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Nº 1788 - Ano 38
3.9.2012

Em estado de alerta

Estudo de pesquisadora da UFMG demonstra mecanismos celulares de doenças gastrointestinais

Ana Rita Araújo

O reconhecimento anormal, pelo sistema imune, de bactérias presentes no intestino é uma das causas de doenças inflamatórias intestinais como a colite, afirma a pesquisadora da UFMG Liliane dos Santos, coautora de artigo publicado na edição de agosto da revista Science.

Desenvolvido em parceria com pesquisadores do National Institute of Allergy and Infectious Disease (NIH), em Bethesda (EUA), o estudo demonstra que em situações de perda do equilíbrio entre a flora intestinal e o organismo, as chamadas células T do sistema imune deixam de ignorar a existência de micróbios normalmente presentes nessa flora.

Esse reconhecimento leva esse tipo de célula a se multiplicar para gerar novas células e produzir citocinas – proteínas responsáveis por induzir ou conter a inflamação. “O aumento do número de células e a produção de citocinas constituem a reação do sistema imune contra as bactérias da microbiota”, explica Liliane dos Santos.

A bióloga, que atualmente realiza pós-doutorado no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), da UFMG, participou da pesquisa quando esteve no NIH em programa de doutorado sanduíche, de 2009 a 2011. Sua tese de doutorado foi desenvolvida no Programa de Bioquímica e Imunologia do ICB, com orientação da professora Yasmine Belkaid, do NIH.

Tratamento

Na pesquisa, foi possível perceber que quando o equilíbrio é rompido – por uma infecção intestinal causada por parasita, por exemplo –, as bactérias normalmente contidas no intestino se deslocam para outros órgãos. A partir daí, células chamadas apresentadoras de antígeno, como as dendríticas e os macrófagos, carregam partículas das bactérias até as células T, que fazem o reconhecimento.

O estudo utilizou camundongos especiais, como a linhagem transgênica Cbir1, na qual todas as células T reagem a apenas um tipo de bactéria da flora intestinal. As cobaias foram infectadas com o parasito Toxoplasma gondii, protozoário que provoca infecção capaz de romper as barreiras naturais do intestino, de modo que as bactérias ali presentes chegam a órgãos como baço e fígado. É nesse momento que o sistema imune, conjunto de células e mecanismos responsáveis pela proteção do organismo, elabora resposta exagerada contra tais bactérias. Algumas doenças inflamatórias do intestino, como a colite e a doença de Crohn, têm sua origem nessa reação exagerada do sistema imune.

O trabalho Acute Gastrointestinal Infection Induces Long-Lived Microbiota-Specific T Cell Responses demonstra que a resposta imune a bactérias do intestino é importante porque pode ajudar a proteger o organismo contra parasitas. Tal resposta é ativada não apenas nesse momento, mas todas as vezes que a célula T entra em contato com a bactéria, devido à chamada resposta de memória, semelhante ao efeito produzido no organismo pelas vacinas.

A pesquisadora também explica que, quando o organismo perde um tipo de bactéria intestinal devido ao uso de antibióticos, toda a resposta imune se modifica. Um tratamento alternativo deveria ser muito específico, porque se a reação do sistema imune contra a bactéria fosse retirada, o organismo perderia também parte da resposta protetora contra infecções causadoras do desequilíbrio.

O estudo abre caminho para pesquisas que buscam, por exemplo, terapias eficazes contra doenças inflamatórias do intestino. “É possível que no futuro se consiga pensar uma maneira de impedir que a resposta imune aconteça, para evitar doenças inflamatórias intestinais, sem deixar de combater as bactérias”, comenta Liliane dos Santos, destacando que a pesquisa realizada no NIH não propõe terapias, apenas revela os mecanismos das infecções gastrointestinais.

Lactobacilo contra asma

De volta ao Laboratório de Gnotobiologia e Imunologia da UFMG, Liliane dos Santos desenvolve pesquisa do pós-doutorado, sob orientação da professora Leda Quercia Vieira, com o objetivo de estudar os efeitos das bactérias probióticas no intestino, em especial os lactobacilos. “Probióticos são organismos vivos que, quando ingeridos em determinado número, exercem efeitos benéficos para a saúde, por sua ação no trato intestinal”, explica Liliane.

Segundo ela, o modo de ação dos probióticos é o mesmo das bactérias da microbiota intestinal: competem por nutrientes ou por receptores, produzem substâncias como a bacteriocina, que inibem a ação de microrganismos patogênicos; ou estimulam mecanismos imunológicos do organismo, que impedem a invasão de micróbios nocivos.

No trabalho, a bióloga dá continuidade à pesquisa desenvolvida no mestrado, em que mostrou o efeito do probiótico Lactobacillus delbrueckii na resistência contra infecções intestinais. “Nosso objetivo agora é testar se este mesmo lactobacilo pode proteger contra doenças alérgicas como a asma”, informa. Segundo ela, os resultados preliminares revelam que o tratamento com o lactobacilo reduz a resposta imunológica que é responsável pela asma, levando assim a uma proteção parcial contra a doença.