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Nº 1839 - Ano 40
07.10.2013

opiniao

Centralidade de significados*

Heloísa Soares de Moura Costa**

Com o tema Cidades, será lançada no dia 15 de outubro a vigésima edição da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, cuja circulação foi interrompida em 1969 e retomada no final do ano passado a partir do número 19. Uma das formas mais antigas de aglomeração espacial e de manifestação cultural, a cidade possivelmente constitui a síntese mais contundente da sociedade, expressando potencialidades e conflitos ao longo do tempo, muitos dos quais marcados claramente no espaço. Ao mesmo tempo e cada vez mais, a cidade é parte do cotidiano de um contingente expressivo da população mundial, sendo-o mais ainda da população brasileira.

Mais do que uma evidência numérica, representada pelos elevados e crescentes graus de urbanização, são os modos de vida urbana – valores, aspirações e desejos, práticas socioespaciais, disputas em torno do uso e apropriação do espaço, processos de produção e troca – que dão à cidade esta centralidade de significados na vida das pessoas.

A cidade é, por princípio, simultaneamente objeto e lugar da política e da ação coletiva, espaço do aprendizado e do reconhecimento da alteridade, valor de uso que dá sentido à noção de urbanidade. Entretanto, tal visão é permanentemente contestada pela hegemonia do valor de troca manifesta na luta pelo espaço, que contrapõe o direito à cidade às tendências privatizantes do chamado empreendedorismo urbano, ao consumo do espaço ou ao caráter excludente da dinâmica imobiliária e da produção do espaço de forma mais ampla.

Por outro lado, as recentes manifestações políticas que tomaram as ruas das principais cidades do país nas últimas semanas, entre outros aspectos, contribuíram para resgatar o potencial político do espaço público, fundamental para a existência das cidades e da vida urbana.

O tema é desenvolvido nesta edição em três seções. O primeiro conjunto parte de perspectiva humanista, correspondendo a olhares lastreados nas dimensões da cultura, da vivência e da experiência nas cidades, bem como em diferentes concepções e leituras possíveis de seus espaços. Alinhavando vários dos textos está a tentativa de compreensão das transformações pelas quais as cidades vêm passando ao longo do tempo, culminando na cidade contemporânea.

O segundo conjunto de artigos se concentra nas tendências e contradições associadas à produção e apropriação da metrópole contemporânea, a partir de referencial teórico oriundo da economia política e da produção social do espaço. Já a última seção aborda de forma mais específica algumas relações entre arte e cidade, seja discutindo criticamente e realizando intervenções na cidade, seja problematizando o papel que as artes e a cultura de forma geral, principalmente aquelas decorrentes de políticas públicas da área, representam como possibilidades de compreensão das diferenças e desigualdades existentes no ambiente urbano.

A edição também contempla manifesto cultural, poema e ilustrativa entrevista com o crítico e curador Frederico Morais, realizada pela historiadora de arte Marília Andrés Ribeiro. Residente há vários anos no Rio de Janeiro, o crítico faz uma instigante reflexão sobre momentos significativos de sua trajetória, tais como os percalços vividos no período da ditadura militar nos anos 1960/70 como crítico militante e curador de exposições inovadoras e marcantes, ou experiências como professor nas quais o cotidiano da cidade se destaca como uma importante presença nas experiências dos alunos e dos artistas.

A próxima edição da Revista abordará a Água. O assunto veio a compor a lista de grandes temas elaborada pelo conselho editorial, quando se planejava a retomada da publicação. A água é simultaneamente fundamento da vida e elemento constituinte do planeta, valor de uso coletivo em torno do qual se criaram e organizaram saberes, cultos, hábitos, se estruturaram culturas e ecossistemas, cidades e regiões, formas de organização territorial e institucional, serviços coletivos e políticas públicas; objeto exemplar de valoração econômica e simbólica da natureza; berço da história, fonte de inspiração da literatura, da música e várias formas de manifestações artísticas, objeto de pesquisa e de inovação científica e tecnológica.

A água ocupa lugar central na agenda de discussões de entidades internacionais e multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU), de movimentos sociais de amplo espectro, de políticas territoriais públicas e privadas em várias escalas.

*Este artigo contém trechos do editorial da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
**Editora executiva da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais e professora do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências