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Nº 1912 - Ano 41
13.07.2015

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47º Festival de Inverno da UFMG

Liberdade criativa

Cortejo cênico pelas ruas, oficinas de cinema e de produção literária dão o tom da 47ª edição do Festival de Inverno, que celebra a relação com a cidade

Ewerton Martins Ribeiro e Itamar Rigueira Jr.

A partir de sexta-feira, dia 17, e até o dia 25, sábado, a UFMG realiza a 47ª edição do seu Festival de Inverno – pela segunda vez consecutiva em Belo Horizonte. Um cortejo coordenado pelo professor da Escola de Belas-Artes Antônio Hildebrando marcará no sábado, 18, o início das atividades do Festival de Inverno. Os participantes se reunirão às 15h na Praça da Liberdade, em frente ao Espaço do Conhecimento UFMG, e de lá descerão pela Avenida João Pinheiro, até a Praça Afonso Arinos.

A ideia de Hildebrando é pôr em foco, no trajeto, a relação entre a universidade e a cidade. “No nosso caso, o cortejo é também um espetáculo teatral, uma performance. Serão realizadas cenas, intervenções, esquetes. A ideia, nesse sentido, é convidar os transeuntes não só a assistir, mas também a participar das atividades”, diz.

O Cortejo Cênico será o ponto alto de oficina que o professor Hildebrando ministra já nesta semana. O objetivo é capacitar artistas e estudantes de artes – como teatro, dança, circo, música, performance e artes visuais – para puxarem as atividades da festa. Ele explica que foi desenvolvida uma linha dramatúrgica de background para a atividade, de simbolismo acadêmico. “Faremos uma espécie de brincadeira, especialmente com o palhaço, tematizando o ‘palhaço professor’ e o ‘palhaço aluno’. Eles vão encenar esquetes sobre o ambiente universitário”, conta. Cerca de 200 pessoas estarão envolvidas na produção.

Cinema negro

Acervo do diretor
Joel Zito no set do filme As filhas do vento: em oficina, diretor abordará cinema negro
Joel Zito no set do filme As filhas do vento: em oficina, diretor abordará cinema negro

O cineasta Joel Zito de Araújo vai abordar, durante a oficina Um cinema de diversidade, o cinema negro, especialmente o africano. Segundo o diretor de filmes como A negação do Brasil (2000), As filhas do vento (2005) e Raça (2012), a maioria das pessoas conhece muito pouco sobre o tema.

Araújo diz que o cinema negro africano nasceu com o curta-metragem O bom homem da charrete (1962), do senegalês Ousmane Sembène. A abordagem do diretor vai destacar também o primeiro longa de Sembène, A mulher negra (em tradução livre). Ele pretende exibir trechos das obras, incluindo também o cinema caribenho e o norte-americano, de nomes como Spike Lee (Malcolm X e Faça a coisa certa).

“As principais preocupações do cinema negro africano são o pan-africanismo, a independência, a crítica à colonização e à elite africana, além de questões relacionadas à negritude, sempre com estética própria”, explica Joel Zito, mineiro de Nanuque, doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com pós-doutorado em Antropologia pela Universidade do Texas, em Austin (EUA). Nascido em novembro de 1954, também dirigiu documentários de curta e média-metragem sobre o negro na sociedade brasileira, como São Paulo abraça Mandela (1991) e Retrato em preto e branco (1993).

Ele acrescenta que, na diáspora, a temática do cinema negro se desloca para a afirmação identitária e adiciona o debate acerca dos efeitos do racismo sobre a sociedade. “A produção contemporânea, por sua vez, joga luz também sobre a realidade cotidiana dos negros e a situação da mulher, além de valorizar a beleza da cultura e das tradições”, completa Joel Zito de Araújo.

Em um dos Fóruns de Diálogo, a professora da PUC-SP Christine Greiner vai refletir sobre a relação universidade-cidade. “Isso me parece um aspecto fundamental, uma vez que as universidades não devem ser fechadas nelas mesmas. No meu caso, essa comunicação se dá na medida em que sempre incentivo meus alunos a usar o conhecimento em suas vidas práticas (processos de criação artística, atividades jornalísticas e curatoriais etc.)”, comenta Christine. “E também nas minhas atividades fora do espaço institucional, uma vez que costumo dar palestras, participar de debates e organizar eventos para comunidades não necessariamente acadêmicas.”

Durante o festival, a pesquisadora, vinculada ao Departamento de Linguagens do Corpo da PUC paulista, vai lançar dois livros. Arte e cognição, organizado com a professora e crítica de dança Helena Katz, é uma coletânea de ensaios de pesquisadoras de várias universidades, como a professora Mônica Medeiros Ribeiro, da Escola de Belas Artes da UFMG. Leituras do corpo no Japão e suas diásporas cognitivas contém capítulo que trata da transformação das grandes cidades japonesas a partir do advento dos meios de comunicação de massa nas primeiras décadas do século 20 e outro sobre as mudanças pós-mundo digital.

