Professor Tomaz Aroldo da Mota Santos

Gestão de 1984 a 1986

O Professor Tomaz Aroldo da Mota Santos foi Pró-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais no período de 1984 a 1986. Possui graduação em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal de Minas Gerais (1968), doutorado em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1977) e pós-doutorado em Imunologia (Instituto Pasteur, Paris, 1986-1988). Foi também diretor do Instituto de Ciências Biológicas (1990-1994) e Reitor da UFMG (1994-1998). Atualmente é professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Imunologia, com ênfase em Imunoparasitologia e Imunobiologia, atuando principalmente nos seguintes temas: esquistossomose, imunidade adquirida, mastócito e histamina, desenvolvimento e seleção de repertório de linfócitos B. Tem contribuído também sobre os temas universidade e universidade pública.

Foi Escolhido em 2015 pelo Ministério da Educação (MEC) para ser Reitor pro tempore da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

 

Cevex: Prof. Tomaz, você poderia contar um pouco do seu envolvimento com a extensão como professor, docente da universidade mas, também depois como pró-reitor, como reitor. Acho que essas histórias se cruzam, não tem como fazer tudo separado, então inicialmente essa é a nossa pergunta, como foi o seu envolvimento com a extensão antes de assumir a pró-reitoria?

Prof. Tomaz: Eu aprendi sobre extensão com o Evandro José Lemos da Cunha, ele foi pró-reitor de extensão e participou ativamente dos Festivais de Inverno o qual terminei acompanhando e aprendi a gostar da extensão. Nunca tive propriamente uma atividade típica de extensão como professor. Eu me interessei mais pelo aspecto de política institucional da universidade para a relação com a sociedade. E foi nessa condição que eu me candidatei a ser representante do ICB junto ao Conselho de Extensão. O Conselho de Extensão integrava junto com o Conselho de Graduação e o Conselho de Pós-Graduação o Conselho de Ensino e Pesquisa. Depois na gestão de reitor José Henrique dos Santos, do qual eu vim a ser pró-reitor de extensão, houve uma reforma no estatuto e o Conselho de Ensino, Pesquisa passou a ser Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão. Antes era Coordenação de Ensino e Pesquisa, me corrigindo. A Coordenação de Ensino e Pesquisa passou a ser Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. A Coordenação de Ensino e Pesquisa era integrada pelo Conselho de Extensão, Conselho de Pós-Graduação e Conselho de Graduação. E o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão passou a ser integrado pelas respectivas câmaras de graduação etc. e tal. Então, foi como conselheiro do Conselho de Extensão da Coordenação de Ensino e Pesquisa que eu me candidatei a integrar a lista tríplice da qual o reitor escolheu o pró-reitor. Então, os pró-reitores nessa época, eram escolhidos pelos respectivos Conselhos, quer dizer, eram indicados em uma lista tríplice pelos respectivos Conselhos, das quais o reitor escolhia. O Reitor José Henrique me escolheu para ser pró-reitor de extensão sucedendo o professor Renato Quintino, que é professor aposentado da Faculdade de Odontologia. E aí que tudo começou. Isso foi de 1984 até 1986. Em 1984 o reitor era o professor José Henrique dos Santos e em 1986 foi o começo do mandato do professor Cid Veloso. A partir do mandato do professor Cid Veloso os pró-reitores passaram a ser escolhidos pelo reitor sem indicação das câmaras. Mas como eu tinha mandato, eu fiquei até completar o mandato quando então fui sucedido pelo professor Geraldo Guedes escolhido pelo professor Cid Veloso.

Cevex: E naquela época, quando você assumiu, quais eram as concepções ou a concepção de extensão que estava em debate? Como vocês pensavam a relação da universidade com a sociedade, que é o que define a extensão. Como isso se concretizava?

Prof. Tomaz: A extensão nessa época tinha dois grandes programas. Tinha um programa chamado Projeto Metropolitano e foi um projeto criado no reitorado do professor Eduardo Cisalpino. O professor Cisalpino percebeu que a maioria, quase esmagadora, quase todos os estudantes da UFMG eram da região metropolitana de Belo Horizonte. Então, isso chamou a atenção dele, a região metropolitana de Belo Horizonte era a região por excelência de atividades da UFMG e então ele devia, a universidade devia fazer um programa de extensão tendo em vista essa realidade. E deveriam participar necessariamente estudantes e professores. Então, nasceu o Projeto Metropolitano que eram atividades voltadas para a comunidade, em geral comunidade carente, dos bairros pobres da região metropolitana incluindo naturalmente outros municípios, além do município de Belo Horizonte. Então, esse era um grande programa que de certa forma levava a maior parte dos recursos destinados a extensão. Depois o outro programa, também criado na época do reitor Cisalpino, foi o Festival de Inverno. O Festival de Inverno que era claro, um programa cultural que se desenvolvia em uma cidade histórica. Primeiro em Ouro Preto para reunir a comunidade artística e cultural da universidade, mas também do Estado, e também nacional e internacional para cursos, seminários, oficinas, simpósios. E a maior parte do recurso da extensão, de certa maneira o que sobrava, ia para o Festival. Aí, eu não lembro o que tinha mais recurso se o Festival ou o Metropolitano. Mesmo porque o Metropolitano conseguiu, mesmo que pouquinho, recursos extras de outras agências, principalmente, se não estou enganado, da Fundação Kelogg. Mas o Metropolitano tinha uma verba própria, separado propriamente da verba destinada ao orçamento da universidade para a Pró-Reitoria de Extensão. Além disso, eram ofertados os cursos de extensão, e havia outros projetos de extensão originários de propostas de professores e unidades. Também estavam a cargo da extensão os cursos de especialização e os cursos de aperfeiçoamento. Então, quando eu cheguei ao Conselho, o Conselho era muito burocrático. Vinham os Projetos de curso, por exemplo, os projetos de eventos das unidades e aí cada conselheiro dava um parecer, no velho estilo dos pareceres do CEP hoje… Histórico, mérito, conclusão etc. Então faziam aquele parecer enorme e tal. E o pró-reitor “Parecer do Professor Fulano de Tal para discutir tal coisa”. E tinha título, histórico, mérito… e a gente lia aquilo tudo e na conclusão, favorável à aprovação do projeto e à concessão de recurso desde que existisse verba orçamentária… que não existia. Então a gente fazia um trabalho enorme para dizer “distribua-se uma verba” que não tinha. E era isso, basicamente era isso. Ou quando eram cursos, pela aprovação do curso e pela expedição do respectivo certificado, por que claro só quem emite diploma são os cursos de graduação e pós-graduação, os demais cursos certificam. E esses certificados eram autorizados pelo Conselho de Extensão e dados pela pró-reitoria. Então, o pró-reitor tinha de assinar todos os certificados. Eram pilhas.

Cevex: E durante sua gestão na pró-reitoria de extensão foram feitas mudanças…

Prof. Tomaz: Nós propusemos ao Conselho o seguinte… Vamos mudar isso. Foi a primeira coisa que eu fiz como pró-reitor foi mudar o funcionamento do Conselho de Extensão. A segunda coisa foi reorganizar o Conselho de Extensão, a Pró-Reitoria e pensar e repensar também o que é extensão, o conceito de extensão. Por que o que havia, e foi a sua pergunta, o que era extensão nessa época. Na universidade, o que havia, e isso de certo modo ainda persiste, tudo que não for ensino e pesquisa e pós-graduação, é extensão. Então, se definia pela negatividade. Outra coisa, a extensão era assim, braço social da universidade. Então, as outras atividades não precisavam se preocupar com função social na universidade porque isso é um problema da extensão. Todas as outras atividades podiam ser dissociadas de preocupação social por que a extensão fazia isso. Então, havia certa tendência a achar que as atividades de extensão eram aquelas voltadas para resolver os problemas sociais, então nesse sentido o Festival de Inverno era um pouco sem sentido porque não tinha uma função social, não mudava a sociedade, então, era uma coisa alienada. Havia quem fizesse essa comparação e esse julgamento, portanto o certo da extensão era uma coisa como o Projeto Metropolitano que era um projeto mais social.  A extensão não se perguntava muito sobre o seu papel. Esse papel estava de certa maneira impregnado na comunidade extensionista, que era um pouco fechada, e essa comunidade não tinha que perguntar, tinha que agir, tinha que fazer as coisas e essa ação era uma ação nas comunidades pobres, carentes. E havia certa ideia de que a universidade devia trabalhar, ou a extensão deveria atuar atendendo demandas. A comunidade pediu tal coisa e nós vamos fazer. E a extensão é uma coisa de mão dupla, então, a extensão válida é aquela que surge da demanda social. Se não tivesse uma demanda não podia ser extensão. “Qual a demanda?” “Não tem demanda”. “Então, não vale. Só vale se tiver demanda.” Então era uma coisa um pouco difusa, mas que podia ser resumida assim em uma atividade social da universidade visando atender carências básicas da população por ela demandada e exercida por membros da comunidade acadêmica – professor, estudante ou um servidor.  O Projeto Metropolitano se organizava em áreas de atuação. Havia uma ação em vinte ou trinta comunidades na região metropolitana. Tinha uma pessoa. O que essa pessoa falava “Faz um trabalho sobre drogas.” “Quem é essa pessoa?” “É um funcionário aposentado da universidade.” “E o que ela faz lá?” “ Atende a comunidade.” “Mas atende como?” Aí, nós passamos a fazer uma avaliação do Projeto Metropolitano para ver o que realmente deveria ser mantido. Isso gera uma noção do Conselho de Extensão, não só do pró-reitor de que as atividades de extensão deveriam envolver pelo menos professores e estudantes. Em cada projeto de extensão deveria ter a participação de estudantes executando ou participando das tarefas. Fizemos alguns seminários sobre extensão, a revista Enfoque relata um deles e com a concordância do Conselho de Extensão nós passamos a mexer um pouco com essas coisas todas. A primeira mexida foi no Conselho, ao invés de estar olhando essas propostas de projetos de extensão para dar verba, vamos fazer uma comissão do Conselho, que tenha autorização do Plenário do Conselho, para julgar os projetos. Essa comissão faz uma reunião por mês, ou uma reunião quinzenal e um relato à reunião do Plenário do Conselho elaborando um parecer… E se não houver discordância ao que essa comissão propuser, então, fica pra lá; não precisa discutir um por um. Essa comissão, integrada pelo Pró-reitor e representantes do plenário ficou responsável por fazer o que o plenário todo fazia, e isso fez sobrar tempo para a gente discutir a política de extensão; então, essa foi à primeira mudança. A segunda mudança foi que nós criamos na pró-reitoria, que então existia, o pró-reitor, a secretária da pró-reitoria e um coordenador de curso. Um coordenador de curso de especialização que tinha como única função, cuidar dos cursos. Era olhar aquelas coisas, ver se as unidades tinham feito um curso de especialização, de aperfeiçoamento de acordo com as regras. Se tivesse feito de acordo com as regras, então o Pró-reitor poderia assinar o certificado. Era isso que ele fazia. Nós atuamos em quatro ou cinco áreas, nós oferecemos cursos, tem uma atividade cultural, tem uma atividade comunitária, tem uma prestação de serviços e nós criamos outra área que nós chamamos de projetos especiais. Propusemos ao Conselho e o Conselho aceitou o seguinte, que a extensão passaria a trabalhar não mais sobre demanda, mas com projetos, e os projetos deveriam ser originários das unidades acadêmicas ou por grupos acadêmicos, professores e interunidades, e submetidos ao Conselho de Extensão que os aprovariam ou não. SE houvesse recurso destinaríamos esse recurso para esses projetos de acordo com a disponibilidade financeira e a natureza do projeto, o que gerou muitos protestos. Questionava-se: e o Projeto Metropolitano? E essas quarenta áreas de atuação? Tem que ter um projeto para cada área, se não tiver um projeto para cada área não dá para financiar pela seguinte razão, a universidade precisa saber o que a comunidade demanda, mas também o que se vai fazer lá. Se os estudantes forem participar, o que eles vão fazer?  Por exemplo, havia demanda de participação de estudantes em programas de saúde, então, mande estudantes de medicina, de odontologia, farmácia. Mas fazer o que lá? Sem professor, sem posto de saúde, sem nada. Não faz sentido. Eles vão ouvir a demanda da população, das pessoas… Fazer exame de fezes. Fazer exame de fezes e você tem ascaris, tem esquistossoma e daí? (Risos). Tudo bem, é um programa de saúde, então tem que ter um professor de alguma área de saúde junto com o estudante ou a estudante.

