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Nº 1928 - Ano 42
15.02.2016

opiniao

Educação dos cinco sentidos

Charles de Oliveira Fonseca*
Vagner Luciano de Andrade**

A educação dos sentidos é uma das premissas da contemporaneidade. Os processos atuais de ensino apresentam indícios claros de falência. Professores do século 19, escolas do século 20 e alunos do século 21 tentam dialogar entre muros intransponíveis. Nota-se que elementos destoam entre si. Evidenciam-se novas relações, mais sistêmicas, integradas, interdisciplinares, transdisciplinares e multidisciplinares das matrizes pedagógicas. As discussões da educação contemporânea se reformulam efetivando o desenvolvimento emocional, espiritual, físico, intelectual, moral e social do ser humano. O ensino não se faz somente com linguagem ou lógica, conteúdos até então prioritários do currículo. Os conceitos teóricos de natureza, patrimônio e identidade estão diretamente ligados às áreas de Ecologia, Geografia e História e, quando analisados sob o ponto de vista de readequação e reformulação, apontam para nova compreensão dos fenômenos entre ser humano e meio ambiente. Assim, as discussões ecológicas, históricas e geográficas não mais se limitam ao espaço físico da sala, onde apenas se fala e se ouve. É necessário transpor.

Como é possível notar, todo o processo de reconfiguração da relação homem/natureza, iniciada com a Revolução Industrial e continuada com a consolidação do capitalismo, inaugura novas perspectivas, cada vez mais conturbadas. Todo esse processo histórico foi elucidado, acompanhado e registrado pela Ciência, por meio da Ecologia, da Geografia e da História, que se posicionaram criticamente em relação aos conflitos decorrentes da relação entre ser humano e meio ambiente. Dessa forma, além de fazer o registro histórico e analisar os processos que consolidaram a atual crise socioambiental, de âmbito planetário, essas áreas do pensamento contribuem filosófica e metodologicamente com discussões e análises que apresentam à sociedade diagnósticos de extrema relevância. É preciso vivenciá-los.

Ver e vivenciar os inúmeros conceitos discutidos em sala é uma forma coerente para consolidar, nos alunos, atitudes, comprometimentos, hábitos e valores autênticos. Quem defendia isso era o geógrafo Aziz Ab'saber, que reforçava a necessidade de criar nos alunos intimidade e integração com o lugar em que vivem. Assim, a educação promove uma constante oficina de estímulos sensoriais e intelectuais, que contribui com a formação do conhecimento, agregando teoria e prática. A parte teórica das salas deve ser relacionada constantemente com o cotidiano dos discentes, de maneira que percebam a finalidade da Ciência em suas vidas. Ab'saber entendia que educar é "escolher a melhor maneira de incentivar os alunos e extrair o que eles têm de melhor". Para ele, a educação fortalece a sociedade ao compreender os anseios comunitários, valorizar a cultura local e promover a reflexão para superar a exclusão social presente na organização espacial, sobretudo em centros urbanos.

Se, "por meio dos sentidos suspeitamos o mundo", como ensinou o escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, educar pelos cinco sentidos é mais que uma possibilidade, é uma urgência. Munidos de conceitos e subsídios cognitivos, os educandos perceberão as interações socioambientais em diferentes tipos de paisagens, tanto naturais, quanto rurais e urbanas. Nesse contexto, a "saída a campo", também denominada de "aula-passeio", emerge com a transferência do conhecimento teórico-científico para o ambiente extraescolar. Esse deslocamento favorece a descoberta de novas experiências para os mais diversos públicos: infantil, juvenil ou adulto. O turismo pedagógico consiste em atividades externas, em que se valorizam as necessidades vitais do ser humano: criar, expressar, comunicar, viver em grupo, ter sucesso, agir, descobrir e organizar. A aula-passeio é uma metodologia extraclasse que fortalece a formação do pensamento crítico dos alunos, pois instiga uma análise das relações no ambiente que os cerca. Pelos cincos sentidos, o mundo se abre para novas possibilidades.

Observa-se, assim, que a atividade de leitura e interpretação ambiental, de cunho turístico-educativo, pode propiciar novas maneiras de aprendizagem ao estimular a compreensão da dinâmica entre o homem e o espaço. No turismo pedagógico, o "material didático" passa a ser o ambiente, o entorno. O aluno espectador experiencia, questiona e aprende com os elementos desse ambiente. Com base nessa realidade, apresenta-se um novo conceito no turismo pedagógico, o "aluno-turista". O aluno, que, por meio dos cinco sentidos, "experimenta" o mundo.

Reconhecida a importância de se compreender os inúmeros conceitos básicos para a construção do aprendizado extraclasse, a saída dos alunos se efetiva como meio de vivenciar os conteúdos discutidos em sala, enriquecendo assim o ensino. Isso se deve ao fato de que a educação se dá por múltiplas relações interdisciplinares, e elas cada vez mais justificam a necessidade de uma intervenção diferenciada na sala. Conceber e planejar a realização de uma leitura interdisciplinar de paisagens locais talvez seja o procedimento didático-pedagógico mais adequado para o enriquecimento do processo educativo. E aí entra o ônibus, do latim omnibus (para todos), como a sala de aula da contemporaneidade. Novas salas demandam nova abordagem. Nelas, a visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar entram em cena para reescrever histórias.

*Bacharel em Turismo e mestre em Geografia e Análise Ambiental pelo IGC/UFMG
**Bacharel em Geografia e Análise Ambiental e mestre em Turismo pela Universidad Europea Del Atlántico (Santander, Espanha)