Professor João Antônio de Paula

Gestão de 2010 a 2011

O professor João Antônio de Paula foi Pró-Reitor de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais no período de 2010 a 2011, durante o Reitorado do Professor Clélio Campolina Diniz.  o Prof. João Antônio é  graduado em ciências econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1973), mestre em economia pela Unicamp (1977) e doutor em história econômica pela USP (1988). É Professor Titular do Departamento de Ciências Econômicas e do Cedeplar. Foi Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFMG (2011 a 2014) . Tem experiência nas áreas de economia e história, com ênfase em história econômica e economia política, atuando principalmente nos seguintes temas: economia política marxista, meio ambiente, história econômica, economia mineira, cidades.

 

Cevex: A idéia do Centro Virtual é reconstituir a memória da extensão da UFMG, pensando que essa é uma das atividades da Proex para os 90 anos da UFMG, uma contribuição. A equipe do Cevex fez um levantamento de documentos, já apresentaram uma primeira proposta de uma linha do tempo e agora os pró-reitores estão sendo entrevistados. Então, a ideia é entrevistar primeiro os pró-reitores, os titulares e depois os adjuntos e estamos caminhando dessa forma. Então, a primeira pergunta é: Como foi o seu envolvimento com a extensão antes de assumir a pró-reitoria de extensão?

Prof. João Antônio: Foi muito tempo na universidade, né? (Risos). Já tem 41 anos, é muito tempo. Eu acho que eu sempre me envolvi de algum modo com a extensão, de um modo particular dentro da Faculdade de Ciências Econômica onde eu sou professor. Sempre teve uma preocupação com cursos de atualização, formação, sobretudo em uma época em que a economia brasileira vivia em crise, como até agora. (Risos) Então, em cada crise econômica a gente consegue, por exemplo, transmitir para o público mais amplo as questões da economia, o que significa inflação, por que tem desemprego. Oferecíamos cursos para sindicato, para os jornalistas econômicos, então tem sempre, deste ponto de vista, uma atuação mais ou menos frequente, mas muito esporádica, não era uma coisa sistemática, era muito em função da própria conjuntura. Mas eu diria que a extensão sempre esteve perto do que eu fazia de algum modo.

Quando eu assumi, o Campolina me convidou para participar do reitorado dele, e me convidou para esse lugar em particular, aí sim, eu debrucei mais, comecei a pensar mais sistematicamente no assunto. Eu procurei também trazer alguma coisa dessa experiência anterior e algumas coisas que conversamos, eu e ele, durante a própria campanha, que eram algumas ênfases que a gente achava que tinha que ser dada. Eu tinha uma visão da extensão, e uma participação muito marcada por essa coisa da dimensão social da extensão. Eu participei desde o início do Projeto Pólo Vale do Jequitinhonha, fui uma das pessoas que participou da elaboração do documento e acompanhei de perto aquilo. Então, essa experiência eu tinha, tinha esse envolvimento. E tinha muita confiança na equipe que trabalhava, e essa foi uma coisa que me levou a aceitar sem muitos problemas a Pró-Reitoria, porque eu conhecia a equipe, sabia da qualidade, do empenho das pessoas, então, pra mim era muito tranquilo aceitar. Não tive nenhuma dúvida em aceitar por conta disso. Mas eu achava que tinha outro lado que a gente poderia explorar mais que era o lado cultural. Eu achava que além daquilo que era feito, que era muito bem feito eu diria, era importante reforçar essas outras interfaces da extensão no campo da cultura. Então, isso é uma coisa, que eu pessoalmente tentei me empenhar mais. Eu achava que a extensão por esse lado caminhava muito bem, mas que eu poderia contribuir mais e foi o que eu fiz. Eu fiquei um ano e meio mais ou menos na extensão, então cuidei muito disso, dessa parte de cultura, de articular mais as ações, de fazer umas coisas inovadoras nessa área também.

Cevex: Qual foi o foco para o planejamento das ações e das políticas de extensão durante a sua gestão? Você falou dessa ênfase na cultura, nas questões inovadoras… Tem mais alguma coisa para acrescentar?

