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Nº 1634 - Ano 35
17.11.2008

Bola sem mestre

Pesquisa para doutorado em Educação descobre nos campos de futebol de bairro a aprendizagem pela participação

Itamar Rigueira Jr.

Quando estudou a presença do esporte na escola, durante sua pesquisa de mestrado, Eliene Lopes Faria percebeu que o futebol ocupa 80% do tempo dos meninos, entre as aulas de educação física e as horas livres. E que eles preferem dispensar a intervenção do professor. Esta última descoberta foi o pontapé inicial para seu trabalho de doutorado, desenvolvido na FaE. Como se aprende a jogar futebol, se ninguém ensina?

Eliene Faria observou grupos de praticantes – em escola, projeto social e campo de várzea – no Bairro Universitário, em Belo Horizonte. Em comum entre esses ambientes, a tendência à exclusão das meninas, a interação de crianças, jovens e adultos e o fato de que os praticantes não se sentem aprendizes. “O foco é simplesmente a participação, e nesse processo eles aprendem muito e em diversos aspectos. Aprimoram a habilidade técnica, exercitam a masculinidade e incorporam códigos de ética”, conta Eliene, professora do curso de Educação Física da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Sua tese foi orientada pela professora Ana Maria Rebelo Gomes e defendida no último dia 31 de outubro.

Segundo a pesquisadora, o trabalho descreve o processo de engajamento dos meninos, marcado pela “tensão entre a necessidade de aprender para participar e a de participar para aprender”. Isso é o que se chama de aprendizagem difusa, porque envolve muito mais que técnicas, táticas e regras. Os jovens constituem identidades, disposições corporais, tipos particulares de emoções e conhecimentos. E incorporam modos de participação e relações de poder e de camaradagem. “Mas não há, de forma alguma, assimilação passiva”, ressalta Eliene, acrescentando que “a cultura futebolística marca o corpo dos praticantes ao mesmo tempo em que é marcada por ele”.

Caráter excludente

Como envolve jogadores de idades diversas, iniciantes e veteranos, o ambiente do futebol possibilita que todos, ao longo do tempo, exerçam papéis diferentes, aprendendo e ensinando. E se revela também muito excludente. “Muitos não conseguem um lugar de destaque nos grupos e saem, ou apenas mudam sua forma de participação, passando a atuar como torcedores ou simples freqüentadores do espaço social”, explica Eliene Faria.

O sucesso na aprendizagem inclui, por exemplo, adaptar-se às chuteiras e ser capaz de obedecer a esquemas de jogo quando muda o nível de disputa. O próprio dia-a-dia da pesquisa de Eliene foi sempre revelador. Certa vez, ela não conseguiu repetir em um diálogo o palavrão usado por um interlocutor. “Naquele momento, tive mais uma prova de como uma determinada linguagem marca também esses grupos”, diz a pesquisadora, cuja análise não considerou supostas diferenças de aptidão para o esporte. Segundo ela, a aprendizagem que seu trabalho abordou está relacionada muito mais ao fenômeno cultural – marcado por vivência diária e intensa – que ajuda a fazer dos brasileiros tão bons no futebol e dos americanos os melhores no basquete.

Embora os objetivos da pesquisa não incluíssem a elaboração de uma proposta para o ensino da educação física, Eliene Faria admite que os resultados podem contribuir para o aperfeiçoamento da atividade. De acordo com ela, pode ser valioso conhecer um pouco mais a dimensão social dessa aprendizagem, que está longe de ser casual ou osmótica. “Nesse sentido, as idéias ainda estão desarrumadas na minha cabeça, mas fica claro que é possível estranhar um pouco o que fazemos na escola e tentar entender a demanda que as crianças e os jovens trazem de fora. Professores e escola devem estar atentos a isso”, afirma a pesquisadora.

Tese: A aprendizagem da e na prática social: um estudo etnográfico sobre as práticas de aprendizagem do futebol em um bairro de Belo Horizonte
Autora: Eliene Lopes Faria
Orientadora: Ana Maria Rebelo Gomes
Programa: Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da FaE
Defesa: 31 de outubro de 2008