Professora Maria Stella Neves Pereira

Gestão de maio a outubro 1980

A Professora Maria Stella Neves Pereira foi Pró-reitora de Extensão no Período de 05/1980 a 10/1980 na gestão do Reitor Celso de Vasconcelos Pinheiro. Geógrafa, professora aposentada da Faculdade de Educação da UFMG. Participou do Programa de Correção Ambiental e Reciclagem com Carroceiros de Belo Horizonte, iniciado em 1997, resultante de uma parceria entre a UFMG e a SLU. Em 1997, o Programa foi segundo colocado no Prêmio Estadual Sustentabilidade e Gestão Ambiental Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos, promovido pelo programa Minas Sem Lixões. Consultora do Projeto Lixo & Cidadania do UNICEF/FEAM nos municípios de Ibirité e Brumadinho; membro do grupo de coordenação do Fórum Estadual Lixo & Cidadania/MG.

 

Cevex: Vamos entrevistar agora a professora Maria Stella Neves Pereira. A primeira pergunta, professora, é como começa o seu envolvimento com a extensão? Como foi sua trajetória de formação, de atuação e depois, chegando na Pró-Reitoria?

Profa. Maria Stella: Eu comecei na Faculdade de Educação. Depois viemos para a Pró-Reitoria, e no trabalho de extensão fizemos o contato com comunidades, levando os alunos, levando os animais. As crianças subnutridas atendidas no posto de saúde das comunidades, a gente emprestava uma cabra e um reprodutor, da raça leiteira, que ficavam com eles. Depois, dando a segunda cria, passava para outra. Primeiro que ela der é desse, a outra para o outro, ia passando. Então todos ficavam com uma.

Cevex: Você era lá da Faculdade de Educação …

Profa. Maria Stella: É, da Faculdade de Educação. Mas aí, depois que começamos com esses trabalhos, buscamos a Escola de Veterinária. Primeiro foi a carroça, a “reciclagem” de carroceiros e as Charretes na Lagoa. Mas todo mundo implicava com a gente, “Que negócio de carroça é esse?”.E depois teve aquela notícia: “França adota carroças contra o aquecimento global”. Então pensei: “Mas, não é só nós não, viu?” (risos)

Cexex: Como surgiu essa ideia das carroças?

Profa. Maria Stella: Isso. Nós tínhamos pontos de URVPs nas cidades. URPVs são Unidades Recebedoras de Pequenos Volumes, onde o pessoal levava os resíduos. Havia uma caçamba para poda de árvore, outra para o lixo orgânico, para cada resíduo diferente, que se daria uma destinação, tinha uma caçamba própria. Então, tinha sido criada dentro da prefeitura uma usina de peneiramento desse resíduo da construção civil, que depois voltava para o calçamento da cidade, parte da planta voltava para ajardinamento, tudo era reaproveitado. Os animais foram entrando a partir do momento em que nós conversamos com as comunidades, sobre o trabalho a fazer e apareceram estes problemas, como o da subnutrição das crianças. E era uma quantidade de trabalhadores muito grande, chegava perto de 5 mil.

Cevex: Ainda hoje é um público grande!

Profa. Maria Stella: É … muito grande. Haviam quase cem pontos de URPVs na cidade, para receber resíduos. Se o carroceiro leva, fica mais barato do que contratar um caminhão pra levar, quer dizer, ainda está ajudando o trabalhador que está fazendo este trabalho. A universidade fazia a parte do manejo de equinos, explicando como se cuida direitinho do animal, vacinas, com a professora Maristela Palhares, lá da Escola de Veterinária. Depois passamos pelo Turismo, para colocar uma charrete lá na lagoa, pois é tão bonita aquela área, uma charrete alí seria mais um atrativo, mais um espaço…  Aqui (mostra a notícia), “PBH vacina cavalos e estabelece pontos de bota-fora”, as URPVs, para onde o carroceiro levava o resíduo, que de lá ia para a usina, de acordo com a destinação.

Cevex: Então, essa iniciativa que foi da universidade acabou impactando a própria política pública do município.

