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Nº 1788 - Ano 38
3.9.2012

Leveduras migrantes

A migração de polinésios para a América e a Oceania pode ter levado à dispersão de microrganismos por diferentes continentes. Essa é a hipótese de estudo desenvolvido pela UFMG em parceria com University of Western Ontario (Canadá) e Pontificia Universidad Católica del Ecuador (Equador). Em artigo publicado em junho pelo International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, pesquisadores interpretam a presença da levedura Saccharomycopsis fodiens na Austrália, nas ilhas Galápagos, na costa equatorina, e na Costa Rica como uma possível consequência das migrações de povos asiáticos para esses lugares.

A tese foi formulada a partir de projeto de coleta de leveduras em busca de novas espécies, iniciado em 2009 nas ilhas Galápagos. “Isolamos cerca de mil leveduras, e quando fizemos a identificação por biologia molecular, descobrimos que uma delas era idêntica a uma espécie que o pesquisador Marc-André Lachance [Canadá] tinha isolado na Austrália”, revela o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG Carlos Augusto Rosa.

Coordenador do Laboratório de Taxonomia, Biodiversidade e Biotecnologia de fungos do ICB, Carlos Rosa escreveu a Lachance relatando a novidade, e foi informado de que a mesma espécie tinha sido encontrada também na Costa Rica. Nos três lugares, a levedura se associava a uma flor específica – Hibiscus, na Austrália, e Ipomoea (o gênero da batata-doce) na Costa Rica e em Galápagos.

Segundo o professor, os besouros que caminham sobre a superfície dos nectários dessas flores são responsáveis por espalhar a levedura pelo meio ambiente. “Além de permanecerem fisicamente protegidos pela flor, esses insetos ingerem os microrganismos presentes no néctar, entre eles as leveduras, fontes de proteínas”, observa. Ao caminhar no interior da flor, o corpo dos besouros também se enche de leveduras, que são dispersadas para outras flores quando eles levantam voo.

Além-mar

Carlos Rosa
Ipomoea, espécie de flor encontrada em Galápagos, garante proteção à levedura Saccharomycopsis, que é espalhada no ambiente por insetos
Ipomoea, espécie de flor encontrada em Galápagos, garante proteção à levedura Saccharomycopsis, que é espalhada no ambiente por insetos

Estima-se que cerca de seis mil anos antes de Cristo tenha havido uma grande migração de polinésios, povos originários de Taiwan e da China, para Indonésia, Micronésia e Melanésia – regiões majoritariamente insulares. “Como os polinésios eram excelentes navegadores, acredita-se que tenham atravessado o Pacífico e visitado os Andes, onde, possivelmente, teriam coletado a Ipomaea batatas, proveniente da região”, salienta Carlos.

Registros de fósseis carbonizados de batata-doce encontrados na Polinésia revelam que a espécie estava presente por lá há cerca de mil anos. Além disso, a semelhança da palavra “cumar”, que significa “batata-doce” na língua Quichua, falada por indígenas habitantes dos Altos Andes, com o termo “kumara”, que expressa o mesmo conceito na Polinésia, também sugere a ocorrência de contatos remotos entre povos oriundos das duas regiões.

Após coletarem batata-doce nos Andes, os polinésios teriam levado a planta dentro de navios para vários outros lugares do mundo. Como na flor da batata-doce encontra-se uma grande diversidade de espécies de leveduras, eles teriam contribuído para dispersar os microrganismos por diferentes regiões. “Ao carregarem consigo plantas e animais, os migrantes levavam junto os microrganismos específicos dos lugares por onde passavam”, ressalta Carlos.

Para o biólogo, a migração da levedura Saccharomycopsis fodiens teria se dado pelo transporte aquático de plantas que eram o habitat natural da espécie, levadas junto com os besouros presentes nas flores. “Acreditamos que os polinésios tenham transportado Ipomaea, cujas flores já continham larvas ou pupas dos insetos, que eclodiam e dispersavam a levedura para outros ambientes”, enfatiza.