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Nº 1926 - Ano 42
25.01.2016

opiniao

Longa vida ao Festival

Mauricio Campomori*

Há dez anos, a Universidade Federal de Minas Gerais começou a construir a proposta de oferecer a Belo Horizonte uma alternativa cultural no período de Carnaval, o Festival de Verão. Todos os envolvidos na iniciativa sabiam que realizar algo pela primeira vez trazia consigo todos os riscos de se lidar com o desconhecido, mas, ao mesmo tempo, carregava todo o encanto dos inícios, tradicionalmente estimulantes, esperançosos e vigorosos.

Assim, em fevereiro de 2007, com o apoio da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Belotur, foi realizado em caráter experimental a primeira edição do Festival de Verão da UFMG. O evento era composto de 12 oficinas, cinco palestras e quatro debates interdisciplinares. As 240 vagas disponibilizadas para o público se esgotaram em apenas dois dias. Frente à excelente – e surpreendente – aceitação, foram ofertadas 40 vagas adicionais, todas preenchidas em menos de 24 horas. Com o sucesso da iniciativa, no ano seguinte, 2008, já com a proposta de ampliar a oferta para 20 oficinas e 400 vagas para o público em geral, a UFMG promoveria a segunda edição com uma novidade: a inclusão do núcleo de eventos, que passaria a incluir apresentações artísticas paralelas às oficinas e cursos. Novamente, a receptividade do público foi enorme, e todas as vagas oferecidas foram rapidamente preenchidas. Em 2009, o 3º Festival de Verão ampliou a oferta, agora para 28 oficinas e um total de 560 vagas abertas à população em geral. Mais uma vez, todas as vagas se esgotaram.

Uma conclusão possível é que não apenas existia espaço para a realização desse tipo de atividade como também a população ansiava por uma alternativa cultural de qualidade no período do Carnaval. Já se passaram dez anos desde o primeiro Festival. Desde então, a cidade se transformou um pouco; o carnaval de Belo Horizonte se transformou muito. As pessoas e os blocos voltaram a tomar as ruas com vigor impressionante. O Festival de Verão da UFMG acompanhou essa evolução.

No cerne da proposta inicial do Festival, sempre residiu a intenção de reconhecer e promover o processo de interação dinâmica entre cultura e educação. Nesse processo, é importante estabelecer a ideia de que a cultura é feita de teias de significação que possibilitam a construção do entendimento, a promoção do sentido humanista e a garantia da livre expressão da diversidade cultural da comunidade (e na comunidade).

Há ainda outros elementos fundamentais a considerar. Entre eles, o fato de que a UFMG é uma Universidade pública e, por isso, importa enfatizar o caráter de formação que a cultura desempenha em uma sociedade, conduzindo-a, em seu sentido mais amplo, em direção à inclusão social, à superação das desigualdades, à defesa do meio ambiente e das condições para a justiça e a paz.

A Universidade pública é obrigada a reivindicar esse espaço de atuação, porque sabe que a valorização da cultura tem importância fundamental, sobretudo pelos seus grandes aportes sociais, especialmente à democracia e à convivência. Ainda que seja difícil atribuir um valor ao retorno social das políticas culturais ou calcular uma rentabilidade social da cultura, sabemos que suas contribuições são, em geral, mais expressivas que as percebidas nos contextos cada vez mais pragmáticos e imediatistas do universo conceitual de nossa política tradicional.

Outro elemento fundamental a ser levado em conta, considerando nossa posição como instituição pública, é que a preservação das diversas identidades culturais e das formas expressivas de interesse geral dependerá, muitas vezes, da ação do Estado. Se, por um lado, sabemos que a lógica do mercado é sedutora, por outro, temos ciência de que, se a política cultural coubesse apenas ao mercado, boa parte das formas expressivas hoje existentes desapareceriam.

Finalmente, cabe ressaltar que, ao redor do mundo, a cultura encontra na cidade, nas políticas locais e regionais novas estratégias sociais para o fomento da diversidade. Nesse particular, vemos que as políticas culturais vêm, ultimamente, voltando-se contra os processos de exclusão e têm-se ocupado da luta contra a pobreza, a violência e outros problemas que afrontam a sociedade.

Cada vez mais acredito que, ao instituir espaços privilegiados de desenvolvimento das pessoas pela interação dinâmica entre cultura e educação (a exemplo do Festival de Verão), por meio de ambientes e atividades que estimulem a criação, a aprendizagem, a reflexão crítica e a produção de saber e de cultura em todas as áreas do conhecimento, a Universidade está não apenas se reinventando na tarefa de ensinar e formar pessoas, mas também – e principalmente – cumprindo seu papel de agente formador e transformador das realidades social, política, econômica e cultural. Esta é, afinal, a tarefa da Universidade: transformar as pessoas, preparando-as para enfrentar tudo o que adia ou evita sua emancipação. Aqui, cabe citar Émile Durkheim, segundo o qual os povos "não são feitos meramente da massa de indivíduos que os compõem, dos territórios que ocupam, das coisas que usam, dos movimentos que executam. Eles são feitos, sobretudo, com as ideias que os indivíduos têm de si mesmos".

O que hoje celebramos, com a realização do 10º Festival de Verão da UFMG, é o entendimento de que a Universidade pública pode e deve participar de modo cada vez mais intenso da vida da cidade e das pessoas, levando a toda a sociedade seus compromissos acadêmicos, sociais, políticos e humanitários por meio de ações indiscutivelmente relevantes, como o Festival.

Longa vida ao Festival de Verão

*Professor adjunto do Departamento de Projetos (PRJ) da Escola de Arquitetura. Coordenou as primeiras edições do Festival de Verão da UFMG