Equipe Cevex: Exemplos de projeto seriam interessantes…

Prof. João Antônio: Ah, foi muita coisa. Umas das primeiras coisas que eu me preocupei foi com a questão do acervo da universidade. Nós temos um acervo de obra de arte que é muito grande. Tínhamos essa ideia, essa intuição de que era grande, mas ninguém sabia quanto, onde estava… E uma das coisas que nós fizemos foi um levantamento de todo o acervo da universidade. Então, tem uma publicação, um livro onde nós mapeamos, fotografamos etc., esse material. Junto com isso, nós damos início a uma série de iniciativas nessa área, como por exemplo, a ideia da Bienal de Artes. Nós realizamos uma primeira que a gente chamou de zero… Quando você fala bienal, você está pressupondo que vai ter ao menos mais uma; de fato, acabou tendo uma segunda, a gente queria abrir, e abrimos para as universidades da América latina, recebendo trabalhos de jovens artistas; já fizemos alguma coisa nessa área.

Antes disso, eu havia sido convidado pela gestão anterior para ser presidente, na verdade não era presidente, era superintendente executivo da Fundação Rodrigo Melo Franco de Andrade, que vivia naquela época de 2009 uma crise muito aguda e a fundação era um problema porque todas as expectativas criadas, quando a universidade foi chamada para participar, não foram cumpridas por várias razões.        Não estou culpando A, B ou C, não sei.  Foi um momento muito dramático. A população da cidade estava um pouco em pé de guerra com a universidade, porque achava que a universidade era negligente em relação aos prédios, o que poderia ser feito, o que era prometido ser feito, não era feito. Então, esses dois ou três anos que eu fiquei a frente desse negócio, nós damos um impulso muito grande, então, quando eu assumi a pró-reitoria, eu trouxe esse negócio prá cá.

Entre as atividades culturais, estava essa fundação, e formalmente passou a ser gerida, digamos, aqui dentro da pró-reitoria. Tivemos uma atividade importante também, de tentar coordenar as ações na área, por exemplo, de projetos de museu, de uma biblioteca para a área de humanidades, projeto de arquivo da UFMG, e nós fizemos muitas coisas e ainda existem, eles estão aí, em uma fase arquitetônica ainda, não são projetos executivos. Mas nós fizemos um esforço muito grande em aparelhar a universidade, naquela época nós tínhamos dinheiro, então não era simplesmente especular, havia condições de fato de começar a fazer. Depois a situação mudou muito, mas em 2010, 2011 a universidade tinha dinheiro, e tinha acesso também a recursos extras, além dos orçamentários normais, então nós fizemos um esforço grande de criar, na verdade, uma espécie de um plano de expansão na área cultural da universidade, que de fato completasse o que nós já tínhamos e não era pouco. Um espaço para museu, um espaço para salas de espetáculos, teatro, uma biblioteca específica para humanidade, reunindo todo acervo mais qualificado para a universidade nessa área, o arquivo geral da universidade.

Demos um incentivo grande a projetos da universidade que estava mais ou menos no canto, por exemplo, o Ars Nova que estava paralisado, nós recuperamos, demos bolsas, fizemos toda uma série de ações para reativar, conseguimos recuperar a sala no Conservatório, equipamos a sala, fizemos isolamento acústico… Fizemos muita coisa nessa área da cultura  e ao mesmo tempo, demos um incentivo grande ao programa de bolsas, nós ampliamos muito o número de bolsas, sejam com recursos nossos, custo orçamentário, ampliamos muito, muito. Eu não tenho os números de cabeça, mas se olhar a curva…

Cevex: De acordo com os últimos dados levantados, foi de 700 para mil e tantos…

Prof. João Antônio: Foi por conta do dinheiro. Tinha dinheiro? Então vamos ampliar! Tivemos um esforço grande de articulação, da captação de projetos de Pbext, Proext. Nós fomos à universidade com mais projetos aprovados naquele período. Fruto de um esforço interno da equipe, de fazer um esforço sistemático, de levar a ideia de extensão, de fazer encontros com todas as unidades. Eu andei por aí, em tudo quanto é canto, falando sobre extensão, articulando… Então, ao lado da parte de cultura, esse esforço também de fazer encontros, quase que de formação de uma cultura de extensão, ao meu juízo, diferente da que é a tradicional. Porque eu falo que é diferente? Como eu nunca me considerei um extensionista…

Sendo professor universitário, a extensão é uma das atividades. Eu não acho que eu faço nada de diferente quando eu faço extensão. Eu não coloco assim; “Agora eu vou virar um extensionista.” E visto uma camisa de extensionista. “Agora eu sou professor.” “Agora eu sou pesquisador.” Não é uma demagogia, não, mas eu acho que é isso que eu sempre fiz. Essas três coisas só fazem sentido juntas. Não dá pra fazer uma dessas coisas bem, sem fazer às outras duas. A pesquisa, quando ela tem essa dimensão de interação com as comunidades, com os sujeitos que demandam, e com os alunos, que é indispensável.  Tem aluno envolvido? Então é extensão. Se não tiver aluno, não é extensão, é outra coisa, uma prestação de serviços, extensão não é! Vamos valorizar as atividades da universidade ou é assim, ou não é universidade, é outra coisa, é um colégio, é um instituto de pesquisa, que é muito importante, um instituto de pesquisa é muito importante, mas não é uma universidade.

Sempre pensei assim, então pra mim foi um pouco testar na prática essas ideias que eu tinha, e que durante esse período curto, relativamente, em que eu fiquei que eu consegui botar em prática. Escrevi umas coisas sobre extensão, uns textos, tentando organizar certa sequência histórica de como é que surge a extensão, de como é que ela se transforma como era diferente quando chega ao Brasil, e como é que você tem de fato uma singularidade. A extensão no Brasil muda a qualidade do debate sobre extensão, estou pensando na experiência do Paulo Freire particularmente, no início dos anos 60. Ela de fato combina a cultura com a coisa educacional, a coisa da alfabetização. Então, a universidade sai fora de si mesmo, de fato, coloca um novo paradigma de horizontalidade, de troca, de interação, que eu acho, ao meu juízo, inovadora, desde que ela surgiu. Acho que o Brasil, de fato, tem uma posição nesse debate muito marcada, tem um lugar nessa discussão. E isso torna, eu diria, a nossa experiência e a da UFMG em particular, a minha experiência nisso não é muito grande, mas se observar as outras universidades, elas fizeram opções. Por exemplo, a Usp, a extensão na Usp é puramente cultura, e outros lugares é puramente assistência, no sentido mais assistencial possível. Aqui não, aqui nunca foi uma coisa só, e durante o tempo em que eu fiquei aqui eu procurei dar mais sentido nessa ideia de que não era uma coisa só, de que eram várias coisas e elas interagem, elas se articulam.

Cevex: E professor João Antônio, um comentário, o seu texto na Revista Interfaces, acho que é um dos textos produzido nesse período, tem um artigo que é uma referência, a construção dessa história, dessas ideias…

Prof. João Antônio: Eu não me lembro mais. Eu não sei como foi divulgado.

Cevex: Ele está na revista, número 1 da Revista Interfaces, é um dos artigos. E a segunda pergunta, acho que você já respondeu um pouco… Como a extensão é vista dentro da universidade, pelos professores, pelos alunos, e como se dá essa inserção da extensão dentro dessas três dimensões, ensino, pesquisa e extensão?

Prof. João Antônio: Eu acho que tem muita incompreensão sobre o que é a extensão. Eu acho que a extensão é praticada em todas as universidades, basta olhar o sistema que você vai ver todo lugar faz extensão. Agora a compreensão que o conjunto da universidade tem é muito desigual, muito heterogênea, muito assimétrica. Acho que tem visões muito desqualificadoras da extensão. Tem uma visão que é mais ou menos o seguinte: A extensão é aquilo que a universidade faz para os pobres, mais ou menos assim, a universidade voltada para a pobreza, é o lado assistencialista da universidade. Eu acho que essa ideia é muito disseminada.