Escrita livre dos muros

Foca Lisboa
Ronald Claver: capacidade de expressão por meio da palavra
Ronald Claver: capacidade de expressão por meio da palavra

Esta edição do Festival de Inverno conta com diversas atividades voltadas para a literatura. O escritor e professor aposentado do Colégio Técnico (Coltec) Ronald Claver, por exemplo, ministrará a aula aberta Produção de texto – a escrita criativa, em que provocará os participantes a desenvolver a sua capacidade de se expressar por meio da palavra. “É uma aula de escrita criativa livre dos muros. Espera-se que as pessoas que estejam passando pelos espaços (Parque Municipal e praças da Liberdade e Duque de Caxias) parem para participar”, diz.

A aula é gratuita, de classificação etária livre, e tem duração prevista de duas horas. Serão três sessões: dia 21, terça, no Parque Municipal, às 14h; 23, quinta, na Praça da Liberdade, às 16h; e 24, sexta, na Praça Duque de Caxias, no bairro Santa Tereza, às 9h.

Ronald Claver busca estimular a escrita partindo da palavra e não da ideia. “Eu trabalho com o princípio de que ninguém escreve do nada, então dou esses elementos iniciais para a pessoa escrever. É uma tentativa de tirar o gesso que a escola colocou e se esqueceu de tirar. A matéria-prima da escrita não é a ideia, e sim a palavra. As palavras geram ideias, e não o contrário”, afirma.

Na atividade serão fornecidas carteiras, pranchas, papel e lápis. “E não há a pretensão de que os textos sejam terminados ali. Minha ideia é provocar os alunos por meio das palavras e levá-los a escrever mais livremente”, comenta.

Literatura, música e futebol

De 20 a 24 de julho, também serão realizadas duas oficinas com a literatura como tema, ministradas por professores da Faculdade de Letras (Fale).

Em Literatura e música, os professores Eneida Maria de Souza, emérita da UFMG, e Roniere Menezes, do Cefet-MG, se valerão de canções de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Milton Nascimento para propor aos participantes que pensem a vinculação entre letra e música nos campos da oralidade (prosódia, entonações) e da sonoridade (ritmo, graves e agudos etc.).

“Vamos mostrar como canções surgem de outras canções ou de poemas e textos. Os alunos serão convidados a fazer exercícios de extração da musicalidade de poemas, sugerindo ritmos e entonações, e reescrever canções”, revela Roniere, mestre e doutor em Estudos Literários pela UFMG e também violonista.

Os professores vão recorrer a exemplos de diferentes recursos utilizados pelos compositores. Roniere cita Sampa, de Caetano Veloso, que homenageia Paulo Vanzolini por meio da apropriação de compassos e trechos melódicos de Ronda. Ele também cita Mário de Andrade, tema de sua pesquisa de mestrado, autor de uma única música, Viola quebrada, composta de variações de peça de Catulo da Paixão Cearense. Roniere também vai explorar a obra de Vinicius de Moraes – tema de seu doutorado –, que tematizou o homem comum e a multidão nas cidades.

Já o professor Gustavo Cerqueira Guimarães ministra no Conservatório UFMG a atividade Criação literária: contos de futebol, cujo objetivo é estimular os participantes a criarem textos literários narrativos e ocasionalmente poéticos tendo o futebol como mote.

“Na oficina eu crio estímulos para que essa produção literária surja. Um desses estímulos é a leitura de textos de autores que escreveram sobre futebol, como Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Sant’Anna, Luiz Ruffato, entre outros. Eu, bem ‘barthesianamente’, concebo que o processo de leitura é também um processo de escrita. Assim, a minha expectativa é de, por meio da leitura, ‘contaminar’ os participantes com esses textos”, explica.

Gustavo Guimarães explica que outro recurso mobilizado para “ativar” a verve criadora dos participantes é a fotografia. “Eu tenho uma prática de passar séries de fotografias e pedir para que as pessoas escrevam a partir do que veem. Percebo que as fotografias ajudam muito no processo de criação”, conta ele.

Segundo ele, os textos produzidos durante a oficina não serão assinados para que seja possível debatê-los coletivamente sem que o autor fique constrangido. “Os textos são projetados na parede e, a partir daí, a gente revisa, corrige, debate, critica. Muitas vezes, a própria pessoa que escreveu o texto se dá a liberdade de mudá-lo sem contar que é a autora. Todo exercício colabora com o aprendizado sobre como lidar com a alteridade, com o diferente, com as mudanças”, destaca.