A Profa. Efigênia Ferreira e Ferreira foi Pró-Reitora de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais de 2011 a 2014, durante a gestão do Reitor Clélio Campolina Diniz. Durante esse período a Sra. Maria das Dores Pimentel Nogueira (Marizinha) atuou como Pró-Reitora Adjunta. A Profa. Efigênia Possui graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1969), especialização em Saúde Coletiva pela PUCMINAS (1981), mestrado em Odontologia- Clínica Odontológica, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996) e doutorado em Ciência Animal – Epidemiologia, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000). Professora Titular da Faculdade de Odontologia-UFMG. É professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Odontologia-UFMG. Atualmente (2016) é chefe do Departamento de Odontologia Social e Preventiva. Preside a Comissão de Ética do Servidor Público na UFMG (2016). Tem experiência na área de Odontologia, com ênfase em Epidemiologia e Saúde Coletiva, atuando principalmente nos seguintes temas: epidemiologia das doenças bucais, violência e saúde, promoção de saúde, qualidade de vida.
Cevex: O Centro Virtual de Memória da Extensão é uma iniciativa que se junta à comemoração dos 90 anos da UFMG. Estamos realizando um levantamento da história e memória da extensão em nossa universidade. Começamos com a história mais institucional, analisando documentos, atas, reuniões de Conselho. Elaboramos uma linha do tempo identificando cada uma das etapas, com os Pró-reitores e as políticas que foram implementadas. Nesta etapa, estamos entrevistando os ex Pró-reitores e Pró-reitoras para termos essas vozes presentes nesse levantamento. Após as entrevistas com os Pró-reitores e Pró-reitoras, a ideia é entrevistar coordenadores, estudantes, representantes de comunidades, os atores da extensão, Efigênia, como você bem conhecem.
Assim, queremos começar solicitando que nos conte sobre sua formação, e depois se você quiser já vincular à primeira pergunta, um pouco de como se dá, no seu percurso de formação, de atuação como professora, como coordenadora de projetos, o seu vínculo com a extensão. Como você chega à extensão?
Profa. Efigênia: Sou professora há 31 anos, na Faculdade de Odontologia; e ao contrário de muitos não me formei e entrei direto na universidade. Quando se concluíram 15 anos de graduada, fiz um curso de especialização que movimentou minha vida, após isso ingressei na universidade. Nessa época eu trabalhava em um serviço, mas também possuía um consultório, então entrei para a universidade, contudo mantive o consultório e o serviço. Dividi o meu dia em três tempos, das sete ao meio-dia em um lugar, de meio-dia às quatro no outro, e de quatro às oito no outro, depois fui cortando, primeiro saiu o serviço, eu fiquei só aqui e no consultório, e depois eu fiquei só aqui. Me formei em odontologia, não fiz especialização, na época era muito difícil ter, mas fiz muitos cursos de aperfeiçoamento, de atualização pequenos. A minha vida era a clínica, no consultório eu era uma dentista clínica; quando eu fiz o curso de especialização, que foi em saúde coletiva; para o serviço tive uma crise existencial, aí eu falei: “Vou parar de trabalhar, não gosto dessa profissão”.
Eu tinha um professor da odontologia que era muito amigo meu, eu o chamava de “Meu Guru”; quando eu tinha problemas, eu corria lá, sobretudo problemas clínicos. Então falei “ Ozair, eu vou parar de trabalhar, não dou conta dessa profissão, essa profissão é muito enjoada. O povo vai lá e você faz as coisas, aí eles voltam e está tudo para fazer outra vez, aí eles voltam e está tudo lá para fazer outra vez… [Risos]. Não gosto disso, não!” Então ele conversou comigo, acontece que eu tinha dez anos de formada, já tinha uma clínica estabilizada, em um lugar bom, uma clínica boa, tudo funcionando muito bem, trabalhava no serviço, então ele falou “ Não, você não vai parar, não! Você vai fazer esse curso aqui! ” Me deu o papel e falou “ Vai lá, e se inscreve, vai lá na seleção. ” Era um curso na Universidade Católica, e foi um curso muito importante na odontologia, porque ele criou uma massa crítica muito boa para a saúde coletiva, foi um curso que movimentou. Quem organizou foi um grande sanitarista, que é o professor Eugênio Vilaça Mendes, ele que coordenou, tinha dinheiro de fora, não pagávamos nada. É esse, eu falo, que foi o divisor de águas da minha vida, então entrei para a saúde coletiva mesmo.