Isso foi já uma mudança muito grande, por que então a extensão começou a ter propósito, ter projeto, ter indicação. Nesse contexto que apareceram os projetos especiais, por exemplo, um projeto especial era esse de trabalhar com os estudantes no Jardim Zoológico. Os estudantes iam sob supervisão da Mônica Meyer. Nessa época ela não era ainda professora da Faculdade de Educação, ela era técnica educacional na Pró-reitoria. A idéia era, se as pessoas vão ao zoológico, vão porque gostam de bichos e se gostam de bichos vocês podem conversar com ela sobre os bichos. De onde é que esses bichos vem? Como é o ecossistema onde esse bicho vive? Então, você aproveita essa relação afetiva com os animais para fazer a educação ambiental indireta, naquele tempo não se falava muito em educação ambiental, nada disso. Agora precisa também saber o que as pessoas vão fazer lá. O que atrai os indivíduos a irem ao Jardim Zoológico?

Cevex: Essa decisão de a partir de então apoiar propostas mediante apresentação de projetos, os planos dos estudantes, o que eles vão fazer lá. Isso tem a ver com uma leitura de que talvez essa inserção mais espontânea poderia levar à ações mais assistencialistas? Era essa a reflexão que vocês faziam?

Prof. Tomaz: Era essa a crítica. O Metropolitano era muito assistencialista e não era essa a ideia da extensão. O que a gente propôs como a ideia da extensão é que ela fosse um processo de esclarecimento no sentido educativo, quer dizer, era tornar disponível para as pessoas, para a sociedade o que a universidade sabe. A gente falava de um processo de devolução, aquilo que a universidade produz, faz, descobre, tem sobre o conhecimento pode se tornar disponível para a sociedade, para as pessoas. Então, nós tínhamos outro projeto especial que não resultou, era um projeto de educação para a saúde. Eu acho que a intuição que a gente tinha é mais ou menos o que hoje se faz com os agentes comunitários. A inspiração disso era um pouco os médicos da China, que a intenção era levar para a sociedade o conhecimento médico, um conhecimento sobre a saúde que tornasse as pessoas, independentes dos médicos, para cuidar de coisas que se soubessem com mais profundidade, poderiam elas mesmas fazer. Então, era fazer uma coisa em pequena escala que pudesse levar para as pessoas esse conhecimento. Mas a gente não sabia fazer, evidentemente era uma utopia irrealizável porque para fazer isso tinha que ter uma estrutura de assistência à saúde que não existia na época. Isso fazia sentido em um contexto, um programa tipo o Programa da Saúde da Família, e que a educação comunitária pró-saúde pudesse concorrer. Então esse era outro programa especial. Outro programa especial que nós fizemos foi um programa especial, que o Professor Geraldo Guedes depois continuou que foi o Programa sobre a Constituinte. Essa Pró-reitoria ocorreu em 1984, ainda era o Presidente Figueiredo, nós estávamos na ditadura, no finalzinho da ditadura. E já mais para o final… Quando foi o Sarney? 1986, né? Tancredo, então era isso mesmo, era ditadura. Já havia um movimento da constituinte, o Projeto Constituinte. Chegou a ser feito alguma coisa no Projeto Constituinte que depois o Professor Geraldo Guedes continuou. Aí você vai ouvir dele como foi a continuação do Projeto Constituinte, mas que levou entre outras coisas à uma participação, um acompanhamento especialmente do Reitor Cid Veloso na constituinte propriamente, na discussão dos problemas de educação e da saúde que resultou no SUS – Sistema Único de Saúde  e coisas do tipo. Então, o projeto constituinte foi outro projeto especial. Outro projeto especial foi o Projeto de Educação de Adultos. A universidade tinha um grupo de funcionários analfabetos, eram jardineiros, serviços gerais, mas eram funcionários do quadro.

Cevex: Funcionários do quadro?

Prof. Tomaz: Sim, eram do quadro, funcionário público e que não sabiam ler. Eu falei para o Reitor: “Nós temos vários funcionários analfabetos, vamos fazer um curso de alfabetização? ” Ele disse “Tudo bem, eu autorizo. ” Então, nós chamamos o coordenador de curso, que foi o professor Carlos Afonso, em minha saudosa memória, meu amigo e compadre Carlos Afonso, que então foi organizar o curso. Procurou a Faculdade de Educação que na época não topou. Aí, por indicação da professora Magda Soares, que sabe dessa história, ela disse, “Olha, procure o pessoal da linguística na Faculdade de Letras. ” Então, o pessoal da linguística topou, na condição de que o curso fosse ao mesmo tempo um serviço de alfabetização, um serviço nesse sentido tipicamente uma extensão, atendesse a necessidade social. Não era externa à universidade, isso também foi uma mudança, a extensão não precisa ser necessariamente só para fora, pode ser para dentro. Então, no caso eram funcionários da mesma cidade, tinha de ser um projeto de pesquisa e não sabiam como faziam isso, e tinha de ser um projeto da qual participam os estudantes. Está bom, então, esse é o projeto ideal, participam os estudantes, é um projeto de pesquisa, está gerando conhecimento na extensão e está fazendo a extensão. Aí surgiu o Programa de Alfabetização de Adultos. E o pessoal que continuou a educação de adultos na universidade acha que essa é a origem do Programa de Educação de Jovens e Adultos no Brasil, o EJA.

Cevex: É uma contribuição muito importante.

Prof. Tomaz: O EJA nasceu da UFMG, da extensão da UFMG dessa época. É claro, tinha havido antes os programas de educação, de alfabetização, segundo a metodologia do Paulo Freire, sobretudo no Nordeste. E tinha havido um programa coordenado pela igreja chamado MEB, Movimento de Educação de Base, que tinha também o propósito de ser um projeto de educação, de alfabetização de adultos. Mas quem foi trabalhando, sistematizando como é que se alfabetiza foi esse programa, inclusive tem uma descoberta interessante, isso depois vou te dar um xerox, de um professor dizendo assim “O Brasil alfabetiza errado.” Porque o que eles descobriram foi que alfabetizar, ensinar a ler e ensinar a escrever são dois processos distintos. Escrever é mais complexo que ler, implica uma mobilidade, uma habilidade manual etc.  À medida que os funcionários foram aprendendo a ler, eles se motivaram a também escrever. “Agora eu quero escrever para dizer para os meus amigos que eu aprendi a ler.” Enquanto era só aprender a ler não tinha evasão. Eles começaram a ensinar a ler e a escrever. E então começaram a aparecer as desistências. “Ah, eu não dou conta de pegar no lápis.” Você imagina gente cuidando de plantar coisas, jardim ter que aprender a desenhar as letras. “Não dou conta disso, não.” Está bom, então o importante é aprender a ler, então vamos aprender a ler. E coisas dessa natureza e que eles foram sistematizando. Depois isso passou ainda como extensão, saiu da Pró-reitoria de extensão, da coordenação de curso de extensão e foi para o Centro Pedagógico, quando era o diretor do Centro Pedagógico o Luiz Pompeu, também de saudosa memória.

Por outro lado os cursos. Pensamos: “Vamos tirar os cursos da Pró-reitoria e do Conselho, não precisam vir pra cá”. Os cursos são resolvidos nas unidades, as unidades dão os cursos, o diretor assina o certificado, não precisa vir para a reitoria, é bobagem. O Pró-reitor não tem que assinar certificado, o diretor assina, o coordenador do Cenex assina, não precisa isso. Então, nós fomos descentralizando a extensão para o Cenex. Outra mudança foi em relação ao responsável pela extensão nas unidades. Não era o Centro de Extensão e sim o diretor, porque a gente mandava a carta para o Centro de Extensão com o conhecimento para o diretor. Aí o diretor conhece e arquiva. Então, a extensão não era um programa da unidade era do Cenex, de novo um grupo fechado, isolado sem nenhuma repercussão na unidade, a extensão não era um problema da unidade acadêmica, então, olha só, as cartas vão para o diretor, máximo que você pode fazer é com conhecimento ao Cenex, é o inverso. Então o diretor é que vai procurar o Cenex, não é o Cenex procurar o diretor, não é isso.

Outra coisa, o Festival de Inverno era mais ou menos isolado da Pró-reitoria, tinha uma coordenação a parte, não prestava contas e nem discutia com o Conselho. “Mas não, vamos trazer a coordenação do Festival para dentro.” Aí nós botamos o Festival dentro do Conselho, aí conversamos, discutimos, houve briga de lá pra cá, daqui prá lá, mas no final ficou integrado. E aí nós fomos institucionalizando, normatizando várias dessas atividades, e a extensão cresceu. Nós passamos a provocar as unidades acadêmicas sobre o desenvolvimento de projetos, que estavam fazendo projetos sobre isso, sobre aquilo Aceitamos projetos e foram aparecendo as propostas. Aí no final apareceu assim “Escuta, mas a extensão é um segredo vivido, conhecido só dos extensionistas, vamos divulgar isso.” E passamos então, a divulgar os projetos de extensão no boletim, mas aí é outra história e eu te conto depois. (Risos). Essa é a proposta da primeira pergunta, mas deu para mais ou menos perceber?

Cevex: Deu, claro, inclusive suas reflexões contemplaram duas perguntas.

Prof. Tomaz: Eu acho que esse período foi uma mudança na extensão. Eu acho que o Reitor Cisalpino foi um marco fundamental, na medida em que ele criou esses dois grandes programas, o Metropolitano e o Festival de Inverno, sem dúvida foram essas duas ações. E a outra mudança eu acho que foi no reitorado do professor José Henrique, e eu acho que sem falsa modéstia no pró-reitorado do professor Evandro e no meu pró-reitorado. O Evandro foi antes do Renato, mas o Renato era isso, uma coisa meio burocrática, chegava “ Quais são os projetos que nós temos hoje?” “Ah, pedido de auxílio para fazer uma reunião na FAFICH sobre psicologia do adolescente…” Digamos. “Então o que eles querem?” “Certificado.” “Então, de acordo, faça isso.” Então, era isso, terminavam os projetos, acabou a reunião. E saía todo mundo “Poxa, mas é só isso?” (Risos) E foi assim.

Cevex: E os auxílios que eram dados até mesmo quando as pessoas submetiam os projetos, eram bolsas para estudantes?

Prof. Tomaz: Não tinha nada. Não tinha bolsa para estudante, não tinha nada. Bolsa só tinha para o Metropolitano, mas que tinha verba própria, mais nada. Não tinha.

Cevex: E professor, como você vê a extensão? Está muito claro pelo relato e pelo o que a gente já tinha levantado que tem uma virada que levou à institucionalização da extensão, levou ao fortalecimento dessa dimensão da universidade.

Prof. Tomaz: Essa foi uma briga de sempre. Eu sou muito cauteloso sobre isso, porque uma coisa boa da extensão é que não tem muita regra.

Cevex: É um fazer mais livre?

Prof. Tomaz: Se botar regra aí complica. Então, a gente falava assim que a graduação é cheia de grade. (Risos). A grade curricular, então é uma grade, pense uma grade. Tanto que dei outro salto quando fui reitor, agora já em 1994, então 10 anos depois. Vamos flexibilizar a graduação; não se falava em flexibilização curricular até então. Então nós, a UFMG que trouxe essa primeira idéia de flexibilização curricular que foi no meu reitorado. Começou a discussão no meu reitorado e começou a ser executado no reitorado do professor César. Muita coisa que o César fez foi planejado no meu reitorado… Não dava tempo de fazer. Então, eu acho que se institucionalizar corresponder a muita norma eu acho que deve ser feito com muita cautela e cuidado. Porque senão fica igual a uma pós-graduação, graduação. Se o projeto é bom… Tem como avaliar se um projeto de qualquer atividade acadêmica é bom ou não, se a extensão quiser ver o que é um bom projeto é só olhar os planos feitos.

Projetos do tipo tal, tal, assim, assim são bons projetos, não precisa dizer “Ah, precisa ter relevância social.” Isso tem muito na pesquisa. Eu fui do ICB, os biólogos prometem o que pode e o que não pode para poder dar relevância social ao projeto. Aí prometem curar câncer, alzheimer… (Risos), fazer vacina para isso e para aquilo. Um projeto de 20 mil reais não vai curar câncer, não vai curar alzheimer, mas tem que dizer que é relevante porque isso pode resultar nisso e nisso. O projeto é relevante se ele é bem articulado, se pode dar bons resultados publicáveis. Eu aprendi muito com um professor que tem uma pesquisa de publicação inglesa, antigamente era em latim. Aí você está falando para o mundo. Está querendo descobrir quais as universais, gerais… Agora, pesquisar sobre o carrapato na Lagoa da Pampulha, isso tem uma importância local, escreve em português… E se possível, escrever uma cartilha educativa.

O que seria institucionalizar a extensão? Eu acho que é uma coisa que seria muito interessante é o seguinte, que é exigido de cada docente, como sabemos, além de um certo número de aulas, que faça uma outra coisa… E essa outra coisa geralmente é um projeto de pesquisa, pode ser a extensão. Quer dizer, alguém pode fazer ensino de graduação ou de pós graduação e mais uma outra atividade que pode ser pesquisa e pode ser extensão. Eu acho que, por que controlar a qualidade do projeto de extensão se não se controla no departamento a qualidade do projeto de pesquisa? Ninguém olha o que o projeto de pesquisa está propondo… é um projeto de pesquisa… Não se olha se o projeto de pesquisa foi financiado ou não… Então, pode ser um projeto de pesquisa, agora, esse projeto de pesquisa, de extensão deve ser registrado como projeto de extensão a ser desenvolvido com conhecimento da câmara, do departamento do qual o docente ou a docente depois faz o relatório, como é também na pesquisa… Assim como no projeto de pesquisa você faz um relatório: “publicamos esse trabalho… fomos a tal congresso… e não sei o que”, se faz um relatório da extensão: “publicamos esse trabalho, fizemos tais ações.”. Acho que é isso…

Cevex: Aproveitando esse gancho que o senhor coloca, trazendo algumas comparações entre os aspectos da pesquisa… A extensão na sua formalização da política nacional, coloca essa importância da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que precisam se articular. Como o Senhor pensa isso…

Prof. Tomaz: Eu nunca fiz extensão. Eu fui um dirigente institucional. Eu fiz a extensão institucionalmente. Eu não fui, digamos, o educador popular. Por exemplo, não fui um artista, não fui um agente cultural em algum sentido assim…

Cevex: Participou na política. Na construção de uma política de extensão…

Prof. Tomaz: Quer dizer, a indissociabilidade… ela deve estar na instituição, não nos indivíduos. Quer dizer, a Universidade deve fazer ensino, deve fazer tudo, a universidade. Agora, é muito difícil encontrar uma pessoa que faça tudo ao mesmo tempo, com a mesma dedicação… não tem muito jeito. Pode ter um viés, uma tendência pra isso ou aquilo. E aí, como ficou essa ideia de que tem que fazer tudo, então… relatório de pesquisa, publiquei o trabalho tal, desenvolveu projeto tal, atividade de extensão, participação em congresso tal… Não é, mas vai como… Agora, organizei uma exposição de ciência em tal lugar assim e assim, na rua, ou participei de um programa de rádio, onde escrevi tal coisa, tipo o Programa Na Onda da Vida, isso é diferente.

Aliás, tem umas coisas interessantes que nós fizemos aí nesse período também, que foi o seguinte: Nós fizemos uma coisa do tipo “Universidade vai à rua”, ou “Ciência na Rua”… Algo assim, que era o seguinte, a gente botava uma mesa, isso em dois lugares, eu acho… umas mesas na Praça da Liberdade, aí nós levamos algumas pessoas do ICB, aí foi a Maria Helena Lima, que ainda está em atuação, e um técnico de laboratório chamado Julinho, que levou umas cobras, uns escorpiões e tal, e foi muito interessante… As pessoas queriam ver as cobras, os escorpiões, os ratinhos e tal… Levaram os microscópios e lupas e botaram lá umas células, para as pessoas verem as células e tal.  Teve um senhor que disse “Eu vou lá em casa buscar meu neto pra ele ver uma célula. Eu nunca vi uma célula na minha vida”. Isso é extensão. E assim, algumas dessas coisas foram feitas na rua… Aí teve as greves. As greves fizeram umas coisas assim tipo Universidade na Rua, um pouco parecido com isso que nós ouvimos, mas aí o pessoal do Icex levava uns cartazes cheios de integral dupla, aquelas cobrinhas lá… (Risos). De x, de y, as fórmulas… Aquilo significava nada, era pra dizer o inacessível… “olha como nós somos bons”, “olha como nós sabemos”… Aquilo era anti-extensão. Era um exibicionismo sem sentido, você pode levar pra rua uma exibição do seu trabalho acadêmico do jeito que ninguém entende, então é um exibicionismo.

Cevex: Acaba hierarquizando mais do que aproximando…

Prof. Tomaz: Exatamente. Fizemos outra coisa, que foram umas exposições de astronomia. Uma delas foi à observação do cometa Halley… Isso foi em 1985, o cometa apareceu. Aí levamos umas lunetas, astrônomos pra mostrar lá na Praça do Papa. Um frio do cão, em julho, e o que aconteceu? Nublou (risos). Ninguém viu nada, foi a maior frustração.

Cevex: Professor Tomaz, pra gente terminar, o que você acha que poderia ser a extensão nos próximos 90 anos da UFMG?

Prof. Tomaz: Quando eu fui diretor do ICB, eu trouxe essa perspectiva para o ICB. E isso tem sido usado, alguns projetos assim, que eles batizaram de Intenção. Mas eu não tive intenção. (Risos). Mas tudo bem, o ICB criou esse nome, que é o seguinte: com a política de cotas, uma parte da população pobre com o capital cultural, digamos assim, insuficiente ou baixo, estar na Universidade. Quer dizer, parodiando aqui, Fernando Brant e o Milton Nascimento, “o artista tem de ir aonde o povo está”, a extensão tem de ir aonde o povo está, o povo está na universidade. São estudantes, são terceirizados, igual aqueles funcionários da alfabetização… Acho que a extensão tem sido um mecanismo de oferta, de disponibilidade do conhecimento que a universidade detém pra quem não conhece, não detém. Então, um professor de física, um físico, pode ser um público da extensão, vou dar um exemplo: Quando eu fui diretor do ICB, no meu primeiro mandato, fizemos um programa de extensão que chamava Sexta Cultural. Valia porque naquele tempo não se tinha muito o que fazer nem no ICB, nem na universidade. E em uma das sextas, nós levamos um grupo, um formando em clarinete da Escola de Música… Então, o que esse clarinetista fez foi a anatomia, a dissecção do instrumento, só que ao invés de dissecar, ele montou o instrumento… “Isso aqui é uma paleta… você não ouve nada… Então vou colocar a paleta dentro do bico… já sai alguma coisa …” Até que ele montou a clarineta. Depois mostrou a família, o clarinete, o saxofone, o baixo, o não sei o que… E ao final da apresentação, final da conferência dele, eles deram um pequeno concerto mostrando a família da clarineta. Quer dizer, os estudantes do ICB e professores do ICB nunca saberiam do clarinete e como ele funciona, se não fosse essa atividade de extensão. E estavam lá professores, estudantes e tal, que não eram gente da favela, mas pela extensão tiveram acesso a um conhecimento musical que só é possível com uma ação da extensão para dentro da universidade. Foi dentro da universidade, mas poderia ter sido numa favela, na estação rodoviária, que, aliás, nós fizemos quando eu fui reitor…

Fizemos várias exposições na rodoviária, em Belo Horizonte, nas ruas… Então, é claro que isso pode ser feito hoje, a universidade tem instrumentos muito melhores do que se dispunha na época. A TV Universitária, a Rádio Universitária fazem coisas maravilhosas, que são coisas da extensão. Essa conversa, falar sobre os bichos da veterinária, falar sobre nutrição, isso tudo é extensão da melhor qualidade, nós não tínhamos isso, mas pode ser face a face. Então, eu acho que a extensão é isso, é uma possibilidade imensa, diversificada, plural de lidar com o conhecimento, seja lá o que for o conhecimento. Tanto o conhecimento que a universidade dispõe como o conhecimento que as pessoas dispõem. Eu tenho certa desconfiança sobre a história do saber popular, porque às vezes o saber popular é um saber ideológico, absorvido pelo povo… é um mal saber. Então, dialogar com esse saber, não é pra dizer que ele está errado, mas é pra dizer que a universidade tem possibilidade de mostrar uma alternativa, por exemplo, no campo da alimentação… “Não pode chupar manga e tomar leite porque isso faz mal.” (Risos). É uma coisa, consta que é isso, os escravos não podiam tomar leite e chupar manga, uma coisa ou outra… provavelmente chupar manga era o mais barato pro patrão, pro senhor do que dar um pouco de leite das vacas cujo leite ele vendia. O Metropolitano deu coisas muito boas, muito boas… Então, uma das coisas do Metropolitano que é muito bom foi o seguinte: um dispositivo, um Clorador Simplificado. Já ouviu falar?

Cevex: Não.

Prof. Tomaz: É um produto da extensão. O clorador é o seguinte… Uma das áreas de atuação do Metropolitano era a região de Ibirité. Eu não sei se continua sendo, mas Ibirité fazia parte do Cinturão Verde de Belo Horizonte com muita produção de hortaliças e qual era o problema? É que água usada para regar as hortaliças, era água de cisterna, que era feita do lado da fossa. Então, a água de cisterna era cheia de coliforme. Ia tudo pras hortaliças, e as crianças bebiam aquela água… Era uma diarréia generalizada. O pessoal da Veterinária, dois professores se destacaram nisso, o professor Francisco Viana, que vale a pena entrevistar se você conseguir contactá-lo, e o professor Flávio Hernandes. Eles fizeram a pesquisa e descobriram o seguinte… Que eles podiam usar um sal de cloro de baixa solubilidade, misturava aquilo com areia e colocavam numa garrafa pet, e iam medindo a quantidade de cloro que era liberada por dia até chegar na concentração certa, adequada do cloro. Aí amarravam um barbante na garrafa pet e faziam uns buracos na garrafa para água entrar… Aí acabou a diarréia. Aí de mês em mês a família trocava a garrafa… Pesquisa e Extensão. Disponibilização do Conhecimento útil aplicável pelas pessoas. Aí nós botamos no Boletim, o Manoel Guimarães, me falou: “Olha, Tomaz, Baiano”, ele me chama Baiano, “esse negócio de comunicação têm um vai e vem, é mão dupla, você vai pôr isso no boletim? Pode por, mas vai ter repercussão, vão te pedir coisas e você precisa estar preparado para responder”. Não deu outra, aí o Boletim, vocês sabem disso, o Boletim da UFMG pauta a imprensa local e nacional. Aí saiu matérias no Estado de Minas, no Jornal do Brasil, que era um grande jornal nacional, na TV Globo e tal. Resultado: choveu de pedidos pra saber como se faz o clorador simplificado. Aí nós chamamos o Chico e falamos “Chico, tem que fazer uma cartilha.” Aí ele patenteou esse negócio e deu, cedeu a patente pras prefeituras. Nós fizemos, na época, eu acho que umas cinco mil cartilhas e foi tudo, pras prefeituras do interior. É um processo que vale até hoje, e que hoje o Chico me falou, recentemente, que ainda hoje isso é repetido, por várias prefeituras. Extensão, Pesquisa e disponibilidade de Conhecimento.

Outro exemplo, o Metropolitana também… Qual era um problema também nas famílias de baixa renda nas favelas? Nutrição. Uma das possibilidades era o que? Tomar leite. Onde vai buscar leite? Então, a Sttela, eu acho que ela vive ainda, Sttela Pereira. A Sttela teve a ideia de criar  a Cabra. Aí chamamos o programa de Cabra. O programa de Cabra é o seguinte, o projeto dava uma cabra prenha pra família e a cabra era emprenhada por um produtor de raça leiteira, então a família da favela cuidava e criava a cabra, o filhotinho e tal. A partir daí era da família e usavam leite para alimentar as crianças. Isso também foi pro Boletim, o programa de cabras. Um dia, disseram assim: “Tomaz, o Brizola quer falar com você… O governador do Estado do Rio. Quer falar com você sobre o programa das Cabras”… Aí o Brizola “Pró-Reitor, como é esse programa maravilhoso da UFMG, de criação das cabras na favela? Eu quero fazer isso aqui no Rio”… E nós não tínhamos a cartilha. Então a extensão é isso, é um processo de comunicação, no vai-e-vem da comunicação com a sociedade em torno do conhecimento. Quer dizer, socializar o conhecimento, eu acho que é isso… Agora, precisa regra pra isso? Sim e não, mas se puser muita regra, sai da possibilidade de uma relação com a comunidade.

Cevex: Si, pero no mucho, né! (Risos)

Prof. Tomaz: Si, pero no mucho. Non Troppo! Si, pero non troppo. (Risos)

Eu acho que é um pouco isso… É claro que vão acontecer as distorções, picaretagem, isso tudo tem. Mas tem na graduação, na pós-graduação, na pesquisa, em todo lugar… Então eu acho que é isso, conversar muito sobre a extensão com as pessoas, com as comunidades e tal.

