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Nº 1795 - Ano 39
22.10.2012

Vida e obra contra o espetáculo

Tese defendida na Fale mostra como o francês Guy Debord vivenciou sua crítica à sociedade definida pelo capitalismo

Itamar Rigueira Jr.

A “sociedade do espetáculo” instaurada pelo capitalismo foi o inimigo contra o qual o filósofo francês Guy Debord (1931-1994) teorizou, escreveu, filmou... e viveu. Ele experimentava plenamente a crítica a uma sociedade em que, segundo ele, as pessoas não são protagonistas, mas espectadores de suas próprias existências.

Sob perspectiva que alia literatura comparada à crítica biográfica, Pablo Gobira empreendeu pesquisa que resultou em tese defendida este ano na Faculdade de Letras da UFMG. Para entender a obra de Debord, ao invés de analisar separadamente elementos como filmes, textos e autobiografia, Gobira passou a considerar cada gesto e cada palavra do pensador como parte de sua teoria crítica e de sua ação contra o capitalismo.

“Ele se propunha uma vida em um jogo, sem predominância da competição e sem necessidade de haver um único vencedor”, afirma Pablo Gobira. Essa forma de agir encerrava ainda uma alegoria da guerra e uma estratégia anticapitalista. “Ele era também um ativista antiarte, integrava a Internacional Situacionista, que pregava a unificação do Dada (representando a dissolução da arte) e do Surrealismo (a realização da arte)”, prossegue Gobira, que fez sua carreira acadêmica na Fale, sempre em interface com áreas como artes, administração, comunicação e computação.

Inatual

Ativista, por sinal, segundo o pesquisador, é como seria classificado Debord hoje, mas essa classificação não é o bastante. Pablo Gobira comenta que suas ideias possibilitam entender melhor a forma de mobilização de movimentos como a Primavera Árabe e o Ocupem Wall Street, que lançam mão das tecnologias de comunicação digital.

“Os ideólogos desses movimentos aproveitam parte das teorias de Debord. Parece que acham difícil ler o autor pelo que ele está dizendo de fato. Como disse o (filósofo italiano) Giorgio Agamben, Debord se enquadra na categoria dos teóricos inatuais ou contemporâneos, que são incompreendidos em sua própria época.”

Para Gobira, o francês veria o potencial de participação artística e política conferido pelas mídias digitais como indissociável do capitalismo, porque esse fenômeno foi reapropriado pelo sistema. Mas é fato, ressalva o pesquisador, que os movimentos recentes de protesto “manifestam o desejo de mudança que esteve presente no século 20 e que Debord representou”.

Em seu texto de fechamento da tese, Pablo Gobira afirma que a vida de Debord se faz na tensão da guerra contra o espetáculo. “Entre uma vida negada (pelo espetáculo) e uma vida de negação da negação (por meio da crítica do espetáculo), ele elabora um discurso”, que é “quase uma narrativa sobre a vida no espetáculo e sobre sua própria vida como estrategista antiespetacular”, revelando o que Gobira chama de metavida.

Ele ressalta, entretanto, que, “através de sua existência real, Debord sucumbe, em diversos momentos, à condição de espectador, como escritor em processo de incorporação pelo espetáculo em diversas partes do mundo”.

A tese de Pablo Gobira – que, segundo ele, propõe pela primeira vez no Brasil uma abordagem de Debord na área dos estudos literários – dialoga com pesquisa do professor Emiliano Aquino, da Universidade Estadual do Ceará, que trabalha com a obra do francês sob o viés da Filosofia.

De acordo com Gobira, as conclusões de Aquino contribuíram para o entendimento da construção da teoria crítica como parte da vida do autor, assim como da teoria crítica como estratégia. Na tese, como escreve o autor, “a afirmação de um Debord estrategista é acrescida da constatação da presença do biográfico em sua teoria, elemento que retorna ao espaço de exposição e de expressão do autor a todo momento”.

Para Gobira, Guy Debord coloca sua expressão em um jogo, como forma essencial para juntar a expressão estética e a crítica social. O filósofo pretendia existir para além do espetáculo. “Ao que parece, ele acreditou que o texto (o registro biográfico, metafórico, alegórico, provocador etc.), ao ser usado, desviado, modificado, lhe permitia isso”, afirma Pablo Gobira em seu trabalho.

Tese: Guy Debord, jogo e estratégia: Uma teoria crítica da vida

De Pablo Gobira

Orientadora: Eneida Maria de Souza

Programa de Pós-graduação em Estudos Literários

Defesa em 2 de julho