Cevex: Ainda é penso que melhorou muito nos últimos anos, mas…

Prof. João Antônio: Uma das coisas que eu sempre falava, quando eu tinha a oportunidade de falar, era tentar desmontar essa ideia, essa ideia é um preconceito. A extensão não é isso, não é isso no sentido constitutivo, conceitual, e não é isso que é feito, na verdade, em nenhum lugar é assim. Na verdade é uma deformação da maneira que as pessoas veem o que é feito pela própria universidade. É fruto dessas coisas, das caixinhas, o camarada está lá no laboratório, o outro está no consultório, e ele não vê para além daquele recorte limitado, acaba tendo uma visão que eu acho deformada do fenômeno, da realidade do que é a extensão.  Então, eu acho que nós temos a verdade, um desafio quase que pedagógico, de esclarecer na verdade, às pessoas, sobre o que é feito, mostrar que na verdade, você tem uma riqueza de intervenções, de formas de ação, que vai muito além desse assistencialismo, entre aspas, que é como as pessoas veem a extensão, como se fosse uma coisa unilateral, secundária quando não é.

Eu sempre falo que a universidade sem a extensão, é como se ela tivesse uma espécie de encurtamento da eficácia de sua ação. Quando tem aqui um sujeito que emite e um sujeito que recebe, a mediação é feita de várias maneiras, pelos jornais, pelas revistas, pelos debates… Você tem todo um conjunto de mediações até chegar aqui, a extensão faz isso, ela aproxima a produção do conhecimento, daqueles que efetivamente tem interesse no conhecimento, e essa proximidade física acelera o processo de troca da produção do conhecimento. Você tem uma resposta mais rápida e mais, eu diria mais complexa, porque o próprio sujeito veicula, ele verbaliza de várias maneiras a sua insatisfação, a sua visão sobre aquilo que está sendo feito.

A ideia da extensão como uma coisa absurdamente lateral… Eu acho que não, eu acho que ela é central, ela tem esse papel mediador fundamental. Eu acho que nesse texto que eu escrevi eu falo muito de uma ideia que eu aprendi com o apoio da literatura que é a ideia da recepção. A recepção é o seguinte, a Teoria da Recepção… Os estudos literários, eles, durante o período do romantismo, estava muito baseado no autor, no gênio, no criador, então, uma maneira da teoria se apropriar do fenômeno literário é fazendo a biografia do autor, o fulano que era assim, que era assado, e tal que era muito legal produziu essa obra, então, você ficava em torno do sujeito, das suas circunstâncias ali, e aí você dizia: “A obra é essa, porque fulano era assim”. A história do fenômeno literário a partir do sujeito, o autor. Isso foi assim durante o século XIX inteiro. No início do século XX surgem várias correntes chamadas formalistas que fazem o contrário. Não importa o autor, o que importa é o texto, o que ele produziu. Esquece quem escreveu e vamos ler o texto, aí vamos fazer uma série de medidas, vai medir quantos adjetivos o cara usa, como ele organiza as frases, é toda uma coisa que tem a ver com o fim, não importa quem escreveu, não importa nada do português, então, esse é um segundo momento.

Aparece no final dos anos 50, no pós-guerra, um autor, um alemão, e depois outros que vão completando a ideia. Ele falou “Está bom, tem o autor e tem a obra. mas falta um terceiro elemento, que é o receptor, quem lê a obra”. A obra só se completa quando você lê. Um livro que não é lido não existe. E mais, cada um lê um livro a sua maneira, cada lugar, época, cada sujeito, cada classe social, cada grupo, etc. lê de forma diferente. A obra na verdade, tem vários significados, porque cada sujeito lê de um modo. O que eu escrevi para um determinado público genérico, eu escrevi para o mundo, mas o mundo não existe, existe, você, você, você, e cada um de vocês vai ler de um modo diferente. Então, esse terceiro momento da coisa é a recepção. A extensão é isto, é a universidade que descobre esse terceiro sujeito, que não é nem o autor, e nem a obra, que é aquele, em última instância…