Depois disso, é que tive o interesse de fazer o concurso na faculdade. No curso, fui convivendo com muitos professores desse departamento, então me interessei. Eu fiz dois concursos, no primeiro eu não entrei, no segundo é que eu entrei. Então, quando entrei, eu já tinha quinze anos de formada e uma vida estabilizada. Eu tinha a minha vida prévia como professora, e enquanto eu era estudante, eu dava aula de biologia em uma escola, segundo grau. Depois quando eu formei, um dos diretores da Associação Brasileira de Odontologia me chamou para trabalhar com ele. Aí eu comecei a dar cursos na ABO para dentistas, para auxiliar… Então, assim que eu fui fazendo a minha vida como professora. Mas só depois é eu que fiz o concurso.
Quando eu entrei nesse departamento, ele se orgulhava e dizia sempre: “Este é um departamento extensionista”, eles faziam muita extensão, e tinham orgulho disso. O Centro de extensão da Universidade estava começando a se organizar naquela época, existia, mas era muito fraco, entramos com quatro pessoas de uma vez, professores em um projeto de ampliação do departamento. Eu já entrei trabalhando na extensão. Eu não entrei sendo pesquisadora, por que o departamento de pesquisa era fraco, como na universidade quase que inteira, e principalmente na odontologia; ela era uma profissão assistencialista. Logo, comecei a trabalhar em extensão, então eu peguei todas as fases do processo nesses trinta anos. Todas. Inclusive, a fase de conhecimento teórico da odontologia.
Quando eu entrei, estava no final de uma fase que a gente chama de “curativista”, que é “Vamos tratar, vamos tratar todo mundo! Estraga aqui e trata”. É o que eu não gostava no consultório. “Estragou? Trata outra vez, estragou, trata outra vez”. E estava entrando em uma fase chamada “preventivista”, que foi quando começou a prevenção. “Ah, se escovar o dente melhora. Se comer assim melhora…” Mas tudo muito “ordem”. Sempre muito unilateral, sempre muito “Eu sei, você escuta e faz! Por que, eu é que sei. ” Daquele jeito. E os nossos primeiros projetos eram assim. Só que eu era muito observadora, então eu ia fazer o projeto e aprendia com o projeto, sabe. Uma vez, por exemplo, que eu fui fazer um projeto em uma favela, que era perto do lixão. Não existe mais o lixão agora, mas era uma favela (hoje se diz comunidade) a Cabana do Pai Tomaz. Fui fazer um trabalho lá em uma ONG, nem era ONG, era uma organização cristã… Ia ficar um dia inteiro com os meninos, então eu fui, levei todos os meus sábios conhecimentos. Nesses meus sábios conhecimentos tinha uma coisa assim, “ alimentos bons para os dentes e alimentos maus para os dentes”, a gente ensinava assim, tinha um cartaz com os alimentos bons e os alimentos maus, então cheguei lá e comecei a trabalhar com isso e a primeira coisa que eu perguntei era isso “ O que a gente come na hora do almoço? ”. Aí os meninos falavam “ Arroz, feijão e macarrão. ” Que era o que eles mais comiam na hora do almoço, tinha arroz, feijão e macarrão do lado ruim. Então eu enrolei os meus cartazinhos, nem mostrei, e assim eu fui aprendendo…. Aprendendo o que era trabalhar com a população, mas foi no sufoco mesmo assim! Não tínhamos um treinamento.
Por exemplo, antes de eu entrar na escola, quando o departamento começou essa organização nova, criou uma clínica na Barragem Santa Lúcia, uma clínica comunitária, eles chamaram o Paulo Freire, e o Paulo Freire veio cá, fez seminário com eles, mas eu não era professora e não estava lá, não tinha nenhuma formação nessa área, então eu fui aprender a lidar. Hoje eu acho que a gente não sabe tudo, e nem nunca vai saber, mas está muito melhor do que foi. E minha vida na extensão foi essa, então, eu comecei fazendo extensão, e fui aprendendo muito, e fui observando a riqueza que era. Naquela época que a gente não tinha um estágio fora da escola, não tinha nada, a chance que os meninos tinham, era quando iam com a gente para os programas, quando a gente trabalhava por exemplo, no Taquaril, a gente fez um trabalho com os alunos comparando a cárie no Taquaril (Uma zona de risco lá depois de Santa Efigênia, Pompéia…) com os alunos do Centro pedagógico aqui. E comparando descobrimos que o Centro pedagógico tinha mais cárie do que os meninos do Taquaril, então falamos “Nós, vamos saber. ” E a hipótese mais firme que a gente achou foi o fato de que os meninos do Taquaril não comiam e por isso não tinham cárie. Eles comiam quando chegavam na escola de manhã, e depois um ou outro tinha mais uma refeição em casa, era isso que eles tinham. Aqui no Centro pedagógico vai na cantina, compra um biscoitinho… lá não tinha. Então, foi nessa época, e depois a gente foi melhorando.