Eu acho que uma coisa que a Universidade faria muito bem é essa … A extensão tem que ir onde o povo está, e o povo está na Universidade. Então, uma extensão para dentro… A universidade, a Paris 1, isso eu estou falando de 1986, eu saí da Pró-Reitoria foi pra fazer o pós-doc em Paris e eu andei visitando algumas universidades. Paris1 não tem um programa de extensão, o que se poderia dizer que era um programa de extensão, era um curso, curso de língua, curso de francês. Paris 8 não, Paris 8, se não estou enganado está lá no norte de Paris, que é a região de preferência de atuação dos Africanos, é a região mais pobre, aí eles tinham uns programas culturais voltados para a relação com a comunidade daquela região. Então, de alguma maneira, a extensão tem um componente supletivo, de complementação de atividades que não foram prestadas pelo Estado, ou que não são prestadas pelo Estado, e que tem um componente assistencial, sim. Não é assistencialista, mas tem um componente de serviço, nesse sentido da conotação de serviço, como isso de uma ação para uma população, digamos assim, carente socialmente, culturalmente, etc e tal. Então, é a Universidade Pública num país desenvolvido, mas que tem essa diferença de acordo com o seu entorno. Então, a USP lá no bairro Butantã não tem muita coisa pra fazer… se bem que tem… Agora, a USP Leste não, ela tem que ser diferente. Se não for, tá errado… não sei se eles têm alguma coisa…

Cevex: Lá eles têm um perfil bem diferente…

Prof. Tomaz: Tem que ser diferente! Então, eu acho que a extensão tem que ter essa sensibilidade. Agora, isso não pode ser uma coisa exclusiva, restrita à Pró-Reitoria, isso também foi uma coisa, isso é uma coisa que fiz quando pró-reitor e tentei ampliar isso quando reitor. A Reitoria não faz as atividades acadêmicas, salvo algumas situações especiais. Atividades acadêmicas ocorrem nas unidades acadêmicas, então os pró-reitores, as pró-reitorias tem que trabalhar muito com as diretorias das unidades, os departamentos e tal, porque aí que tem que acontecer os programas. Agora, quando tem mais de uma unidade, aí faz sentido a Pró-Reitoria coordenar, que é o caso do Festival de Inverno, que envolve tantas unidades, que é muito difícil, e não dá pra coordenação ficar com uma unidade, nenhuma delas, porque horizontaliza demais que chega um ponto que não funciona, porque um diretor não coordena outro diretor, então tem de ser a reitoria. Então, eu acho que essa é outra dimensão da extensão.

Bom, um outro, um terceiro ponto que eu acho que dá perspectiva, não só da extensão, mas da universidade é o seguinte.. Eu acho que esse ano de 2016, 2013 pra cá, aconteceu alguma coisa muito diferente, especial no Brasil, no mundo, mas especialmente no Brasil. Uma parte tem a ver com as questões econômicas, concentração de riqueza, dos movimentos políticos da direita e etc, mas foi o que sucede a juventude. Eu acho que a juventude está… estou falando agora de uma faixa etária…. A juventude brasileira atual, não sei se todos os jovens do mundo, me dá a impressão, você que é psicóloga; não sei usar o termo, de uma ansiedade, angústia …. Enfim, sem norte, sem rumo, tendendo a piorar, a tornar mais agudas essa percepção, do que eu acho que é percepção da juventude, um mundo que não será um mundo para os jovens de hoje, os jovens atuais. Digamos que, eu não diria que é uma geração perdida, mas é uma geração em risco, então, eu acho que a universidade tem que cuidar dos nosso jovens e das nossas jovens. Quer dizer, então, a universidade tem essa dimensão… Nós tratamos os nossos jovens como estudantes e estudante é uma categoria funcional… O que faz o estudante? Assiste aula e faz prova até ser diplomado… A outra é o jovem, que sofre, se alegra, que sonha, que ama, quer dizer, são pessoas e essas pessoas são estudantes de sociologia, psicologia, engenharia, medicina e etc. Existe um lado do trabalho na universidade … digo na universidade toda, não só na UFMG… que é o trabalho com o jovem, sem contar os jovens que estão fora da universidade. Os jovens adolescentes que quebram as escolas , que batem nos professores, que xingam, que roubam, agridem, que fumam crack, que jogam futebol, que trabalham, que,  enfim… esse jovens com tudo que é deles, que não tem o que fazer. Você vai numa favela dessas aí, o ambiente urbano é absolutamente inóspito pra vida da juventude, não tem um centro de cultura, não tem um lugar pra ele jogar bola, não tem uma piscina, não tem uma biblioteca, não tem nada.

Cevex: Se você for para o contexto rural é menos ainda.

Tomaz:  Então, isso é o que mais me angustia hoje em relação a universidade que lida com os jovens… Qual é a reflexão que a universidade faz hoje sobre a juventude? Não é tipo ter um programa pra juventude, é uma reflexão sobre o modo de ser jovem e a situação de ser jovem hoje. Mesmo os jovens e as jovens universitárias talvez vivam hoje o mundo que é um mundo de angústia, de incertezas, que apareceu de 2013 pra cá, foi usado politicamente pela direita, não era só direita, a esquerda juvenil começou aquilo que a direita se apropriou, eu acho que foi isso. Então, o vermelho virou verde e amarelo e os jovens começaram a bater panela também. E agora estão ocupando as escolas. O que é que fala, qual é a resposta para esses jovens? Mesmo que a universidade não tenha uma resposta, qual é a capacidade dela de ouvir os jovens? Também não sei como ouvir os jovens. Quer dizer, há um problema, um abismo, que é uma coisa da sociedade muito, muito maior que a universidade, mas que a universidade não pode desconhecer. Eu acho que a mesma pergunta cabe à extensão, o que que a extensão tem a ver com a juventude? Não basta a Pró-Reitoria de ações estudantis, do meu amigo Tarcísio, cabe à universidade aí compreendida a atividade da extensão. E eu não sei, imagino que, abrir espaços para a ação extensionista dos jovens em relação aos problemas da juventude, mas em relação a outros problemas também, sei lá, questões de saúde, de habitação… Quem sabe repensar o Metropolitano, refazer o Metropolitano com a participação dos estudantes, levar os estudante pra favela, sob coordenação da universidade. Eu não sei… A Hannah Arendt diz uma coisa interessante que “Tudo compreendendo, é tudo perdoado.” Ela fala isso num contexto que na segunda parte, é perdoar mesmo. Ela fala da participação no holocausto, participação dos judeus no holocausto, não como vítima, mas participando das coisas… Como é que compreende isso tudo? Então, eu acho que uma coisa que seria importante pra universidade seria compreender o que é que se passa, o que é que está acontecendo com a juventude. Uma parte dá pra imaginar, mas a outra parte tem que perguntar pra eles. Isso é objeto de estudo, é uma questão acadêmica da melhor qualidade, responder essa pergunta, o que ocorre com a juventude hoje. Tem um livro chamado “Subversão: a nova forma de ensino.”, que é uma coisa antiga, dos anos 1970, americano, um professor descrevendo como é  trabalhar em uma escola e ela ser rebelde. Não tinha professor que desse conta, chegavam lá e não se interessavam pelo o que o professor dizia e quebravam as carteiras e não sei o que e tal tal tal. E o professor começou a perguntar: “O que é que vocês querem? Qual o interesse de vocês?” E foi possível, então fazer alguma coisa que era subversiva, nos termos dele… Não tinha currículo.