Por que você gera conhecimento? Por que você produz coisas? Por que você produz conhecimento, formação técnica, científica, artística? Pra alguém! Eu não produzo para mim! Eu não preciso produzir para mim. Só faço sentido como sujeito produtor quando tem alguém lá, que eventualmente vai se apropriar daquilo que eu fiz. E aí entra a extensão, deste ponto de vista conceitual, é esse momento em que você valoriza a recepção, dá sentido protagonístico para a recepção. Quando eu faço isso, quando eu faço qualquer coisa que eu queira fazer, eu tenho um sentido, e esse sentido só se realiza através da recepção. Quando eu penso desse modo, quando eu presto atenção desse modo, aí vem essa pergunta. Como é que você junta ensino, pesquisa e extensão? Desse modo. Não existe nem pesquisa e nem ensino se não for por este terceiro movimento, esse outro que é aquele para o qual tudo isso é feito, ou deveria ser feito. Nem sempre se faz assim, mas deveria ser assim. Aí, é mais uma coisa, digamos do sentido da coisa mesmo, quase que normativa. Pra que serve a universidade? Por que eles pagam impostos? Por que os sujeitos vão lá… ele está fazendo isso como propósito, esse estado de captar, gerar coisas que tem um sentido universalizante, que é pra um, pra outro, pra todo mundo, que atenda demandas variadas, diversificadas. E o conhecimento faz parte disso, e a ciência e a pesquisa, etc. E a extensão, no meu juízo, catalisa, acelera esse momento do encontro do produtor com o receptor da mensagem, da informação.

Cevex: E para você, quais são os maiores desafios da extensão, principalmente quando se trata de uma integração entre ensino, pesquisa e extensão? Penso que a partir do que você fala, até perde um pouco o sentido a segunda parte da pergunta… mas o que pensa disso?

Prof. João Antônio: Eu acho que nós temos um problema pedagógico. As pessoas tem um problema de cultura, que nós temos que vencer. Durante muito tempo eu mexi com negócio de cultura interdisciplinar, transdisciplinar na universidade e pra mim sempre foi um grande desafio. Como você consegue convencer um sujeito, que fez uma vida inteira uma coisa, pensando na caixinha… Um físico que acha que basta fazer aquilo, ou um médico, ou economista… A universidade é toda montada para produzir gente com esse perfil disciplinar. Como você consegue através de um esforço trans, um esforço que é transversal, quebrar essas coisas e criar um espaço, provisório que seja de dialogar sem esse pressuposto da caixinha? É difícil. E eu acho que essa questão da extensão pra mim é a mesma coisa. Como você consegue mostrar, e aí mostrar no sentido prático, que a extensão não é mais uma coisa que se faz, é a coisa! Sempre a mesma coisa, não é mais uma coisa. É a coisa que tem que ser feita porque não dá para separar; então assim que você separa, empobrece. Então, como você faz com o ato educativo, o ato do pesquisador, do professor recupere o seu sentido original de integração?

Isso não é fácil. Porque tem toda uma cultura dominante que está dizendo sempre o contrário. A extensão é mais um trabalho que vai dar mais trabalho, você tem que preencher mais um relatório, mais um não sei o que, mais um formulário… É verdade, né! Mas não é necessariamente verdade, podia ser simplificado. Eu tenho uma, já que nós estamos falando de sonho, eu tenho uma frustração enorme de não ter convencido todo mundo, de que deveria ter um único formulário, que seria uma espécie de lattes, que incluísse tudo, extensão… Uma coisa. Porque tem que ter um INA, tem o lattes, tem não sei o que, tem o Sies? Porque isso? Toda vez que você faz isso, você está afastando as pessoas do sistema, porque é mais uma coisa que vai dar trabalho. Não é necessário isso, basta você pensar do ponto de vista estratégico, criar outra rotina, outra forma de registro, de circulação de ideias, de informação… Do jeito que é hoje, eu diria que nós estamos repetindo indefinidamente uma certa visão da extensão… Aí, eu estou falando de você que está aqui agora, eu que já estive e dos que nos antecederam, vai se reproduzindo. Então, qual o grande desafio? Quebrar isso. Essa separação só faz sentido para efeitos de classificação formal, mas na prática não deveria ser assim. Eu que eu faço na minha prática diária deveria ser tudo isso. E deveria ter um jeito de registrar isso que fosse espontâneo e orgânico, não é mais outro documento, é o mesmo, é a mesma coisa, e isso vale para todas as áreas, para todos os professores, para as pessoas que estão envolvidas na coisa. Enquanto a gente continuar com essa coisa, de que cada coisa tem o seu escaninho, nós vamos continuar com uma cultura de fragmentação que não ajuda, não ajuda nem um pouco.

Cevex: E a gente vê que os novos docentes estão chegando e essa cultura vai se perpetuando.

Prof. João Antônio: Uma coisa que a gente poderia fazer é estimular, por exemplo, grupos que comecem a pensar maneiras… Pensando nessa coisa, como é possível superar o registro, como é possível embutir no lattes, que é uma coisa bem visada, as informações de extensão? Como você pode botar?

Cevex: Eu penso que se a gente olhar o lattes, se as pessoas preencherem adequadamente, tem espaço pra quase tudo, não tem necessidade de uma outra fonte de informação. O problema é que às vezes você preenche um pela metade, outro pela metade…

Prof. João Antônio: Você tem que criar cultura… Preencher cedo aquele negócio registra ali na hora. Se deixar passar, você vai ficar com preguiça e não vai fazer.

Cevex: Até porque o registro tem uma importância verdadeira, é um lugar onde você vai obter dados, vai ter memória, não fica uma coisa meramente burocrática.

Prof. João Antônio: E também valorizar, a própria universidade valorizar esse tipo de instrumento. Mas para isso, ela precisa abrir mão dos seus INAS (Relatório anual dos docentes), dos seus não sei o que, esse monte de coisa que tem aí e dá uma preguiça danada…

Cevex: Professor João Antônio, então, uma outra questão… Qual a importância das atividades de extensão para a sociedade, tanto no momento de sua gestão, como hoje?

Prof. João Antônio: Eu acho que em algumas áreas é vital e em outras menos. Se você fizer uma estatística pura, simples, você vai ficar com uma visão distorcida. Vai chegar à conclusão de que a engenharia é o lugar que mais faz extensão, porque eles colocam ali tudo que eles fazem em termos de prestação de serviço, então esses números são enganosos, eu não tenho dúvida sobre isso. Eu não estou levando em conta o quantitativo, o que importa aqui é o seguinte, toda universidade faz extensão, todas, algumas mais, outras menos. Quando eu estava aqui, conseguimos em parte isso. Valorizar, inclusive feitura de atividade de extensão com a introdução de um critério na alocação de vagas docentes, que era a extensão. A tal matriz Takahashi… Planilha Takahashi que era isso, se você faz extensão tem direito a zero vírgula não sei o que porcento na sua matriz, que te dá mais chance de ter um professor do que quem não faz extensão. Só que isso parou no meio do caminho, e eu acho que nós tínhamos que explorar mais essa possibilidade. Isso queria dizer o seguinte, se você fizer mais extensão, você tem mais possibilidade de crescer como departamento, como unidade acadêmica, porque hoje fica parecendo um ônus. Você tem que dar aula, fazer pesquisa, e também como elas pensam fazer extensão, eu vou fazer o que me dá mais compensações. O que dá mais compensação? Publicar um artigo, porque eu vou ter um negócio de cnpq… Se o departamento for de algum modo contemplado, porque realiza atividade de extensão pra valer, não pretensa atividade de extensão, então a atividade de extensão será mais desenvolvida pelo conjunto da universidade, essa é a primeira coisa.

A segunda coisa é de fato criar uma cultura de maior presença da extensão na vida, eu acho que nós fazemos pouco, precisamos fazer mais atividades do tipo… anualmente, por unidade, atividades que pudessem fazer esse diálogo, extensão, ensino e pesquisa, fazer mais isso. Fazer mais atividades que coloquem de fato explicite isso que já é feito de algum modo, e que se for feito de forma organizada, teria um resultado mais expressivo, do ponto de vista de incremento de ações, de valorização de ações de extensão. Acho que nós tínhamos que explorar mais essa coisa, porque por mais que se faça, sempre é possível fazer mais, e no caso, é mesmo, é preciso fazer mais. Agora, eu acho que tem isso, tem algumas áreas que são essenciais, aquilo não ocorreria sem extensão, várias áreas, e outras não. Na minha área, por exemplo, isso é mais episódico, não tem esse hábito, atividade. Eu mexo com história, e as possibilidades de interação nesse caso… Mas em algumas áreas é quase que a essência da coisa, passa por essa interação envolvendo alunos e um tipo qualquer de interação externa à universidade.

