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Nº 1974 - Ano 43
24.04.2017

opiniao

A ditadura e a democracia

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Existem pessoas que ajudam a construir o mundo com ideal de liberdade, justiça e fraternidade. Buscam, diuturnamente, uma vida melhor para o ser humano. Impulsionados pelo coração, propugnam pela igualdade entre os povos, pela justiça social e sonham com um mundo melhor. Acreditam na educação como única forma de edificar uma sociedade democrática. Existem outros, entretanto, que pretendem dominar a sociedade pelo autoritarismo. Querem fazê-lo pela força. Não aceitam divergências políticas e partidárias. Agem pela imposição do medo. Censuram, torturam, matam, fazem de tudo para cassar a liberdade de expressão. Manipulam dados, cerceiam a atuação da imprensa e fazem calar as opiniões contrárias. Acreditam apenas na violência, na dominação.

O regime militar instalado no Brasil em 1964 não fez nada pelo povo. Ao inverso, causou profundo retrocesso político e social, cuja conta do "milagre econômico" nos foi apresentada a partir da década de 1980. O governo militar desamparou a educação, corrompeu os meios políticos, calou a imprensa, manipulou informações, restringiu as liberdades, implantou a ditadura, exterminou as novas lideranças, agravou o endividamento do país e feriu, indelevelmente, a dignidade do povo brasileiro. Somente depois de décadas, o cidadão brasileiro resgatou o seu direito de votar, de escolher seus governantes. Daí o grande desfavor que fez à nação o regime militar, que promoveu intensa lavagem cerebral. Ademais, tal momento da conturbada vida política brasileira se fez "página infeliz da nossa história", marcada pela violação continuada dos direitos humanos.

Reconhecidos os horrores da ditadura militar, a história, tenho certeza, traduzirá os impactos nefastos do governo militar e exaltará as pessoas corajosas que se insurgiram contra os tiranos. Por obra delas nos foi possível sonhar com a democracia e a liberdade. Causa espanto e indignação, portanto, que alguém, no juízo perfeito, venha defender uma ditadura militar, levantando como bandeira a necessidade de controlar dificuldades econômicas, sociais e políticas vividas pelo país. Os defensores dessa estapafúrdia ideia certamente acreditam que, com a dominação, todos os problemas brasileiros se resolveriam, o que demonstra pouco ou nenhum conhecimento da história mundial, que nos prova o quanto é traumático viver sob o império do medo. As ditaduras são exceções no mundo moderno. Eis que viver em liberdade é a síntese do processo de evolução da sociedade.

Assim, aqueles que querem colocar o Brasil no caminho do desenvolvimento devem fazê-lo com as "armas" da democracia, exercitando o livre pensar e expressar, votando com compromisso e, sobretudo, acreditando nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. A partir daí, e tão somente, entraremos na rota do desenvolvimento. Não existe progresso tecnológico ou econômico sem desenvolvimento humanístico. E o homem nasceu para ser livre. Nenhuma força é capaz de aprisionar suas ideias e seus pensamentos. Charles Chaplin ressaltou tão preciosa lição democrática quando realizou, em 1940, O grande ditador, a mais pertinente sátira ao nazismo alemão. Ali nasceu a obra-prima que imortaliza o filme: o célebre discurso final que não só exalta a paz mundial, mas a liberdade individual contra todo tipo de censura e autoritarismo.

"Sinto muito, mas não pretendo ser imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar ninguém. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, gentios, negros, brancos. Todos nós desejamos ajudar-nos uns aos outros. Seres humanos são assim. Queremos viver para a felicidade do próximo e não para o seu infortúnio. Não desejamos odiar ou desprezar. Neste mundo há espaço para todos. O caminho da vida pode ser livre e lindíssimo, porém perdemos o rumo. [...] Pensamos demais e sentimos de menos. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de compaixão. Sem estas virtudes, a vida será violenta. [...]

Aos que me ouvem, eu digo: Não desespereis. A nossa desgraça é simplesmente o último suspiro da ganância. A amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. O ódio dos homens desaparecerá, os ditadores sucumbirão, e o poder que arrebataram ao povo regressará ao povo. Enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses desalmados, homens que vos desprezam e escravizam, que controlam as vossas vidas! Que vos ditam o que fazer, pensar e sentir! Que vos condicionam, vos tratam como gado e se servem de vós como carne para canhão! [...] Não sois máquinas! Não sois gado! Homens é que sois! E levam o amor da Humanidade nas vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar, os mal-amados e os desumanos.

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! São Lucas escreveu: 'O Reino de Deus está dentro do homem'. Não de um só homem mas de todos os homens! Em vós! Vós, o povo, tendes o poder! – o poder de criar máquinas, de criar felicidade! Tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de fazer dela uma aventura maravilhosa! Então, em nome da democracia, usemos esse poder! Unamo-nos! Lutemos por um mundo novo. Um mundo que assegure a todos a oportunidade de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice. Com tais promessas, os desalmados subiram ao poder, mas eles mentem. Esses não cumprem as suas promessas! Os ditadores libertam-se, mas escravizam o povo! Lutemos agora para cumprir essas promessas! Lutemos para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, pôr termo à ganância, ao ódio e a intolerância. Lutemos por um mundo de razão, um mundo no qual a ciência e o progresso conduzam à felicidade de todos nós. Soldados! Em nome da democracia, unamo-nos!"

* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela UFMG. Graduando em Letras pela UnB