Profa. Maria Stella: Exatamente. Eu trabalhei um tempo na SLU, Superintendência de Limpeza Urbana, então juntamos tudo. Fomos vencedores do 7º Prêmio Ford Company de Conservação Ambiental, categoria negócios e conservação.

Cevex: Prêmios que vocês receberam com esse projeto?

Profa. Maria Stella: É. Teve também o prêmio Milton Santos de Saúde e Meio Ambiente, nós ficamos em terceiro lugar, está vendo? Em primeiro o Projeto Manuelzão, em segundo, Saúde e Alegria e em terceiro o Projeto Carroceiros. De dez premiados, ficamos em terceiro lugar.

Cevex: E como era a recepção da universidade para uma proposta como essa, professora?

Profa. Maria Stella: Se não fossem os estagiários, o trabalho não existiria. A grande maioria era da veterinária, mas também de outras áreas, em função dos desdobramentos que tivemos. Então falei que como esse negócio da França, isso não é coisa de pobre, não.

Cevex: Você quer dizer que tinha essa resistência, por ser coisa para classes mais populares, havia uma resistência na universidade?

Profa. Maria Stella: É. Por exemplo, o coelho, como eu estava comentando, em Havana, lá em Cuba, o consumo da carne de coelho é muito grande, então programamos o nascimento de ninhadas. E inclusive… Olha só, mandaram uma medalha para mim “À sócia benemérita Maria Stella, nosso reconhecimento pela educação, pela dedicação a policultura mineira”. Eles reconhecem o trabalho da gente, quer dizer, até de fora. Este aqui, é de quando saí da Faculdade de Educação, porque depois eu vim para a Reitoria. Eles colocaram aqui, “a única coisa para se guardar debaixo de sete chaves(risos).

Cevex: Essa é uma contribuição muito importante!

Profa. Maria Stella: Olha só, aos 20 anos da extensão em 1989. “Programas comunitários, criados em 1976 estão vinculados ao ensino e pesquisa da UFMG, os projetos são executados por alunos, professores e técnicos, após a aprovação dos departamentos envolvidos. Atuam nas áreas de Saúde, Nutrição, Cidadania, Cultura, Técnicas Apropriadas de Construção para corresponder às necessidades levantadas junto às comunidades e bairros operários, vilas e favelas. (…) alguns desses trabalhos constituíram dissertações de mestrado ou publicações em encontros científicos, como cloradores por difusão, farinha de banana, farelo de arroz, caprinocultura, epidemiologia, cooperativas e comunidades, tijolo e papel, uso de plantas medicinais …” é muita coisa.

Cevex: Muito interessante.

Profa. Maria Stella: Muito.

Cevex: E como a senhora via a recepção, a ideia de extensão nessa época, como que era? Já existia, estava sendo construída? Pelo que a gente foi acompanhando, na pesquisa sobre a história e memória da extensão, a gente vê que existem várias ideias de extensão que circularam pela universidade. Qual era a ideia de extensão com a qual você trabalhava e implementou esses projetos, como você pensa isso?

Profa. Maria Stella: Você percebe, juntando essa turma citada, o que a gente vai ver? Criação doméstica de cabras, tijolo de adobe, papel artesanal, criação doméstica de coelhos, carne de coelho, defumação, artefatos … então era uma abrangência muito grande, porque por exemplo, a parte em que a universidade da assistência aos animais, que a universidade dava, inclusive com melhoramento genético deles, isso tudo é muita coisa.

Cevex: Tinha uma ideia de colaborar com as comunidades …

Profa. Maria Stella: Exatamente! Aqui estão os setores envolvidos “Ciências Naturais, Ciências Sociais, Tecnologia, Setor de Artes, Setor de Saúde, Núcleo de Ciências Agrárias, Pró-Reitoria de Extensão” … Então, é tudo isso. E isso com 20 anos, imagina com 90, o que nós temos para fazer! Muito mais! (risos).

Cevex: E na época em que você estava implementando esses projetos, colaborando com esses projetos, havia já uma preocupação em articular o ensino com a pesquisa, como que era?