Cevex: A gente vê isso assim, por exemplo, no instituto de ciências agrárias, lá eu acho que é um exemplo claro, é a extensão!

Prof. João Antônio: Aquilo ali é a extensão. Se não tiver extensão aquilo ali não existe. Porque o objeto deles necessariamente implica no contato com o produtor, o objeto exige… Odontologia, medicina, várias áreas onde isso é verdade. E mesmo nas áreas onde isso aparece como prestação de serviço, pode se transformar de fato em atividade de extensão, desde que nós tenhamos mais condições de envolver alunos, quando os alunos são mais envolvidos nesse processo, você tem um resultado que é muito positivo, eu diria, a formação de uma competência técnica para a prestação de serviço etc. , que o aluno não teria se não estivesse envolvido naquela atividade.

Cevex: E o que você desejaria para a extensão nos próximos 90 anos da UFMG?

Prof. João Antônio: Eu acho que a universidade, por alguma razão que eu não sei dizer qual, pode ser que tenha a ver com o Mendes Pimentel, que eu acho uma figura que pensava muito a frente, a criação mesmo da fundação de serviço de assistência ao estudante, é embrião de uma coisa que vai se desdobrar. Um negócio tipo Cipmoi, né, que é dos anos 50, 60 anos praticamente… A UFMG por alguma razão que eu não sei qual é, entendeu precocemente a importância disso e de sua responsabilidade social, dos seus compromissos, e tem feito projetos muito interessantes em todas as áreas, no direito, que a Ibiraci cuidava, o Polo de Cidadania com a Fernanda, tem o Marcus Vinicius. É um grupo de pessoas que tem uma atuação mais antiga, no Polo de Jequitinhonha, você tem várias iniciativas que são consolidadas, e algumas coisas mais antigas ainda como esse Cipmoi, que faz com que eu pense muito nisso.

Nós temos uma cultura institucional que desde cedo foi despertada para essa coisa, nós temos uma sólida cultura institucional voltada para a extensão. É claro que sempre pode ser expandida, melhorada, tudo isso é sempre verdade… É um altruísmo. Eu acho que nós tínhamos que insistir mais no negócio da cultura, isso aí que pode ser um diferencial. Acho um absurdo que nós não tenhamos aqui dentro espaços capazes de abrigar um público externo à universidade, teatro, uma galeria de artes, salas de exposição, museu, e que não fosse só para a universidade, isso é um papel da universidade. Acho que essa é nossa grande deficiência. O campus é muito pouco explorado pela comunidade, todo mundo fica discutindo isso, sobre o problema de segurança, eu acho que a universidade vai ser vista como segura, quando todo mundo vir isso aqui como parte da cidade. Enquanto isso aqui for isolado, uma espécie de clave no coração da cidade, nós vamos estar vulneráveis.  Abre esse campus! Abre no sábado, no domingo! Abre para a comunidade, deixe as pessoas entrarem! Tem muita coisa aqui, o negócio da estação ecológica, porque não explorar mais aquilo como lugar de visitação? Eu acho que a universidade, nesse ponto de vista, é muito amadora, com relação aos seus próprios espaços, é muito fechada, por insegurança, por algum tipo de questão que tem a ver… “Não tem segurança, não tem gente para fiscalizar.” Eu acho que não é isso. Não é por isso que não é feito, não é feito porque tem uma cultura de fechar, e eu acho que isso está errado. A universidade vai ser mais protegida, enquanto ela for vista como uma coisa de todo mundo, senão, ela não é de ninguém. Isso é um papel que a extensão poderia ter, mas depende de uma decisão que não é da extensão, essa é uma decisão da universidade e precisa ser discutida.