Cevex: Ou grades curriculares…

Prof. Tomaz: Ou grades… E aí, foi possível um processo educativo. Não acho que tudo tem de ser desse jeito, mas em algumas situações, eu acho que sim. E eu acho que isso é uma coisa que a extensão pode fazer mais que a graduação. A graduação tem integrado, mesmo que flexibilizado… Para ser sociólogo, psicólogo, comunicador, médico, engenheiro e tal, tem que saber umas tantas coisas, é obrigatório. Se não souber fazer um diagnóstico, pode tratar… A extensão não tem muito isso não.

Cevex: É uma formação cidadã mais ampla…

Prof. Tomaz: Eu acho uma coisa importante da extensão é que ela é livre, não está submetida a nenhum cânone, nenhuma regra. Você não é obrigado a cumprir os procedimentos tais e tais num programa de extensão. Não tem isso, não tem expectativa. Nesse sentido, você pode criar você pode inventar, se aquilo deu certo, aí pode virar depois uma coisa mais institucionalizada, mas a atividade mais livre para inventar soluções, criar é a extensão. Se botar a extensão em uma grade, ela deixa de ser isso.

Cevex: Então, para os próximos 90 anos extensão sem grade. (Risos)

Prof. Tomaz: Sem grade. Se botar grade, vira graduação. (Risos)

Cevex: Sem grades!

Tomaz: Ah, me lembrei do projeto do Pão Forte. Era uma receita em que se colocava farinha, óleo e outras coisas, que não vou saber dizer exatamente, para combater a fome… Fome no sentido nutricional, de nutrientes. E esse pão forte chegou às escolas e creches. E a partir daí, começou a organizar as comunidades em torno do Pão Forte. E hoje existe uma padaria do Pão Forte… Quer dizer, a Universidade saiu, e hoje é uma ONG, se apropriaram da tecnologia… O pão forte também é uma coisa da extensão. E foi uma coisa que começou quando eu era Diretor do ICB, eu tinha certa restrição a isso, porque achava assistencialista… E era preconceito meu, porque o Munir não só dava o pão, ele ensinava a fazer o pão.

Cevex: É aquela história de ensinar a pescar, de não dar o peixe…

Prof. Tomaz: Ele ensinava a fazer o pão, mostrava como era. E eles tanto aprenderam, que uma pessoa que o ajudou a fazer, desenvolver a receita, a testar, é uma das que hoje fazem parte dessa ONG. Não sei se é uma ONG ou uma Empresa, uma Microempresa, mas olha o Munir Chamone…. Será que eu tenho o telefone dele? … O Munir é imunologista, foi meu colega no ICB e do departamento, já se aposentou… O nome dele é Munir Chamone… E eu acho que uma coisa importante que vocês têm que fazer, seria descobrir, fazer uma prospecção dos projetos de extensão que foram de alguma maneira, apropriados ou pela sociedade, ou pelo Estado, alguma coisa do tipo. Aí, coisas como o EJA, várias coisas saíram do Festival de Inverno, Grupo Corpo, Grupo Galpão e etc… Mas coisas como o Pão Forte, o EJA… aí tem muita, muita coisa. Essa coisa que faz tanto sucesso hoje na UFMG, que é a CTIT, que foi criada quando fui Reitor, e a ação foi uma ação conjunta da Pró-Reitoria de Pesquisa com a Pró-Reitoria de Extensão.

Cevex: A CTIT nasce da extensão? Essa história não é conhecida….

Prof. Tomaz: É preconceito…. Pelo seguinte, a ideia da Ctit, tem a ideia da inovação, que dá uma roupagem nova e etc a um produto que modifica o próprio criar, inventar. Mas tem um momento, que é o momento da transferência do conhecimento para empresa mesmo. No sentido de transferência do conhecimento e da continuação do desenvolvimento, aí tem um componente que é um componente de extensão: Socialização do Conhecimento. Bom, outra coisa muito interessante nos cursos… a extensão também abriga muito preconceito… Preconceito contra empresa, prestação de serviço.. A prestação de serviços não é extensão, não. Eu acho que isso é um limitante enorme, porque você imagina, a FIAT veio para cá nos anos 1980, então veio muito italiano que não sabia falar português, então a FIAT procurou a Faculdade de Letras para dar aula de português para os italianos e eles deram o curso. Sabe quanto cobraram? Nada. Porque a Universidade é pública e não se pode cobrar nada. Tudo bem… O que isso significou? Eles queriam pagar, a FALE que não quis receber. O que a FALE fez foi passar para FIAT recurso público. A universidade trabalhou de graça pra FIAT, a troco de nada.. Então, a prestação de serviços é tipicamente uma coisa extensionista, que é um jeito diferente de prestar um serviço para analfabetos… É diferente… Agora, se for prestar um serviço de alfabetização para funcionário analfabeto da FIAT, se a FIAT paga, é outra coisa.

Cevex: Muito obrigada, professor!

Entrevista realizada no dia 13/12/2016, às 10:00 horas, na Pampulha. Entrevistadora: Professora Claudia Mayorga. Equipe participante:  Cecília Cotinguiba da Silva.

 

Assista ao vídeo gravado pela Assessoria de Comunicação da Pró-reitoria de Extensão da UFMG no dia 1º de setembro de 2017, na inauguração do CEVEX realizada na Sala de Sessões do prédio da Reitoria da UFMG:

 

Veja entrevista com:

Professora Maria Stella Neves Pereira

Veja entrevista com:

Professora Maria Aparecida Andrés Ribeiro