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Nº 1884 - Ano 41
10.11.2014

Encarte

Água em crise

Em workshop internacional na UFMG, especialistas discutirão estratégias de governança para os recursos hídricos

Hugo Rafael

O Brasil não se preparou, com antecedência e de forma adequada, para enfrentar a crise hídrica que tem atingido, sobretudo, a região Sudeste. A opinião é do professor Ricardo Motta Pinto-Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios (LGAR) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e organizador do workshop Water Crisis, que será realizado nos dias 17 e 18 de novembro no câmpus Pampulha.

Ricardo Motta relata que teve consciência do problema que seria enfrentado no Brasil no ano passado, durante experiência de seis meses como professor visitante na Universidade da Flórida. Ele atuou no Sea Grant Programe, grupo da instituição norte-americana que desenvolve estudos sobre a crise nas águas. A Flórida enfrenta diversos problemas hídricos, ocasionados pelas mudanças climáticas e por desastres ambientais, como vazamentos de petróleo que ocorrem no Golfo do México.

“Assim que cheguei lá, fui convidado a ministrar uma palestra sobre o problema das águas no Brasil. Conversei com alguns climatologistas que me questionaram como seria o enfrentamento da crise que se abateria no país em 2014. Na época, não tinha qualquer informação a respeito e fiquei completamente surpreso. Eu sabia que os reservatórios brasileiros enfrentavam problemas, mas não tinha consciência da precisão dessas simulações climáticas previstas nos modelos do instituto”, conta o professor.

“Foram 26 dias de preparo para a palestra, nos quais procurei alguns dos pesquisadores mais renomados da região. Tive um choque com as informações encontradas. Naquele período, estudei a fundo a questão climática no Brasil e deparei com modelos muito sólidos que prenunciavam uma grande crise das águas no Brasil em 2014”, lembra.

De volta ao Brasil, o professor resolveu organizar, com a equipe do LGAR, o evento Water Crisis para discutir o problema e, principalmente, propor soluções. “Vários órgãos e departamentos da Universidade se envolveram nesse projeto. A UFMG possui hoje professores e pesquisadores competentes, que atuam em várias frentes de estudo. Acredito que temos plenas condições de oferecer respostas a essa questão”, defende.

Sistemas sem comunicação

Entre as alternativas para combater a crise, Ricardo Motta destaca como atitude prioritária a mudança na forma de governança da água. “Identificamos no Brasil cinco sistemas de gestão que não se comunicam. Isso provoca uma grande pulverização de recursos, em especial na área de saneamento, com investimentos muitas vezes contraditórios. Várias cidades brasileiras estão totalmente despreparadas para enfrentar uma crise dessa natureza”, aponta.

“Vamos propor não a adoção de medidas pontuais, como tapar um buraco ou construir um reservatório ou uma adutora. O que precisamos é de um choque de governança para as águas no Brasil”, acredita Ricardo Motta, para quem o choque deve envolver mais intensamente as universidades, a iniciativa privada e as várias instâncias de poder político na União, nos estados e nos municípios. Além disso, avalia, uma governança mais efetiva passa pela integração dos sistemas de gestão existentes no país, pelo direcionamento de recursos para a gestão hídrica e para o aparelhamento das cidades. Como exemplo, ele cita a legislação relativa à água. “O saneamento básico é competência do município, enquanto o licenciamento é feito pelos estados ou pela União. Todas essas esferas de governo precisam ser mais integradas”, defende.

O caso de São Paulo é emblemático, avalia o professor. “Pudemos perceber um desencontro entre governo estadual e administração federal. A Unesco defende maior integração da política ambiental nos mais altos níveis de governo. Hoje, o sistema de meio ambiente brasileiro atua mais como licenciador e fiscalizador, não na formulação de políticas de gestão”, critica.

Segundo o professor Ricardo Motta, também é preciso que todos se envolvam na economia de água nas tarefas diárias. “­Estamos falando de uma mudança de hábito, que envolve pequenas atitudes do nosso cotidiano. Isso não é fácil, pois pertencemos a uma cultura que sustentava que o Brasil possuía cerca de 12% da água do mundo, o que não é verdade. A realidade é que a água hoje é escassa. Precisamos mudar nossa perspectiva do problema”, defende.

O workshop

O evento contará também com a participação de especialistas de outras instituições brasileiras, como as universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Pernambuco (UFPE), e de órgãos internacionais, como a Unesco. Entre os pesquisadores do exterior, está o professor Richard Meganck, da Universidade Estadual de Oregon, que já atuou sobre a questão hídrica em mais de 180 países.

Além do apoio da Fapemig e da Capes, o workshop recebe ainda o suporte do Florida Sea Grant Programe/NOAA, sediado na Universidade da Flórida, em Gainesville. Ele é dirigido pelo professor Karl Havens. Mais informações estão disponíveis em www.crisenasaguas.com.