Quando nós mudamos, mudamos inclusive os locais de projeto de extensão. Praticamente assim, fechamos os projetos de extensão que estavam lá, e começamos do zero aqui na Pampulha, para os alunos, não tinha condição deles estudarem aqui e sair depois do almoço e parar lá no centro e depois ter que voltar para outra aula… a gente tinha que trabalhar por aqui. E foi aí que nós fizemos um acordo, e hoje a gente trabalha em parceria com as regionais Pampulha, da educação e da saúde. Agora a gente está muito bem integrado com o serviço. Antes era aquele negócio, eu chego lá, deposito e vou embora; agora não, estamos bem integrados no serviço, já conseguimos formar uma equipe multiprofissional…então, a história é essa.
Cevex: Você já mencionou isso ao longo de sua fala, mas como você vê a importância da extensão na formação dos estudantes na nossa universidade? E como você vê que é a percepção que as pessoas na universidade, nossos colegas professores e professoras, mas também os/as técnicos/as e estudantes têm da extensão? Como você percebe isso?
Profa. Efigênia: A minha visão pode ser um pouco diferente da universidade. Se eu trabalhasse no ICB podia ser diferente, eu sei que tem unidades na universidade, que tem extensão e nada é a mesma coisa. Tem unidades em que os meninos não conseguem creditação por projeto de extensão, é zero, porque “Não! Não pode! ”. Tem unidade que se o menino for em um evento ele ganha crédito, mas se ele passar em um projeto de extensão ele não ganha. Da época em que entrei para cá, há trinta anos, a coordenação é sempre com gente que entra e abraça, e quer aperfeiçoar, então ela cresceu muito. Quando a gente faz levantamento dos projetos de extensão, por exemplo, a gente tem um Plano de metas em meu departamento, e eu fiquei de levantar a questão da extensão.
Tem muita atividade, às vezes tem até muitas que não eram para estar lá, porque já terminaram e esqueceram de dar como concluído, mas tem muitas, e a escola é assim, já é natural, por exemplo, nós temos as diferenças conceituais, no sentido de aprendizagem, ainda tem professor que acha que a aula é aquele show; quanto mais telinha lá, melhor! Mas na extensão, a gente é meio uniforme no pensamento, todo mundo acha que extensão é aquilo. Não tem um conceito do que se pode tirar proveito da extensão, isso não tem não! Não é todo mundo, não, tanto que quando teve agora aquele edital de Formação em extensão, a própria escola, o colegiado de graduação e a extensão falaram “Não tem outro projeto para entrar, a não ser os seus. ”
Cevex: Você está falando do Edital da Formação em Extensão? [Esse edital foi lançado pela primeira vez em 2016, pela Pró-Reitoria de Extensão, juntamente com a Pró-Reitoria de Graduação com o objetivo de fomentar as iniciativas de Formação em Extensão Universitária no âmbito dos colegiados de cursos de graduação da UFMG.]
Profa. Efigênia: Isso. Ele mesmo, ninguém se inscreveu, por que eles mesmos acharam que não preenchiam os requisitos. Então, tem essas diferenças, mas ninguém nessa escola despreza ou é contra a extensão, eu vivo nesse ambiente, não é todo mundo que tira proveito do que pode ser tirado da extensão. Eu acho que a extensão, brigou muito… lutou muito para ser reconhecida, já há muitos anos, desde a LDB em 1960 ela já está lá na obrigação da universidade, A universidade tem que ser montada em cima de pesquisa, ensino e extensão, mas não é muito bem assim que as pessoas entendem. Outro dia eu estava conversando com uma professora de outra instituição e ela falou assim comigo “ O que você acha dos 20% de extensão em 2024, sei lá quando que é… É porque a gente esteve na ABENO (Associação Brasileira de Ensino Odontológico, a reunião é sempre em julho, e isso foi discutido lá, que as pessoas tinham que se preparar porque vai ter uma porcentagem da carga…. E eu falei “Olha, eu não vejo problema, não. Por exemplo, aqui na escola nós já temos um monte de carga fora, então é só começar a pegar as diretrizes da extensão e aproveitar esse povo. Vai no asilo, vai na escola, vai na creche…. Tudo disciplina curricular já! A gente já tem muita disciplina curricular originada da extensão. ” Aí ela falou assim “ Uai, mas vai ficar 20% fora da escola, e só 80 aqui? ”
Então tem isso… Mas a grande vantagem que eu acho é a reflexão que a pessoa consegue fazer lá, que ela não consegue fazer aqui. No nosso foco, por exemplo, que é lidar com a população, que pode ser paciente, ou não, mas é uma pessoa que a gente vai trabalhar em termos de orientação ou de tratamento. A gente fala muito com os alunos, o paciente aqui não é ele, porque uma vez um aluno perguntou “Professora, para eu saber isso que a senhora está querendo que eu conheça, é só perguntar para ele. ” Eu falei “ Não é. Você vai perguntar para ele, e ele vai responder o que ele quer, é muito diferente de você ir lá. ” E alguns meninos, até hoje a gente vê, eles chocam quando vão lá. Eles chocam! Eles falam “ Meu Deus! Eu nunca vi tanta gente pobre! ” E eu penso “Meu Deus, ele não é brasileiro! ” [Risos] tem muito isso!
Cevex: Em muitas unidades e cursos acontece isso. É um susto que a pessoa leva quando vai para a favela…
Profa. Efigênia: É? Aqui é 180.000 vezes melhor! A gente tem hoje muitos meninos, muito críticos, e tudo por conta, porque hoje não é só mais projeto de extensão, a gente tem as disciplinas que tem que fazer no serviço. E são muitas. São disciplinas críticas, e disciplinas educativas, então acabou que… Quando você surpreende assim em uma representação de seminário, sai cada coisa maravilhosa, aí você fala “ Está dando certo, mesmo” a reflexão em cima do conhecimento que existe.
Cevex: Vamos conversar um pouquinho sobre o seu período como Pró-reitora. Conte-nos como foi esse tempo, e o que você gostaria de destacar da sua gestão?
Profa. Efigênia: Tirando o lado ruim? [Risos]
Cevex: Penso que sempre tem um lado bom, um lado ruim. Que você destaque os lados que você quiser… [Risos]
Profa. Efigênia: Teve um lado muito bom. Eu vou conseguir lembrar das coisas que eu mais estranhei, é que eu procurei colocar algumas modificações. Algumas coisas eu consegui, outras não, umas mais outras menos, mas as coisas que me implicaram mais. A primeira coisa foi com relação a integração entre ensino, pesquisa e extensão, porque isso é muito claro para mim, muito claro. Os nossos projetos de extensão têm alunos de iniciação científica ao doutorado. Nós temos teses defendidas em projetos de extensão. Eu não tenho nenhum problema em enxergar isso; e até enxergo assim, uma ação de extensão não necessariamente tem que ter um projeto, acho que isso não é a coisa mais importante. A gente faz o projeto, porque a gente organiza a ação, a gente tem a possibilidade de pedir uma bolsa, a gente pode se esforçar mais.
Mas a gente poderia, por exemplo, hoje nós temos disciplinas que se chamam “Ações coletivas”, tem ação coletiva 1,2, e 3. Ação coletiva 1 é criança e adolescente, 2 é adulto e 3 é idoso e nós temos a oportunidade de fazer um bem ao trabalho de extensão, e a gente faz, só que ele se chama disciplina, eu chamo de extensão… ele se chama disciplina curricular. Então, isso para mim não tem como separar, mas, estão grudados, os três.
Quando entrei na extensão, vi várias vezes: “Isso é extensão! Isso é pesquisa! Isso é graduação! Isso é ensino!” Isso me incomodou muito no início e lembro que um dia falei assim “Nossa, a gente brigou tanto para integrar, agora quer separar? ”
E isso foi uma coisa que me incomodou muito, então eu comecei a trabalhar valorizando aquilo que era integrado, procurando valorizar quando as pessoas tinham coisas integradas e tive muita crítica, que se você gosta de extensão tinha que ser inimiga da pesquisa. Nos embates tipo premiação, a premiação da semana do conhecimento, que tem que ser separada… Por que tem de ser separado? Por que tem de ser diferente? Qual a diferença do menino que se destacou na pesquisa, que se destacou na extensão, ou que se destacou no ensino? É a mesma coisa, gente! Ele destacou em uma área… Então, eu tive alguns problemas, mas consegui andar um pouco.
