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Nº 1833 - Ano 39
26.08.2013

opiniao

Uma percepção ampliada do quadrilátero ferrífero

Charles de Oliveira Fonseca*,
Ludimila de Miranda Rodrigues*
e Vagner Luciano de Andrade**

Perceber o mundo para nele intervir de maneira harmônica e equitativa é uma das premissas que moldam novos projetos educacionais. Perceber é uma forma de inovar, de romper com o tradicionalismo que historicamente molda a formação humana. Perceber é sair das barreiras existentes, das salas fechadas e ir ao mundo, para lê-lo, entendê-lo e atuar sobre ele de maneira consciente, crítica e coesa.

A percepção, além de área de estudo das neurociências, é também uma das escolas geográficas que propõem nova forma de analisar a conturbada relação entre homem e natureza. Assim, numa perspectiva fenomenológica, por meio dos cinco sentidos é possível perceber, interpretar e analisar as diferentes materializações do conflito entre ser humano e meio ambiente. Com base na contemplação, percepção, interpretação, interação e reflexão, a educação ambiental tem papel relevante na contemporaneidade ao socializar informações que efetivamente ­convoquem cada um à ação individual ou coletiva para se mudar a realidade socioambiental.

Perceber diferentes paisagens naturais, rurais ou urbanas, é uma das muitas possibilidades do fazer pedagógico aplicado ao turismo, quando este viabiliza diferentes conteúdos a serem abordados a partir da saída a campo e das múltiplas vivências proporcionadas. Para se pensar uma prática integradora e perceptiva de educação ambiental a partir de conteúdos formatados, faz-se indispensável elencar um mosaico de paisagens e a partir dele explorar possibilidades didático-pedagógicas de leitura e interpretação ambiental do meio identificando diferentes espacialidades e temporalidades. Muitas possibilidades educativas no entorno da capital mineira escondem-se em paisagens do Quadrilátero Ferrífero (QF), em especial aquelas localizadas na região da Serra do Curral.

A serra é praticamente a única área geológica do QF dentro da capital que ainda preserva condições muito próximas do ambiente natural. A estrutura geológica do QF é formada por rochas formadas entre 2,5 bilhões e 900 milhões de anos atrás, concentrando vastas reservas de minério de ferro, manganês e água subterrânea, além de quantidades menores de nióbio, ouro, alumínio e topázio. Essa região é responsável por 80% da produção nacional de minério de ferro, sendo que de 60 a 70% são destinados à exportação. O QF é inclusive muito divulgado pelos livros de Geografia cujas abordagens didáticas ressaltam apenas o caráter capitalista da exploração minerária, sem considerar com detalhes os impactos e devastações decorrentes da continua ação antrópica na região, delineando, dessa forma, pouca valorização de seus inúmeros atributos ecológicos, socioculturais e históricos.

Ao se ressaltar a exploração comercial de minérios, sem destacar o impacto negativo dessas ações, ignora-se uma área única em termos de biodiversidade e cultura. Além de sua relevância como província geológica, a área caracteriza-se como extremamente prioritária para a conservação de fauna e flora, em decorrência do encontro de dois importantes biomas brasileiros declarados cientificamente como hotspots – Mata Atlântica e Cerrado –, sendo ainda uma das regiões de maior diversidade florística da América do Sul, com mais de 30% de endemismo. Ressaltar o potencial educativo e turístico dessa região delineará nova perspectiva para a sociedade mineira rompendo com o histórico de valorização econômica, outrora consolidada, e inaugurando uma valorização ecológica e verdadeiramente sustentável.

A Serra do Curral, localizada no bairro Mangabeiras, limite leste de Belo Horizonte, integra o maciço da Serra do Espinhaço e apresenta expressivas unidades geológicas e geomorfológicas do QF. Seu nome faz alusão à primitiva Curral del Rei, localidade extinta para se erguer em 1897 a nova capital de Minas Gerais, em substituição à colonial Ouro Preto. Os contrafortes da serra formavam uma espécie de curral natural, com pastagens naturais e recursos hídricos, onde se alojava o gado, depois de pagamento de tributos reais no Registro da Contagem das Abóboras, daí a expressão “curral do rei”.

Declarada em 19 de julho de 1977 pelo executivo estadual como área para futura implantação do Parque Presidente Wenceslau Brás, a serra hoje é protegida ambientalmente por uma série de unidades de conservação estaduais, municipais e particulares, tota­lizando quase 1,3 mil hectares de proteção integral. Destacam-se os parques das Mangabeiras, Estadual da Baleia, do Paredão, Fort Lauderdale e a RPPN Mata do Jambreiro, todos inseridos nos limites da APA Sul. Há também outras formas legais de preservação como o Tombamento Nacional pelo Iphan na década de 1960 e pela prefeitura em 1990, sendo que a serra foi ainda escolhida e legitimada em 1995 como símbolo oficial da capital em um plebiscito popular com cerca de 270 mil votos.

É indiscutível a junção dessas áreas em uma única unidade de conservação, pois a integração desses ambientes em um corredor ecológico propiciará a manutenção e preservação de sua biodiversidade. Desse modo, a consolidação do projeto do Parque Estadual da Serra do Curral é cada vez mais necessária, uma vez que preservará o restante das paisagens naturais ainda intocadas do QF em Belo Horizonte.

* Discentes do Programa de Pós-graduação em Geografia do IGC/UFMG
** Discente do Mestrado em Direção e Consultoria Turística da Universid Europea Miguel de Cervantes (Espanha)