Busca no site da UFMG

Nº 1643 - Ano 35
9.3.2009

opiniao

Universalização da educação inclusiva

Flávia da Cruz Santos*

O tema da inclusão de crianças com deficiência no sistema educacional, historicamente, está na pauta dos debates em todo o mundo, e vem culminando em legislações como a Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990, e a Declaração de Salamanca, de 1994. No Brasil, esse tema apareceu na legislação pela primeira vez em 1961, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e, de lá para cá, muito foi construído, refletindo as conquistas dos movimentos das pessoas com deficiência e as amplas discussões realizadas nos diversos fóruns educacionais do país.

Completou um ano no mês passado a publicação, pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que se dedica à inclusão não apenas na educação básica, mas também na educação superior, que tem recebido cada vez mais estudantes com deficiência.
No entanto, o que está posto, para além da inclusão das pessoas com deficiência, é a convivência na diversidade, em que a igualdade e a diferença são princípios indissociáveis e garantidores da construção de uma sociedade democrática. Até pouco tempo éramos educados em instituições que não acolhiam a diferença, pois os negros, as mulheres, os pobres, os índios eram excluídos, e as pessoas com deficiência tinham acesso à educação apenas num sistema especial. Pensar a educação inclusiva exige a quebra de paradigmas históricos, em que o acesso ao conhecimento deixa de ser privilégio de alguns, e o princípio da igualdade, garantido por nossa Constituição Federal e condição necessária à vivência da cidadania, é concretizado.

Esta é uma temática que precisa estar na pauta de debates e de ações das universidades, pois cada vez mais pessoas com deficiência chegam ao ensino superior, contradizendo uma tendência que circunscreve tal debate ao ensino fundamental, como se as pessoas com deficiência não chegassem à universidade. Isso é ainda mais premente na UFMG, que possui como uma de suas unidades a Escola de Educação Básica e Profissional (EBAP/UFMG), composta pelo Centro Pedagógico, que oferece ensino fundamental, pelo Colégio Técnico, que atua nos ensinos médio e profissional, e pelo Teatro Universitário, que oferece educação profissional em Artes Cênicas em nível médio, atuando, portanto, não apenas no nível superior, mas em todos os níveis de ensino. Além disso, esta universidade se debruça sobre temas como inclusão, deficiências, diversidade, através de projetos e grupos de estudos e pesquisas como os da Faculdade de Educação e da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Precisa usar o conhecimento ali produzido na construção de sua própria realidade, na perspectiva de qualificá-la, o que é indicado já no regimento da EBAP/UFMG – Resolução nº 05/2007, de 3 de maio de 2007 – como uma de suas finalidades.

A inserção das crianças com deficiência no ensino fundamental vem sendo garantida em cumprimento à legislação vigente, e universaliza-se assim o acesso a esse nível de ensino. Mas a inclusão é uma conquista em permanente construção, que tem sua efetivação supostamente facilitada quando a escola de educação fundamental é integrante de uma universidade federal como a UFMG e possui características como as acima citadas.

Não basta inserir as crianças, os jovens e os adultos com deficiência no sistema regular de ensino para realizar a inclusão. A permanência desses estudantes precisa ser assegurada de forma a possibilitar o ensino e a aprendizagem, que culmine na construção do conhecimento por esses sujeitos. As instituições de ensino precisam manter um quadro de pessoal para construir um trabalho continuado; desenvolver iniciativas no campo da acessibilidade, através da eliminação de barreiras arquitetônicas, incluindo instalações, mobiliários e equipamentos; e adotar materiais didáticos e pedagógicos adequados. E os professores, assim como todo o corpo de profissionais que trabalha na instituição, precisam ter acesso, de maneira institucionalizada, no caso específico da UFMG, ao conhecimento produzido na Universidade, para que possam se qualificar continuamente. Portanto, oferecer educação inclusiva significa realizar mudanças pedagógicas e físicas.

As parcerias são, sim, sempre bem-vindas. Mas uma instituição de ensino que se pretende inclusiva, como o Centro Pedagógico, não pode viver nas condições provisórias e instáveis que esse tipo de acordo possui. Isso evidencia a urgência da construção de uma política de inclusão institucionalizada dentro desta Universidade, que possa garantir qualidade na educação para todos os envolvidos: estudantes, famílias, professores e todo o corpo de profissionais que trabalha na instituição.

A universalização da educação inclusiva tem papel central na superação da lógica da exclusão, não apenas por incluir as pessoas com deficiência, mas por envolver os educadores no processo de valorização das diferenças. Ela possibilita o reconhecimento e o respeito à diversidade e, consequentemente, a construção de uma sociedade democrática, além de garantir a concretização da educação como direito inalienável de todos e, assim, o exercício da cidadania, o que evidencia sua urgência no Brasil. Educação inclusiva significa mudança de paradigmas, de valores e de práticas. Por isso, deve ser entendida como uma reforma educacional.

* Licenciada e bacharel em Educação Física pela Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG. Professora substituta do Núcleo de Educação Física do Centro Pedagógico da UFMG

Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, através de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobre assunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 4.000 a 4.500 caracteres (sem espaços) ou de 57 a 64 linhas de 70 toques e indicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São de responsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIM encomenda textos ou reproduz artigos que possam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira.