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Nº 1946 - Ano 42
27.06.2016
Hugo Rafael
Nas últimas semanas, cientistas e pesquisadores brasileiros, de todas as regiões do país, têm-se mobilizado em defesa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O objetivo dessa movimentação que envolve as instituições universitárias e de pesquisa brasileiras é reverter a fusão da pasta ao Ministério das Comunicações (MC). A medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 12 de maio. Desde então, entidades e nomes ligados à ciência, à tecnologia e à inovação no país se manifestam contra a decisão.
"A fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações é um arranjo que não interessa à sociedade", afirma o reitor Jaime Ramírez. "Perdemos uma estrutura exclusiva para pensar, de forma autônoma, a política de ciência, tecnologia e inovação do país, o que será sentido em longo prazo. É um passo atrás muito grave", define.
Para o reitor, o motivo alegado para a fusão – a economia de recursos – não se justifica. "Ciência, Tecnologia e Inovação formam um ministério com objetivos muito distintos do das Comunicações, inclusive do ponto de vista financeiro e da estruturação de suas carreiras. Essa medida pode implicar redução de recursos financeiros e fazer que uma pasta se transforme em apêndice da outra. Nesse caso, o Ministério das Comunicações tem um orçamento muito maior; ao se fundir com uma pasta menor, há o receio de que essa estrutura mais reduzida [o MCTI] se perca e não receba os recursos exclusivamente destinados ao ministério anterior".
Essas incertezas estimularam o surgimento de movimento nacional e autônomo, que envolve institutos de pesquisa e universidades. "Outras instituições de caráter acadêmico e científico, como a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, já se posicionaram contrariamente à fusão. Aqui na UFMG, o Conselho Universitário também se manifestou pela manutenção do MCTI", informa o reitor. Em nota à comunidade acadêmica, divulgada no dia 6 de junho, a instância máxima de deliberação da UFMG qualificou a fusão de "grave retrocesso".
A vice-reitora Sandra Goulart Almeida defende que a Universidade se posicione a favor de avanços conquistados nos últimos anos. "Historicamente, a universidade brasileira, em particular a UFMG, sempre foi o território da resistência e, graças a essa capacidade, contribuiu para a construção da nossa democracia, que ainda é muito jovem. E mais uma vez a UFMG se vê diante do desafio de resistir a decisões que podem resultar em retrocessos. É nosso dever apoiar decididamente esse movimento que reivindica a volta do MCTI e a preservação das conquistas em áreas como educação, saúde e cultura."
Entre os críticos à junção dos ministérios, está o professor Clélio Campolina Diniz, titular da pasta em 2014. Reitor da UFMG até março daquele ano, Campolina considera a decisão do atual governo um equívoco, dada a diferença de propósito existente entre os dois ministérios.
"O Ministério das Comunicações é responsável por promover, regular e gerir todo o sistema de comunicações brasileiro, que é bastante extenso. Por outro lado, o MCTI é uma pasta central para o suporte à pesquisa e ao desenvolvimento de inovação no país. Por isso mesmo, precisa trabalhar de forma articulada com o Ministério da Educação (MEC), ao qual estão vinculadas as instituições básicas que desenvolvem pesquisas, como as universidades brasileiras", explica.
Campolina também rebate a ideia de que a fusão de ministérios possa reduzir custos. Para ele, a decisão demonstra desconhecimento e despreparo. "A junção é um tremendo equívoco, uma tentativa do atual governo de reduzir custos, porém ineficaz. O MCTI tem mais de 32 órgãos vinculados, cujo funcionamento não será alterado. São esses órgãos que pesam no orçamento do ministério", explica.
O presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), Ronaldo Tadêu Pena, também tem ressalvas à fusão. Reitor da UFMG na gestão que antecedeu à de Campolina, no período 2006-2010, ele acredita que as fusões propostas pelo governo interino atendam a "um objetivo puramente de marketing". Assim como o ex-ministro, o presidente do BH-Tec não enxerga qualquer economia para o orçamento da União, além de entender que a medida é prejudicial ao desenvolvimento econômico do país. "Reduzir o déficit do governo promovendo cortes em áreas de apoio à ciência, tecnologia e inovação é dar um tiro no pé, pois não há desenvolvimento econômico sustentável se não for baseado em inovação tecnológica", defende.
Ronaldo Pena também acredita que a decisão é tecnicamente errada. "Unir todo um universo de cessão, gestão e fiscalização das comunicações a um ministério que se preocupa essencialmente com o futuro da nação é problema e não solução. É tentar misturar água com óleo", comenta.
A pró-reitora de Pesquisa da UFMG, Adelina Martha dos Reis, lembra que um ministério que se dedica exclusivamente à ciência, tecnologia e inovação fortaleceu a pesquisa brasileira nas últimas duas décadas. "Especialmente nos últimos 15 anos, houve grande incremento em aspectos como número de publicações, de patentes, de doutores formados e também incentivo à interação das universidades com empresas", observa.
Apesar das diferenças de atribuições, que justificam, no entender da maioria da comunidade científica brasileira, a separação das duas pastas, há pontos de convergência entre os braços de CT&I e de Comunicações. É o que diz o ex-secretário de Políticas de Informática do então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), professor Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação (DCC). Ele menciona as ações conjuntas na área de desenvolvimento de satélites, o próprio setor de inovação tecnológica, que tem as comunicações entre suas principais demandantes, e a internet, ainda que com perspectivas diferentes. "O MCTI sempre teve a visão de inovação, de avanço tecnológico e da própria pesquisa na área de redes de computadores. O MCTI sempre encarou a internet como um serviço de valor adicionado, enquanto o foco do MC era a infraestrutura de comunicação", distingue.
Feita a ressalva, Almeida afirma que as diferenças são muitas. "Toda a parte regulatória de telecomunicações, operadoras e radiodifusão é uma ação típica e exclusiva do antigo Ministério das Comunicações, como também todos os programas de pesquisa científica e os institutos de pesquisa são ações típicas e em parte exclusivas do MCTI. Não sei como está sendo estruturado o processo, mas esses pontos teriam de ser tratados adequadamente na nova estrutura", defende.
De acordo com Virgílio Almeida, existem múltiplas maneiras de organizar a gestão das áreas de ciência e tecnologia. "Os Estados Unidos têm a Office of Science and Technology Policy, órgão ligado diretamente à Casa Branca e que define a visão estratégica para ciência e tecnologia no país onde a ciência é mais avançada. A Coreia do Sul, país de grandes avanços econômicos e tecnológicos, mantém o Ministry of Science, ICT and Future Planning (Ministério da Ciência, TIC e Planejamento Futuro). A China, outra potência tecnológica e científica, por sua vez, tem um poderoso ministério de ciência e tecnologia e outro destinado à indústria e à tecnologia da informação (The Ministry of Industry and Information Technology)", compara.
Esses exemplos, segundo Almeida, explicitam que, a despeito das diferenças de modelos de gestão, todos garantem recursos e estabilidade para os orçamentos de ciência e tecnologia. "No Brasil, além do movimento pela recriação do MCTI, é importante também discutirmos a estrutura geral da política de ciência e tecnologia, compatibilizando ações, iniciativas e recursos espalhados em vários ministérios, como Saúde, Agricultura, Minas e Energia", defende.
O professor Sérgio Machado Rezende, da Universidade Federal de Pernambuco, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) de 2005 a 2010, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, espera que o atual governo mostre que valoriza a ciência recriando o MCTI e aumentando os recursos destinados à área, "insignificantes em comparação com nossa enorme dívida pública e muito importantes para o futuro e o desenvolvimento do país".
Apesar desse desejo, o ex-ministro acredita que haverá uma retração nos recursos. "Os recursos já diminuíram bastante nos últimos anos. Infelizmente, após o governo do presidente Lula, tem havido redução gradual dos orçamentos do MCTI. Essa fusão com outro ministério não contribui para reverter esse quadro", critica.
No dia 11 de maio, véspera da publicação da fusão do MCTI e do MC no Diário Oficial da União, 14 entidades vinculadas à pesquisa no Brasil encaminharam manifesto conjunto ao então vice-presidente Michel Temer contra a junção das duas pastas. Entre vários pontos, o documento, assinado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), afirma que a fusão "é uma medida artificial que prejudicaria o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação do País".
O presidente da ABC, Luiz Davidovich, defende que a fusão representa rebaixamento do MCTI. Segundo o professor da UFRJ, a decisão denota desconhecimento do governo em relação à área de ciência, tecnologia e inovação. "Nossa preocupação é com o futuro dessa área no Brasil, [...] muito prejudicada nos últimos dois anos com cortes severos", destaca Davidovich.
"Quando se reduz o número de bolsas, são os jovens os maiores prejudicados. Eles são os cientistas de amanhã, os pesquisadores que vão combater as epidemias emergentes, que vão desenvolver novas técnicas para aumentar a produtividade da agricultura, que vão inovar na tecnologia, de modo a agregar valor aos produtos brasileiros, aos produtos nacionais. Corremos o risco de perder jovens brilhantes para outros países dada a escassez de recursos na área de ciência, tecnologia e inovação no Brasil", explica.
O presidente da ABC defende que o governo deve priorizar a recuperação do sistema de ciência e tecnologia no Brasil. Segundo ele, há uma ideia equivocada de que em épocas de crise é preciso cortar tudo. "Não é isso que muitos outros países estão fazendo. Países como China, Estados Unidos, Coreia do Sul e Israel aumentaram, em épocas de crise, os investimentos em ciência e tecnologia, porque sabem que essa é a maneira inteligente de evitar que se tornem extremamente dependentes do panorama internacional", destaca.
Segundo a presidente da SBPC, Helena Nader, a entidade também enxerga com preocupação a fusão entre os ministérios. "Um ministério que deveria ter mais força política agora vai dividir sua força com outra entidade. É preocupante, porque Ciência, Tecnologia e Inovação é um ministério que perpassa todas as áreas do conhecimento, não só a comunicação. Ao fundir o ministério com outra área, corre-se o risco de um entendimento errôneo de sua função", comenta Nader. Para ela, enquanto ciência, tecnologia e inovação forem vistas como despesa, o país não avançará. "O Brasil precisa se decidir como nação, se quer se manter como importador de tecnologia para o resto da vida", defende.