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Nº 1714 - Ano 37
11.10.2010

opiniao

A Faculdade de MEDICINA no CAMPUS Pampulha

Apolo Heringer Lisboa*

Tenho achado a Faculdade de Medicina muito calada. Pensando muito antes de falar, amedrontada. Nunca gostei do lugar comum de que mineiro trabalha em silêncio. Mineiro só trabalhou em silêncio na escravidão, durante a preparação da Inconfidência e em alguns momentos das ditaduras. Mas nunca de forma permanente, como se isso fosse um traço de caráter. Trata-se de uma vicissitude, jamais será uma virtude, sobretudo na academia, onde o discurso é valorizado. Devemos ser generosos e abertos nas conversas, nos debates e nas polêmicas que edificam o espírito.

Evoco aqui ex-alunos e professores como Pedro Nava, Guimarães Rosa, Juscelino Kubitschek, Cícero Ferreira, Alfredo Balena, Aurélio Pires, só para citar os mais antigos. Ao chegarmos ao centenário de nossa Faculdade de Medicina, fundada em 1911, deparo-me, num rápido balanço que faço, com os debates das questões atuais da transdisciplinaridade, da participação nas discussões políticas maiores, da inovação na formação médica e lembro as atitudes de pioneirismo que nos trouxeram até aqui.

O conhecimento disciplinar isola e aprofunda alunos e professores pesquisadores. Mas a capacidade de trabalhar nas fronteiras dos conhecimentos expande a visão de mundo e o conhecimento. Nada mais desatinado que, no início do século 21, nossa célebre e pioneira instituição resistir à integração transdisciplinar no campus universitário da Pampulha. O único e frágil álibi para essa atitude é o argumento hospitalar. Poderia alegar a distância dos consultórios também. Ou a dificuldade de transporte para alguns. Ou que o hospital Risoleta Neves na região de Venda Nova não poderia receber alunos, residentes e professores. Mas esses argumentos não são úteis, nem altivos, nem válidos. O próprio Hospital das Clínicas é uma unidade terceirizada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e não prioriza mais a formação dos alunos e a docência. Os atuais prédios da Faculdade de Medicina e da Escola de Enfermagem seriam providenciais para fortalecer o complexo hospitalar das Clínicas e o Pronto Socorro, ao lado da Santa Casa. Com a vantagem de que eles estão reformados e em condições de uso.

Nada mais desatinado que, no início do século 21, nossa célebre e pioneira instituição resistir à integração transdisciplinar no campus universitário da Pampulha

Estaríamos nós sem grandeza e despojamento em relação às estruturas materiais ou presos ao velho prédio? Isto me lembra o apego judaico ao templo e a práticas repetitivas em detrimento de um novo conteúdo trazido pelo Mestre dos doutores, cujo âmbito expandiria por todos os continentes. Com essa atitude e mentalidade tradicionalistas estamos enterrando o patrimônio maior: o convívio pluridisciplinar, o interdisciplinar e, sobretudo, avançar para a prática transdisciplinar dos alunos e professores de medicina com os alunos e professores das demais áreas das ciências exatas, biológicas, artísticas e humanas.

A possibilidade de convívio ajudará, e muito, na formação aberta das nossas cabeças. As realidades de cada campo do saber e suas questões profissionais seriam do conhecimento de todos, ampliando a transparência e promovendo debates sem apego ao corporativismo. O isolamento da medicina em relação ao campus Pampulha ocorre em prejuízo da ampliação dos horizontes acadêmicos e culturais da formação médica transdisciplinar e do benefício que esta poderá trazer aos futuros médicos e à população. Não podemos fechar a visão de mundo do médico, separando-o da comunidade acadêmica, fortalecendo a sua tendência à especialização precoce e tecnológica e privando-o do convívio e das reflexões sociais e filosóficas em um campus fervilhante de diversidade. Esta diversidade potencializará seu exercício cognitivo e estimulará suas vocações plurais, aprimorando a qualidade dos futuros profissionais em um mundo cada vez mais dependente de uma revisão conceitual sobre a prática médica, a qualidade de vida e a mentalidade civilizatória.

A comunidade acadêmica da Escola de Engenharia já se transferiu para o campus Pampulha e está eufórica com a experiência. Farmácia e Odontologia revelam o mesmo sentimento. A Face mudou para um ótimo edifício de concepção contemporânea e boa relação com a luz e o ar naturais. Os restaurantes universitários e as cantinas se tornam locus do saber universal e da troca de experiências, assim como as caminhadas no interior do campus para diversos fins e os espetáculos na tenda da Praça de Serviços.

A Faculdade de Direito já optou pela transferência. Só faltam a Medicina e as escolas de Enfermagem e de Arquitetura. Quero levar essa discussão para um debate amplo e sem amarras. E pergunto: haveria melhor forma de comemorar o nosso centenário que uma decisão da Congregação pela transferência para o campus Pampulha?

Está prevalecendo um contexto de resistência ao avanço das relações transdisciplinares e ao progresso acadêmico universal que nos afasta dos debates, conferências e convívio com professores e estudantes de outras partes do Brasil e de outros continentes que circulam pelo campus Pampulha. Estamos nos perdendo no tempo e nos isolando no interior da academia e do conhecimento. Está na hora de começar essa mobilização. E fazer um debate aberto, ao qual convido todos os estudantes, professores e funcionários. Seria muito oportuno e alvissareiro que o Diretório Acadêmico Alfredo Balena (Daab) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) aderissem a esse movimento. Que um dia será vitorioso.

* Mestre, professor adjunto da Faculdade de Medicina, doutorando na Faculdade de Educação e idealizador do Projeto Manuelzão

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