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Nº 1946 - Ano 42
27.06.2016
Itamar Rigueira Jr.
A defesa da liberdade de reunião dos estudantes da Faculdade de Direito em eventos relacionados ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, há cerca de dois meses, e a solidariedade com a professora italiana Maria Rosaria Barbato, da mesma unidade, que teve seu direito a associação e manifestação política questionado pela Polícia Federal, estão entre as motivações para a criação do movimento UFMG pela Democracia.
Professores de várias unidades se organizaram em assembleias locais, e o movimento se consolidou em iniciativas como o encontro com o reitor Jaime Ramírez, ocorrido em maio, quando se estabeleceu um compromisso de defesa dos preceitos democráticos, reafirmando, assim, tradição histórica da UFMG. "A universidade pública brasileira está diante de um grande desafio. Precisamos nos posicionar veementemente em favor dos direitos democráticos e dos avanços alcançados nos últimos anos, como as políticas de inclusão e acesso ao ensino superior", defendeu o reitor, na ocasião.
"Assim como o meio cultural, representantes da academia e da intelectualidade brasileira rejeitam a tentativa de impedimento da presidente que contraria fundamentos democráticos e é protagonizada por forças conservadoras", afirma um dos integrantes do movimento UFMG pela Democracia, professor Juarez Guimarães, do Departamento de Ciência Política da Fafich.
O movimento aposta também numa programação de atividades que ajudem a levar à sociedade as ideias geradas na UFMG. Está sendo elaborado calendário de rodas de conversa em bares, cafés, parques e museus de Belo Horizonte. Os bate-papos, que deverão ser transmitidos pela Rádio Inconfidência, serão conduzidos por pares de professores de áreas diferentes e acompanhados de apresentações de arte e cultura.
Juarez Guimarães está convicto de que a posição representada pelo movimento UFMG pela Democracia reflete a "sensibilidade hegemônica" da Universidade. Ele lembra que há apoio das principais entidades representativas – Sindifes, Apubh e DCE – e que entre os membros do grupo há apoiadores das três chapas que concorreram na última consulta para escolha do Reitorado.
Integrante do Movimento UFMG pela Democracia, o estudante João Vítor Leite Rodrigues, da Face, considera cruciais as manifestações em defesa da democracia que têm ocorrido na Universidade. "É importante frisar que muitas delas são de caráter espontâneo e partem de grupos que não são tradicionalmente organizados", destaca o estudante, membro da nova gestão do DCE-UFMG.
A professora Rosângela Carrusca Alvim, aposentada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, tem visão parecida: "Os estudantes estão resgatando sua história de luta, e as universidades se posicionando contra as ameaças aos direitos que o povo conquistou ao longo da história". Para ela, que é diretora da Apubh, o movimento UFMG pela Democracia exerce papel decisivo nesse processo, pois "traz informação, propicia o debate e mostra a força de uma Universidade preocupada com o destino do país".
Para a coordenadora geral do Sindifes, Cristina del Papa, educação e saúde costumam ser as áreas mais afetadas por cortes de recursos públicos em momentos de instabilidade. "Por isso, os movimentos sociais e sindicais devem se mobilizar para barrar os retrocessos já anunciados e outros que certamente virão", afirma ela, lembrando que as restrições orçamentárias impostas, por exemplo, às universidades nos últimos dois anos alcançam serviços essenciais como o de vigilância. A coordenadora também manifesta preocupação com a PEC 241 – levada neste mês à apreciação da Câmara dos Deputados –, que limita os gastos públicos. "Na prática, isso significará a redução da presença do serviço público", alerta.
Convicto de que o país vive processo de ruptura institucional, o professor Marcelo Cattoni, da Faculdade de Direito, afirma que o governo provisório propõe medidas, como a própria PEC 241, que suspendem princípios constitucionais. "Sob o argumento da emergência econômica, o risco é o de inviabilizar políticas sociais, como educação e saúde públicas e gratuitas", alerta Cattoni. "A alegação é a de que esses gastos públicos comprometem a ‘economia’. Mas que ‘economia’? Ora, é dever constitucional do Estado atuar para reduzir as desigualdades sociais, econômicas e culturais", completa.
"O papel da Universidade é observar os acontecimentos, denunciar e oferecer seus espaços para o debate sobre o futuro", ressalta a professora da Faculdade de Educação Samira Zaidan. Segundo ela, não se trata de defender partidos ou uma concepção única de mundo. "O que nos unifica é liberdade de expressão, de manifestação", afirma a professora, que considera importante manter a mobilização ao longo do segundo semestre.
A mobilização da UFMG em 2016 segue tradição que vem pelo menos dos anos 1960, quando estudantes e professores tiveram atuação intensa no combate à ditadura. "Mais tarde, nos anos 70, eles trabalharam pela rearticulação de centros de estudos e entidades estudantis e em lutas como a que resultou na anistia", relembra o professor Juarez Guimarães, mencionando a criação do primeiro mestrado em Ciência Política, há 50 anos, como símbolo da formação de uma "inteligência democrática" na UFMG.
A Universidade tem contribuição marcante, também, no caminho da redemocratização, a começar pelos debates que pautaram a Constituição de 1988. "É difícil encontrar, na agenda democrática, movimentos em que a UFMG não tenha se engajado, incluindo aqueles em prol dos direitos de mulheres e negros e do desenvolvimento econômico e tecnológico do país", reforça Guimarães.