Profa. Maria Stella: Ah, sim. Isso sempre. Claro, como o pessoal já estava interessado em fazer um trabalho acadêmico específico, nossa, éramos muito procurados por eles, mas, muitas vezes também nós que fomos atrás, porque havia demanda da comunidade, e a gente ia em uma reunião na escola e falávamos, “olha, existe essa demanda, interessa pensar no assunto? …. Uma vez por semana … duas vezes …” E, por exemplo, tinha a associação dos carroceiros, tudo registrado direitinho, com presidente, vice-presidente, e todos eles tinham um responsável, e o grupo revezava, entre eles … então, era muito legal.

Cevex: E aí vocês tinham algum mecanismo de divulgar este trabalho junto a sociedade, as comunidades, ou eles vinham até a universidade pedir algum tipo de auxílio? Como era este diálogo com as comunidades?

Profa. Maria Stella: A gente ia, no dia da vacinação a gente estava lá … então conversávamos sobre o assunto e fazíamos uma agenda, uma vez por mês em cada URPV. Começamos com 5 URPVs, passou para 10, 15, 30 URPVs, porque eram 29 pontos diferentes, isto era feito em função do volume de lixo que era jogado em qualquer lugar no bairro, e que davam problemas decorrentes. Então, com as URPVs havia um lugar ambientalmente correto de levar os resíduos. E lá, por ser barato, ele mesmo pode despejar, né? Isto tudo puxava uma coisa e outra.

Cevex: Essa é uma experiência que a gente vê muito forte o caráter interdisciplinar …

Profa. Maria Stella: É …

Cevex: E junta veterinária, junta educação, junta filosofia … como que era este diálogo?

Profa. Maria Stella: A música também, porque havia grupos de corais, então assim que o pessoal ficava sabendo que tinha eles nos procuravam, vinham querendo saber, ou então eles diziam, “ah então vai lá na reunião dos carroceiros, aí você vai ver”, que dizer, ouvir do próprio povo a demanda da coisa. E a credibilidade na instituição, a credibilidade é muito grande, o pessoal acredita. Então o respeito a universidade era uma coisa assim, não vale a pena, vamos conversar.

Cevex: Você sabe que o projeto carroceiros ainda existe, né?

Profa. Maria Stella: Existe!

Cevex: Continua colaborando com a formação de estudantes também.

Profa. Maria Stella: Com o meio ambiente …

Cevex: Com o meio ambiente, com a formação dos carroceiros, educação ambiental, mas também organização trabalhista, economia solidária … é uma experiência bem interessante, que nasce aí, não é?

Profa. Maria Stella: A gente recebeu gente do país inteiro, sabe? Vinha gente de todo lado para poder conhecer o que nós estávamos fazendo.

Cevex: Então teve um impacto para além da cidade; nacional, internacional … isto é muito forte.

Profa. Maria Stella: Até Mercedes Souza esteve aí … você imagina, (risos) cantar para eles … Foi lá no Lindéia, gente.

Cevex: Como que foi esta história aí, da Mercedes Souza no Lindéia?

Profa. Maria Stella: Então, é impressionante, em todo nível o pessoal fica encantado, quer saber, quer ver detalhes …

Cevex: Que bom.

Profa. Maria Stella: Tudo isso está registrado.

Cevex: Professora, pensando nos 20 anos da extensão, você colaborou com essa história, agora nós estamos chegando nos 90 anos.

Profa. Maria Stella: 90! É muito tempo.

Cevex: Como a senhora pensa nos desafios, o que a senhora deseja para a extensão nos próximos 90 anos?

Profa. Maria Stella: Eu acho que quanto mais ela mostrar a cara melhor, né? Mas ela [a extensão, ] é bastante procurada e ninguém tem coragem de retirar. Fazer com a comunidade, não é fazer só para, é fazer com. Aí vem a absorção da importância daquilo, é muito grande, os filhos agem nisso, a família toda, então, tem que continuar.

 

Entrevista realizada no dia 05/04/2017, às 09:00 horas, no Gabinete PROEX-UFMG. Entrevistadora: Professora Claudia Mayorga. Equipe participante:  Gabriela Braga Casali, Cecília Cotinguiba da Silva e Raíssa Gabriella Lopes.

 

Veja entrevista com:

Professor João Antônio de Paula

Veja entrevista com:

Professor Tomaz Aroldo da Mota Santos