Nós fizemos um seminário de pesquisa integrada à extensão, que era o maior problema. Ensino e extensão não eram muito problema, não… Pesquisa e extensão é que sempre foi um problema e talvez até historicamente, por que isso foi feito na universidade, a partir da criação da universidade, principalmente quando cria os institutos, o ICB, o ICEX, etc, a pesquisa na universidade cresceu assustadoramente, assustadoramente. Eu falo que na época foi uma medida muito boa, porque ela pôs os pés no chão, ela criou status, ela criou força, mas hoje eu já não acho que é mais assim… A coisa vai evoluindo. Então, por causa disso, na universidade o pesquisador era, e ainda é em alguns lugares, a única, não é a mais importante, é a única pessoa importante na universidade; isso a gente vê em todo lugar, até aqui na escola, que tem uma ótima aceitação e prática da extensão, mas a gente vê isso. A pessoa é valorizada quando ela publica muito, mas se ela modificar alguma coisa, transformar alguma coisa na comunidade, mais ou menos.
Então, eu chamava a pessoa que trabalhava com pesquisa, com extensão, e chamava gente que falava sobre conhecimento, porque tudo é conhecimento, tanto em um lugar como no outro, tudo é conhecimento. Então, essa foi uma área bem que eu investi que eu gostei de investir, e fizemos o possível, mas fizemos. Acho que eu deixei alguma coisinha plantada, alguma semente nessa área.
Depois a outra área que me preocupou também foi à avaliação, porque uma coisa puxa a outra. Havia muitos problemas quando eu entrei, o professor ia lá na extensão reclamar e falava assim “ Porque o meu projeto não é extensão? ” Por que, a avaliação estava tomando um rumo muito radical, “ Ah, você está trabalhando com crianças na escola, ele senta lá e fica ensinando sobre alimentos bons e alimentos maus…” Aí falam “ O seu não é projeto de extensão. ” Aí, ele ficava danado e falava “Mas tem vinte anos que eu faço isso e era extensão, porque agora, não é? ” Então, uma mudança que foi feita, que estava sendo feita quando eu entrei… Ela não estava agradando muito. Estávamos em uma fase de discutir critérios para avaliar a extensão, e aí começaram a aparecer esses problemas. E aconteceram muitos embates, muito porque as pessoas ainda acreditavam que extensão tinha que ser aquele modelo, um modelo que eu não sei nem explicar como é… Mas eu vou dizer que a extensão que eles falavam que era extensão, era boa, melhor e tinha as mais ou menos, nós também temos as mais ou menos, algumas vezes a gente faz coisas mais ou menos também. Por que nem sempre você consegue seguir tudo o que tem que ser feito… Como no ensino também, a gente pode dar uma aula maravilhosa e uma aula horrorosa! Pode fazer uma atividade de grupo muito boa e uma muito ruim. Então tinha isso, e custou muito a resolver e entrar um pouco na cabeça de todas as pessoas que estavam discutindo, que era professor, funcionário, um monte de gente, para poder entender o que era a extensão, por que a gente não ia achar só a extensão ideal, a teórica, que está no livro.
Então aí é que eu pensei em criar o Comitê Assessor, para ter mais gente para avaliar, para a avaliação não ficar só no meio da gente, por que estava ficando muito defeituosa muito viciada; então deu uma melhorada, foi bom porque tinha gente de todas as áreas, aí um pensa de um jeito, por exemplo, eu lembro uma vez de uma menina da música falando assim “Ué, mas como você vai me avaliar? Eu não escrevo artigo. Que produção é essa que vocês querem? Um vídeo?” As pessoas não sabiam nem colocar o que elas faziam, porque como era rejeitado, quando falava… “O que o seu projeto produziu?” Se não foi artigo não vale. A produção na universidade é artigo. Aí tinha que ficar discutindo e falando “Não, tem milhões de tipos de produção… Então, acho que foram as duas coisas que eu mais me empenhei
Cevex: Para você, qual o papel da extensão para a dimensão pública da universidade? Qual relação você vê entre essas duas dimensões? E a gente pode fazer essa pergunta de outra maneira. Qual você pensa que é a contribuição da extensão na função pública da universidade?
