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Nº 1861 - Ano 40
28.04.2014

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Macondo é aqui

Obra de Gabriel García Márquez inspirou estudos literários e historiográficos na UFMG

Ewerton Martins Ribeiro*

O escritor colombiano Gabriel García Márquez, morto este mês, criou um estilo inconfundível, reconhecido de imediato pelo leitor. “Uma de suas marcas é a junção dos modelos literários com as narrativas orais, baseadas em conversas do escritor com seus parentes, que serviram de fonte para a incorporação da oralidade em suas obras”, destaca a professora Graciela Ravetti, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras.

A vice-reitora Sandra Goulart Almeida, também professora de literatura na Faculdade de Letras, destaca a projeção internacional que a obra do escritor colombiano trouxe para a América Latina. “Ele pôs a nossa literatura no cenário global, além de ter sido um intelectual que refletiu sobre questões de fundo da região.”

A obra de García Márquez estimulou várias reflexões no contexto da pesquisa realizada na UFMG, extrapolando os estudos literários e alcançando áreas como a historiografia. A professora Adriane Vidal Costa, do Departamento de História da Fafich, lançou recentemente o livro Intelectuais, política e literatura na América Latina: o debate sobre revolução e socialismo em Cortázar, García Márquez e Vargas Llosa, em que, dentre outros aspectos, analisa o papel da obra do escritor na disseminação do ideário da Revolução Cubana e nos demais debates políticos que se estenderam entre as décadas de 1960 e 1990, em especial no que tange aos temas socialismo e revolução.

“Ele foi um escritor que se enquadrou, à sua maneira, no ‘modelo’ que buscava aliar política com produção intelectual e literária”, afirma Adriane Vidal. Segundo ela, García Márquez tornou-se ardoroso defensor do regime cubano e amigo de Fidel Castro em meados dos anos 1970 e defendeu o castrismo e a revolução até o final da vida, mesmo com o autoritarismo, as perseguições e os fuzilamentos perpetrados na Ilha. Ainda naquela época, continua a historiadora, García Márquez redigiu várias crônicas, nas quais abordou a história de Cuba. Grande parte desses escritos — publicados entre 1975 e 1978 na revista Alternativa e no jornal El Espectador — revelou sua veia jornalística e militante e uma narrativa testemunhal, parcial e subjetiva. “García Márquez narrou os acontecimentos utilizando recursos mais próximos da literatura do que de uma linguagem jornalística apressada e enxuta, privilegiando a descrição densa e os detalhes. Podemos afirmar que nessas crônicas as linguagens literária e jornalística misturaram suas águas. O escritor colombiano, na verdade, promoveu uma intertextualidade entre jornalismo, literatura e história”, avalia Adriane Vidal.

Tão natural quanto o lençol que voa

Estudiosa das literaturas hispânicas e do teatro latino-americano, a professora chilena Sara Rojo, da Faculdade de Letras, analisa, na entrevista que se segue, a importância singular da obra de Gabriel García Márquez: “Ele propôs algo diferente. Nem o nosso realismo nem o surrealismo europeu. Uma criação que estreava um novo lugar de enunciação, a América Latina”. Confira alguns trechos de sua análise.

Novo olhar sobre América Latina

“Gabriel García Márquez criou uma maneira diferente de se fazer uma literatura hispano-americana. Ele possibilitou vislumbrar a América Latina de um novo lugar, propondo uma enunciação que leva em consideração as características próprias, as misturas culturais e a diversidade da região. García Márquez foi capaz de produzir uma obra que, olhando para este lugar, falou dele de maneira nova, que nos favorece pensar originalmente esta região tão diferente que é a América Latina.”

Realismo maravilhoso

“O realismo maravilhoso de Márquez nos permitiu perceber coisas de fora do cotidiano como naturais; como parte de nossa realidade, como parte de alguma realidade. Por exemplo: Márquez cria uma personagem tão bela que é quase inatingível. Um dia ela está colocando um lençol no varal e sai voando. O interessante é que, na obra, ninguém se assusta com isso. Dizem apenas ‘perdemos um lençol’. Mas acharam natural ela sair voando. Então o que ele traz é essa possibilidade da literatura de transformar em natural algo que em tese não é natural. Uma possibilidade de colocar em convivência a parte material da vida, o fogão, a panela, essas coisas, com a magia, o sobrenatural – e de nos colocar em convivência com isso.

‘Literatura total’

“Quando pequeno, Márquez viveu com os avós em um lugar onde ouvia muitas histórias militares – e histórias meio mágicas contadas pelo pessoal da cozinha. Ele vai cruzando essas realidades para compor a sua literatura. A cidade é Aracataca, na Colômbia, com a qual muitos teóricos relacionam a ficcional Macondo, de Cem anos de solidão. Outro elemento interessante, fruto dessas múltiplas influências, é que sua literatura pretende enxergar tudo, enxergar o todo, ser abrangente, uma ‘literatura total’. Sua obra também constrói redes. Um personagem de Cem anos de solidão, por exemplo, protagoniza depois uma história própria.”

* Colaboraram Ana Rita Araújo e Paulo Henrique Mauro (Versão resumida de matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 23/04/2014)