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Nº 1748 - Ano 37
12.9.2011

O CÉREBRO e suas INTERFACES

Evento de Neurociências amplia caráter interdisciplinar e discute questões contemporâneas como os efeitos do crack e os mitos em torno do estresse

Gabriella Praça
Ferramenta usada em experimentos de engenharia biomédica: interface homem-máquina
Ferramenta usada em experimentos de engenharia biomédica: interface homem-máquina

Gabriella Praça

I nterdisciplinar. Na definição do dicionário Aurélio, o adjetivo qualifica aquilo que é comum a duas ou mais disciplinas ou ramos do conhecimento. Essa é principal característica da I Semana de Neurociências da UFMG, que reunirá profissionais das mais diversas áreas, de engenheiros a psicólogos – passando por médicos, farmacêuticos, bioquímicos e até administradores.

O evento, que acontece entre os dias 19 e 24 de setembro, nos campi Pampulha e Saúde, englobará o V Simpósio de Neurociências da UFMG e o I Encontro de Engenharia Biomédica. “Como o Simpósio fazia muito sucesso, decidimos, este ano, ampliar as atividades oferecidas, dando origem à Semana”, explica a coordenadora geral do evento, professora Angela Maria Ribeiro. À frente do Programa de Pós-graduação em Neurociências da UFMG, ela salienta que, a cada edição, o Simpósio destaca a relação das neurociências com uma área do conhecimento. “Dessa vez, o campo escolhido foi o da engenharia biomédica, cujos pesquisadores desenvolvem uma variedade de métodos e técnicas de interesse para as neurociências”, ressalta. Processamento de sinais, eletroencefalograma, ressonância magnética e dispositivos de neuroimagem são algumas das contribuições da engenharia para a área.

Todas essas técnicas, destinadas a avaliar mecanismos específicos que contribuem para identificar disfunções no organismo, surgiram como resultado da parceria de especialistas da engenharia com pesquisadores da área de saúde. Como observa a fisioterapeuta Clarissa Cardoso, doutoranda do Programa, engenheiros devem elaborar equipamentos de interface amigável, para que o profissional de saúde possa manuseá-los com facilidade. “Eles elaboram o equipamento que nós utilizaremos – e, por isso, é fundamental o trabalho em equipe, com profissionais de diferentes áreas em busca de um objetivo comum”, sentencia.

Orientada pelo professor Carlos Julio Tierra-Criollo, do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia, Clarissa desenvolve projeto voltado para reabilitação neurológica de pessoas que sofreram AVC. “Na engenharia aprendi a usar o eletroencefalograma, o instrumento que permite avaliar o padrão de ativação cortical desses pacientes”, revela. Para a pesquisadora, engenharia e medicina tendem a caminhar cada vez mais juntas, com o desenvolvimento de áreas como a robótica e o advento das interfaces cérebro-máquina.

Desafios

O uso de drogas também estará entre os assuntos discutidos no evento, com mesa-redonda dedicada à dependência de crack. Para o professor da Faculdade de Medicina da UFMG Valdir Campos, que apresentará um trabalho na mesa, a abordagem e o tratamento de dependentes do crack estão entre as questões mais desafiadoras do Brasil contemporâneo. “Desde a década de 90, quando surgiu a cracolândia em São Paulo, pesquisadores da USP já avisavam que este seria um problema de saúde pública, caso nenhuma providência fosse tomada”, recorda-se. “Foi uma previsão que virou realidade”, completa.

Segundo o pesquisador, uma das principais dificuldades encontradas pelos estudos na área é a falta de medicação destinada ao tratamento da dependência química. O que existe atualmente são remédios que apenas aliviam os sintomas da abstinência, como perda de apetite, insônia, falta de prazer e desinteresse pelo convívio social e familiar. Por isso, diz ele, junto com a administração de medicamentos, devem ser feitos um tratamento psicológico e um acompanhamento da reinserção social do paciente. Embora o crack não esteja entre as drogas mais usadas no Brasil, é uma das mais destrutivas. Estudos mostram que a eficácia de tratamento é baixa, com recuperação de apenas cerca de 30% dos usuários.

Outro problema contemporâneo em debate na Semana de Neurociências é o estresse. O professor da Faculdade de Medicina da UFMG Antônio Lúcio Teixeira Jr. coordenará a mesa-redonda Estresse, comportamento e cognição. De acordo com ele, a atividade visa atualizar a definição de “estresse”, muito banalizada nos dias de hoje. “No senso comum, há uma visão muito simples do estresse, envolvendo uma série de mitos, como o de que ele tem caráter patológico”, analisa. “A rigor, o estresse não é bom nem ruim, mas uma mera reação do organismo em busca de seu funcionamento normal”, pondera Teixeira. Os participantes da mesa também pretendem discutir as bases neurológicas do fenômeno, com ênfase nas alterações neuroquímicas e neuroimunológicas.

Já no painel Neurociências e administração o tema será a influência dos neurotransmissores nas escolhas de consumo baseadas em atributos como cor, sabor, olfato, forma e elementos emocionais relacionados a produtos e serviços. “Os neurocientistas estudam essas condições, e nós as utilizamos para desenvolver produtos que atraiam os consumidores”, esclarece o professor da Faculdade de Economia (Face) da UFMG José Edson, que será debatedor do evento. O objetivo do painel é discutir possibilidades de aplicação teórica e metodológica das neurociências no marketing. Para o coordenador da atividade, Carlos Alberto Gonçalves, também professor da Face, “essa nova metodologia tem amplo potencial de aplicação em estudos de fenômenos comportamentais e decisórios no campo da administração”.

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