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Nº 1731 - Ano 37
28.03.2011

HOMOFOBIA institucionalizada

Pesquisa aponta que o preconceito baseado na orientação sexual está intimamente ligado às formas cotidianas de humilhação

Fred Lamêgo

De maneira explícita ou velada, a homofobia está presente nas relações sociais. Pesquisa do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh) da Fafich pretende aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos que estão por trás do preconceito contra as não heterossexualidades, por meio de relatos de jovens homossexuais e pela observação da rotina de escolas públicas, microcosmo onde as relações sociais são reproduzidas e institucionalizadas.

O trabalho, coordenado pelo professor Marco Aurélio Prado, do Departamento de Psicologia da Fafich, é dividido em duas etapas e tem previsão de conclusão no primeiro semestre de 2012. A primeira fase, que aborda a relação entre os jovens gays e lésbicas e suas famílias, começou em 2010 e já está concluída. As conclusões dessa etapa estão sistematizadas na dissertação de mestrado de Daniel Arruda Martins, que se baseou em entrevistas qualitativas realizadas com jovens, alguns deles vitimados por agressões após assumirem sua homossexualidade.

O próximo passo é a finalização do estudo das interações efetuadas em âmbito institucional – no caso, as escolas públicas. Segundo Prado, o objetivo é compreender a conexão entre as práticas de preconceito consideradas normais pela sociedade e os atos de violência. “A homofobia deve ser pensada como resultado de um sistema complexo de humilhação, por meio do qual atos heterogêneos de violência estão muito conectados. Uma violência contra um homossexual que aparece na mídia não pode ser separada das formas cotidianas de humilhação”, analisa Marco Prado.

Como exemplos de preconceitos triviais, destaca o professor, estão as piadas que depreciam gays, lésbicas e travestis e a coerção imposta a jovens que se comportam ou gostam de atividades socialmente convencionadas como próprias do sexo oposto. “A maior parte desses preconceitos expressa situações de humilhação cotidiana, como brincadeiras, exemplos de professores em sala de aula e formas de controle social entre os alunos que buscam submeter os indivíduos às normas de gênero”, diz.

Saindo do armário

A revelação da homossexualidade para a família é um processo que pode ter como resposta não apenas a aceitação ou a rejeição do jovem gay. “Sair do armário não é um ato em linha reta. Nesse processo ocorre de tudo: famílias que expulsam filhos e filhas de casa, que tratam a questão como um problema psicológico e até as que lidam de forma carinhosa desde que não se fale muito em relações sexuais e que não se explicitem comportamentos de afeto entre pessoas do mesmo sexo”, afirma.

Com base na análise dos depoimentos dos jovens, o professor Marco Prado afirma que assumir a homossexualidade envolve uma complexa negociação entre o jovem e a família, resultando em acordo tácito ou manifesto associado aos modos de conduta estipulados pela família para que haja a aceitação. “A negociação, às vezes, implica não se assumir, outras assumir e não demonstrar. É algo muito particular de cada família”, destaca.

As narrativas dos garotos sobre suas negociações, de acordo com Marco Aurélio Prado, contribuíram para que os pesquisadores discutissem a importância das políticas de afirmação da homossexualidade. Essas políticas, que pregam a importância de assumir a orientação sexual, são bastante defendidas pelos movimentos LGBT. O estudo, no entanto, indica que elas nem sempre são o melhor caminho. “Temos depoimentos de jovens que saíram do armário e a relação deles com a família piorou a ponto de sofrerem violência cotidiana”, justifica.

Escolas

A observação do fenômeno nas escolas públicas é a próxima etapa. Para isso, foram selecionadas instituições da Região Metropolitana de Belo Horizonte que desenvolvem projetos de combate à homofobia. Porém, o estudo já conta com informações a respeito das interações desenvolvidas no meio, pois outros programas do Núcleo trabalham há algum tempo com esse público.

Por meio dessa experiência prévia e de pesquisas realizadas anteriormente por órgãos governamentais e universidades, já se sabe que o ambiente escolar é bastante discriminatório em relação à diversidade, não só a sexual. Além da violência explícita, existem outros mecanismos, inclusive pedagógicos, que, segundo Prado, segregam gays, lésbicas e travestis. Um exemplo está nas disciplinas de educação sexual que abordam as questões apenas pelo viés heterossexual, sem contemplar as dúvidas comuns à vida dos jovens homossexuais ou daqueles que iniciam seu processo de transexualização.

Manuscrito
Marco Aurélio Prado: observação de manifestações do preconceito nas escolas públicas

A discriminação tem relação direta com o aproveitamento escolar. Essa constatação é corroborada pela pesquisa Discriminação e preconceito nas escolas, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido do Ministério da Educação. “Alunos gays e lésbicas ficam, muitas vezes, menos tempo na escola ou desenvolvem mecanismos de defesa contra sua própria orientação sexual. Em alguns casos, transformam-se nos melhores estudantes, pois precisam ser reconhecidos no ambiente escolar. E aí podem acabar neutralizando qualquer tipo de desejo sexual”, conclui Marco Prado.