Eu me lembro de uma discussão que teve aqui há uns anos atrás, sobre um projeto que abriria uma estação de metrô dentro do campus, mas as pessoas são contra! “Como assim uma estação de metrô?” Tem que ter uma estação de metrô aqui! Por que não! “Mas e de noite?” De noite você tranca, não vai descer mais ninguém aqui, mas até uma determinada hora, por que, não? Qual o problema? O pessoal tem medo. O que pode acontecer de pior, que já não tenha acontecido? (Risos) De onde vem esse medo? Medo de quem? Por que não pode abrir?

Cevex: Quem está lá fora é diferente de quem está aqui dentro?

Prof. João Antônio: Se isso aqui for de fato uma coisa pública, eles vão querer proteger isso! Defender! Agora se for um negócio fechado… Aliás, as pessoas não conhecem a universidade. Me lembro que trabalhava em um prédio de 13 andares, e a biblioteca ficava no sexto andar. Eu conheço alunos que ficaram 4 anos estudando ali, e que nunca passaram do 6º andar, ele nunca teve a curiosidade de subir. (Risos) O cara vai à sala de aula, na cantina e na biblioteca, eventualmente na biblioteca. Não explora, não conhece, não sabe.

Cevex: Teve um professor da Fafich, que uma vez, comentou que os alunos que têm aula no CAD (Centro de Atividades Didáticas) comentaram que nunca tinham ido à Fafich.

Prof. João Antônio: E tem gente que fica 4 anos e nunca andou 100 metros, nunca foi lá na Estação Ecológica, e visitar coisas fantásticas que tem lá. No Jardim Botânico… andar por aí… o Museu de Ciências Morfológicas tem várias coisas aqui dentro. Outra coisa que eu quis fazer e não consegui também, que era fazer uma espécie de jornal, isso foi um de meus sonhos, assim, mas… frustrado. Um jornal que podia ser quinzenal… Eu vi isso na USP uma vez, que trouxesse toda a programação cultural da universidade naquele período, como teses que estão sendo defendida, conferência, aula, cinema, tudo. E que fosse distribuído para fora da universidade, dentro do ônibus… Mas porque não fizemos? Porque temos que ter uma equipe, que tem que ir atrás… Mas porque não? Isso é uma decisão que nós temos que tomar. A universidade é muito grande, mas ao mesmo tempo muito tímida nas coisas. Por que a USP pode fazer e nós não podemos fazer?

Cevex: A gente tem o UFMG na rede atualmente, mas que eu acho que precisa de mais divulgação, muito gente não conhece, e lá não tem ainda toda a programação, mas lá não é da extensão, é do Cedecom. Não é da Proex.

Prof. João Antônio: Eu queria fazer na extensão. Porque eu queria valorizar as coisas da cultura… A gente tem que fazer e tem que distribuir pra fora da universidade. Se tem uma atração cultural lá no Conservatório, então é da cidade, não é pra eu ir lá. Eu quero que as pessoas que transitam pelo centro cultural, ou em algum lugar, saiba o que vai acontecer, e saibam que é de graça. É uma cidade tão pobre de cultura, e a universidade, não sei se é a maior produtora de cultura da cidade. Nós produzimos mais atividade cultural do que a prefeitura e o governo do Estado, mas muito mais. Se você for contar tudo àquilo que ocorre diariamente, que é produzido no ambiente da universidade, é mais do que todos os outros juntos. Só que ninguém sabe, porque fica tudo espalhado por aí, vai ocorrendo aqui e ali, e na medida em que é espalhado, é pouco aproveitado, é aproveitado o mínimo.

Cevex: Obrigada, Professor João Antônio!

 

Entrevista realizada no dia 13/01/2017, às 16:00 horas, no Gabinete PROEX- UFMG. Entrevistadora: Professora Benigna Maria de Oliveira. Equipe participante:Gabriela Casali,  Cecília Cotinguiba e Thais Diaz.

 

Veja entrevista com:

Professor Geraldo Luiz Moreira Guedes

Veja entrevista com:

Professora Maria Stella Neves Pereira