: de um lado, professores instalados na posição herdada de uma carreira nos moldes tradicionais. De outro, os professores entrantes, normalmente em posição “privilegiada” na estrutura pela titulação adquirida pela vaga. E, como impacto, um relativo distanciamento de uma cultura solidamente instituída na universidade, baseada na tradição e no ritual da simbólica passagem de bastão, que garantia consistência a este tecido organizacional.

As alterações constitucionais de 1998 acabaram por criar, ainda que de forma não institucionalizada extrato docente formado por profissionais admitidos após aquela data e regidos por novas regras previdenciárias, mas teoricamente moldados por uma mesma lógica de trabalho.
Neste quadro o debate sobre carreiras foi eclipsado pelas demandas monetárias que pressionaram as atividades docentes nos últimos anos. A redução do poder de compra dos salários deixou pouca margem para discutir aspectos não-monetários ligados ao cotidiano do professor universitário. Isso em uma situação em que prevalece a lógica da isonomia como critério norteador da remuneração.

Mesmo que a carreira atual consiga diferenciar atribuições e/ou características de cada um desses extratos, esse aspecto fica diluído quando transportado para a realidade concreta. Seja na sala de aula, seja na busca por recursos de pesquisa (excetuando níveis menos titulados por exigências dos órgãos de fomento), e mesmo no desenrolar das atividades administrativas que fazem parte do leque de atribuições docentes, o conceito de carreira acaba por não ser efetivo. E levanta várias questões que precisam ser (melhor) discutidas no interior de nossa comunidade.
A primeira está relacionada à lacuna temporal e cultural que se criou com grupos distintos de professores na universidade, com a existência, ainda que simbólica, de três aqui denominados extratos: o primeiro formado por aqueles que entraram até os anos 80; um segundo composto por quem entrou após a grande leva de aposentadorias dos anos 90; e o terceiro extrato composto pelos docentes admitidos a partir de 1998.

Se a carreira é docente, como alinhar interesses, expectativas e perspectivas em uma tipologia que nivela pela dimensão salarial? É importante observar que um dos grandes desafios da carreira deveria ser a promoção de mecanismos socializantes para minimizar a insatisfação e maximizar a criação de um espírito coletivo, dentro de uma lógica de progressão verdadeiramente republicana.

A segunda questão está relacionada à discussão de possíveis mecanismos diferenciadores em um ambiente que impõe a equalização, sem necessariamente reconhecer as diferenças e potenciais de carreira. Este ponto costuma ser frustrante e gerador de conflitos, pois o reconhecimento da individualidade acaba sendo limitado por aspectos jurídicos e/ou normativos que dificultam e/ou impedem sua consecução.
Uma terceira questão, não menos importante, diz respeito à governabilidade institucional desse quadro, tornando difícil e complexo manter o ideário duramente construído por décadas. E passa pela preservação do interesse em uma carreira que não acena com a perspectiva de trajetória. Ao mesmo tempo, desperta reflexão sobre quem e como garantir e proporcionar tal unidade.

Este ponto inevitavelmente leva a uma conclusão no mínimo desconcertante: a criação da posição de associado teve o mérito de criar uma etapa intermediária entre a posição de adjunto e a de titular. Mas acabou por revelar sua limitação, por não responder aos novos professores que entraram no quadro a partir de 1998. Estes viverão em pouco tempo a mesma situação daqueles estagnados na última posição de adjunto e que foram contemplados com a possibilidade de mudança de patamar.

Longe de esgotar o debate, pensar em carreira necessariamente significa pensar no trabalho executado e nos processos decorrentes desta lógica. Afinal, qual o limite de atividades que cabem ao docente, considerando a missão da universidade vis a vis os preceitos estatutários e regimentais? Certamente abre uma nova frente de reflexão, que remete, por exemplo, aos impactos da Resolução 10/95 sobre esta dinâmica do trabalho. Um debate complexo, com múltiplas perspectivas. E com muitos possíveis caminhos e alternativas.

*Professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG

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