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Nº 1821 - Ano 39
20.5.2013

opiniao

Inovação tecnológica e desenvolvimento social: o que a Fundepar tem a ver com isso?

Jorge Alexandre Barbosa Neves*

Amartya Sen, em sua crítica à teoria da Justiça de John Rawls, se vincula a uma tradição específica da Filosofia Moral – tradição que mantém forte vínculo com o mundo empírico – e propõe que uma boa teoria da justiça deve considerar “(...) a avaliação de combinações de instituições sociais e padrões de comportamento públicos sobre as consequências sociais e realizações que eles produzem”. Assim, a partir de tal abordagem, muitos propõem que tanto a compreensão quanto a ação referentes à promoção da justiça ou do desenvolvimento social devem se basear na aprendizagem de outras experiências que representem desenhos institucionais exitosos.

Devemos aprender com a história e com os exemplos contemporâneos. Há algumas décadas, muitos cientistas sociais têm pesquisado o chamado Estado do Bem-estar Social (Ebes). Um dos problemas analisados se refere ao financiamento das políticas sociais necessárias à sua fundação e à sua manutenção. James O’Connor, nos anos 1970, já chamava a atenção dos leitores de seu então famoso livro, A crise fiscal do estado capitalista, para as dificuldades de financiamento de políticas públicas por parte de um Estado que busca atender demandas diversas em uma sociedade complexa.

Mais recentemente, pesquisadores como Gosta Esping-Andersen, Evelyne Huber e John Stephens debruçaram-se sobre a análise da chamada crise do Estado do Bem-estar Social. Entre as principais lições que emergem de seus estudos há uma a demonstrar que um Ebes só é sustentável se: a) demandar gastos dentro de limites razoáveis, que não levem a rupturas do contrato social ou à inviabilização das atividades econômicas; b) estiver ancorado em uma economia com elevado grau de competitividade, intensa capacidade de inovação tecnológica e forte base industrial.

A primeira condição levou as políticas de bem-estar social de alguns países (marcadamente o Canadá e a Austrália, mas também pode ser citado o caso brasileiro, quando se pensa nas políticas sociais mais recentes, como os programas Bolsa Família e de Benefício de Prestação Continuada) a migrarem de um modelo universalista para outro de natureza focalizada.

A segunda condição pode ser observada quando se analisa a atual “crise da zona do euro”. Nos países da zona do euro com economias de elevado grau de inovação tecnológica e forte base industrial – casos de Alemanha, Finlândia e Holanda – não se observa hoje uma crise econômica semelhante àquela de países como Portugal, Grécia e Espanha (para citar os casos mais significativos), onde as políticas de bem-estar social estão ameaçadas.

A partir da Constituição de 1988, o Brasil vem construindo o seu próprio modelo de Ebes. Isso tem permitido significativa queda dos indicadores de desigualdade, principalmente da concentração de renda (o coeficiente de Gini caiu de 0,61, em 1990, para 0,52, em 2012). Todavia, o Brasil continua sendo um dos países com os maiores índices de desigualdade de renda no mundo. Para dar continuidade à redução da desigualdade de renda (e ampliar esse processo para a diminuição de outras formas de desigualdade), será preciso investir mais recursos em políticas de bem-estar social. Como viabilizar recursos adicionais?

O aprofundamento do processo de desenvolvimento social exige que a economia brasileira dê novos saltos tecnológicos para alcançar um padrão semelhante àquele dos países europeus citados acima (bem como o dos EUA e o de algumas nações asiáticas, em especial a Coreia do Sul). Para tanto, temos que avançar muito no processo de inovação tecnológica.

Particularmente, o Brasil precisa se tornar muito mais eficaz nos mecanismos de transferência de conhecimento das instituições de pesquisa e das universidades (públicas e privadas) para o setor produtivo (público e privado). Essa é uma área em que as políticas públicas brasileiras não têm sido particularmente bem-sucedidas (principal evidência: a produção científica cresce de forma exponencial, mas a inovação tecnológica tem ficado estagnada). Todavia, além de alguns casos menores espalhados pelo país, há dois exemplos de grande sucesso no Brasil. O primeiro é o da Embraer. Alguém acredita que essa empresa teria chegado aonde chegou se não estivesse localizada próximo ao Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA) e ao Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos?

Esse é um modelo possível, a criação de um conglomerado tecnológico com empresas e instituições de ensino e pesquisa interligados de maneira formal ou não. O segundo caso de sucesso no Brasil é o do setor agropecuário, com a integração da Embrapa com os campi universitários agrários de excelência, produtores rurais e empresas de agronegócio. Outros modelos precisam ser iniciados e testados.

A Fundep está dando um importante passo com a criação da Fundep Participações (­Fundepar). Ela será uma empresa – capitalizada a partir de recursos da própria fundação, de bancos públicos e de instituições de financiamento da pesquisa – que financiará o processo de criação de empresas que tornarão real a produção e comercialização de bens e serviços oriundos de patentes produzidas na UFMG.

A Fundep inaugura, no Brasil, um modelo que já faz sucesso em universidades de pesquisa de ponta (públicas e privadas) em países desenvolvidos. Espero que sejamos exitosos e que consigamos mais um modelo a ser seguido para conseguirmos superar esse importante entrave ao nosso desenvolvimento econômico e social.

*Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e diretor da Fafich