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Nº 1912 - Ano 41
13.07.2015

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47º Festival de Inverno da UFMG

Entrevista / Antonio Nóbrega

‘Juntar erudito e popular
é nossa grande tarefa’

Itamar Rigueira Jr.

Violinista desde criança, o pernambucano Antonio Nóbrega conheceu o mundo da cultura popular pelas mãos de ninguém menos que Ariano Suassuna, há mais de 40 anos. Desde então, vive mergulhado no universo de artistas de rua e brincantes de influências diversas, que leva para os palcos na forma de música, danças e cantos.

Um dos convidados do Festival de Inverno deste ano – vai ministrar aula-espetáculo, no dia 21, e oficina, no dia 22 –, Nóbrega diz, nesta entrevista, que tem sido seduzido pelo ambiente acadêmico, onde se sente bem recebido, e que espera ser uma ponte entre a cultura popular e a universidade. “Tenho certa obrigação de comunicar às pessoas esse universo que acho muito rico e que é a base do trabalho que faço.”

O que você vai oferecer em sua participação no Festival de Inverno?

Na oficina, pretendo familiarizar as pessoas com a maneira de fazer canção e poesia baseadas nas matrizes populares. Quem sabe, despertar nos poetas, principalmente, o interesse em aprofundar-se na perspectiva da cultura popular brasileira. Na aula-espetáculo, vou cantar, dançar e tocar, mas conciliando com algumas falas. Tenho organizado um conjunto de aulas-espetáculos porque encontro nas pessoas grande interesse em conhecer a fonte de inspiração dos meus trabalhos. Resolvi abrigar esse material em três apresentações, e a que vou levar para a UFMG é dedicada, sobretudo, ao universo da poesia e, naturalmente, da música que acompanha essa poesia. Talvez o Brasil esteja carecendo de mais informações sobre um determinado universo cultural, que, se a gente não correr um pouquinho, vai terminar por desconhecer completamente. E acho que tenho certa obrigação de comunicar às pessoas esse universo que eu acho muito rico, muito interessante, e que é a base do trabalho que faço.

Como tem dialogado com o ambiente acadêmico?

Estou praticamente começando com essas aulas-espetáculos. Cheguei a ter uma ligação com a universidade, na década de 80, quando fui professor na Unicamp, em um trabalho ligado à dança. Tenho sido seduzido pelo ambiente acadêmico. Levo um pouco do que existe fora da universidade para dentro dela, e isso parece estar sendo bem recebido. Minha pesquisa não tem aquele espírito formal, até porque não tive formação acadêmica. Cursei um pouco de Direito, Letras e Música, mas não cheguei a adquirir o instrumental que me habilitaria a ser um pesquisador acadêmico. Mas é claro que, me envolvendo com o universo popular, com os brincantes, com os artistas, fui adquirindo um modus de estudar o universo popular que talvez me coloque, de uma maneira ou de outra, nessa família de pesquisadores. Não sou stricto sensu, tenho uma formação, sobretudo, rueira, do convívio com o mundo popular.

Como acha que pode influenciar acadêmicos que querem tomar contato com a cultura popular?

Espero que meu trabalho tenha a força de uma ponte entre o mundo popular e a academia. Tenho avançado nos meus estudos, encontrado conteúdos, valores, procedimentos que podem ser reinterpretados ou contemporaneizados, absorvidos pelo espírito da nossa época. Oxalá eu possa ajudar que esse universo ultrapasse os muros da universidade.

Como encara a diferença entre erudito e popular? Há pouco tempo, você se apresentou em BH com a Orquestra Ouro Preto...

Na verdade, tenho uma birrazinha com esses conceitos de cultura popular e erudita, que não me satisfazem plenamente. Acho que temos uma linha de tempo cultural de base popular – onde estão danças, formas poéticas, ritmos e cantos – construída ao longo de cinco séculos de caldeirão. Por outro lado, temos um universo simbólico muito rico que está dentro da linha cultural europeia, ocidental. É onde estão a orquestra sinfônica, o quarteto de cordas, o romance. O Brasil abraçou essas duas linhas, e se a gente quer pensar num país pleno, fruto de sua natureza ambígua, esses dois universos têm de buscar um conluio, uma fricção criativa, como dizem alguns sociólogos. E ainda devemos ao Brasil uma atitude mais efetiva de congraçar esses dois mundos. No caso do concerto com a Orquestra Ouro Preto, mais que pensar em erudito e popular, são duas fontes de matrizes culturais que se sincretizam. É como em Grande sertão: veredas. Guimarães Rosa junta o mundo popular com as ferramentas do mundo ocidental. Ainda temos muito a conquistar. Se for um país apenas dos moçambiques e maracatus, o Brasil não é por inteiro. Ele também é orquestra sinfônica, é quarteto de cordas. É difícil juntar tudo isso, e essa é a nossa grande tarefa.

Como a ideia de brincadeira, num sentido amplo, pode ser usada na educação?

Quando falamos de brincadeiras, falamos de representações lúdicas. Um dos valores dessa linha cultural popular foi a construção de um ecossistema simbólico que eu chamo de lúdico, porque ele é efervescente de formas. Vou apresentar na UFMG as formas e gêneros poéticos construídos na história cultural popular brasileira. Da quadrinha (estrofe simples, formada por versos de sete sílabas, rimando o segundo com o quarto) ao galope à beira-mar (estrofe de onze sílabas e dez linhas com metro e rima próprias, bem mais complexa). Minha ideia é que as formas construídas dentro desse arco podem ser usadas na educação num dinamismo em que se brinque com a língua e em que os jovens consigam juntar duas coisas muito importantes: emoção e ordenamento. Muitas vezes carecemos de ferramentas para organizar sentimentos, sistematizar. Quem sabe o exercício da quadrinha não ofereça elementos que facilitem esse trabalho. Aposto na ideia de que as formas lúdicas têm papel civilizacional, no sentido de fazer perceber onde existe a ordem e onde não existe.