Profa. Efigênia: Nem falaria na função pública da universidade. Pensando na LDB, acredito que toda a universidade é responsável pela extensão, como é responsável pela pesquisa. Convencionou-se que a universidade privada pode só ensinar e ela nem paga professor, às vezes alguns não pagam porque não tem tempo para fazer extensão e não tem tempo para fazer pesquisa. A universidade pública tem esse tempo, a gente tem um tempo racional. Você tem que ter 12 horas, 14 horas frente ao aluno, mas como você trabalha 40 horas, sobra um monte para você fazer pesquisa, extensão, administração e outras coisas.
Eu acho que a gente tem mais facilidade de fazer a extensão que muitas vezes é ligada a políticas públicas por sermos uma instituição pública. Também nós temos mais facilidade de fazer essa integração com o público, até por questão de lei, acho que por isso, a gente tem mais facilidade, mas eu não acho que a universidade pode deitar, rolar e falar que não vai fazer extensão porque não tem dinheiro, acho isso errado, se eu acho que é bom para o ensino, é bom para qualquer ensino.
Mas aqui a gente tem mais facilidade, e se a gente tem mais facilidade, então tem que dar um troco melhor, usando uma palavra bem atrapalhada “A gente está sendo pago para isso”, então tem que dar o retorno, eu acho que a responsabilidade nossa é maior do que nos outros lugares, porque a gente tem mais facilidade, então, para mim é obrigação.
Cevex: Já caminhando para encerrarmos, pensando no contexto atual, quais você acha que são os principais desafios da extensão hoje? Tanto dentro da instituição quanto fora…. Os problemas da sociedade que a gente tem…Quais seriam os principais desafios?
Profa. Efigênia: Acho que é a relação dialógica, é o pior… Isso não é o pior, é muito difícil, muito mesmo. A gente tem trabalhado muito com comunidade, muito e por causa das pesquisas, a gente acaba estudando. Então, semana passada para você ter uma ideia, estávamos trabalhando nas escolas com uma pesquisa sobre qualidade de vida. Existem vários instrumentos já prontos, validados para medir qualidade de vida, mas, há muito tempo me sinto incomodada com eles, fiz dois estudos com uma aluna de mestrado, e nós vimos que o instrumento não dá para nossa comunidade, mesmo ele sendo validado no Brasil, ele foi concebido em outra cultura e a qualidade de vida você mexe com valor de vida da pessoa. Resolvemos então pegar a experiência e o que as crianças entendem como qualidade de vida. Fizemos com o desenho com a narrativa, para facilitar a avaliação, chamamos inclusive a Silvana para a banca, e a Flávia Gazzinelli, elas acabaram vendo coisas óbvias que a gente não tinha visto. Quando fizemos a análise usamos as dimensões que tínhamos para construir um questionário, e em meio às dimensões aparece à questão da violência, então qualidade de vida é não ter violência e não tem em questionário nenhum do mundo, que mede qualidade de vida, nenhum do mundo!
Eram duas coisas, violência, alguns valores apareceram também e achamos muito interessante porque são coisas que eles estão escutando. Quando se fala em solidariedade, fala-se em determinados valores… Felicidade, que parece que é coisa que escuta dos adultos; e aí a Silvana falou “O que vocês acharam nos questionários que existe, e que faltou aqui?” e aí que a gente foi pensar que podia emendar um com o outro, porque, por exemplo, eles falam a família, amigos… Isso tudo é qualidade de vida, a família, amigos, a escola, animais, brincadeiras… é qualidade de vida, então o que foi de fora e que a gente descobriu foi só isso, alguns valores e a violência; e ela falou “Isso pode ser encaixado no questionário”. A violência a gente vê clara, em todo trabalho que a gente faz. Eu fiz um grupo focal com mães, de capital social, mesma coisa, o que incomoda mais? A violência. O bairro é ótimo, elas adoram, tem muito transporte, elas adoram, o comércio é ótimo, a escola é muito boa, uma unidade de saúde muito boa, tem uma UPA quando eu preciso, mas a violência… Não tem jeito.
É um valor ambíguo, Claudia, de que o policial… “Eu preciso dele!”, “Precisa ter mais polícia.” “Não é só por um posto como tem lá na avenida tal, e não por polícia lá dentro, não!” Mas ao mesmo tempo eles têm medo da polícia, por que a polícia prendeu o filho, que a polícia fez aquilo, “Nos ameaçou!” Então, esse é um problema muito grande que a gente tem hoje e que inclusive, algumas vezes, atrapalha a gente a ir fazer o trabalho. Em determinadas horas você passou a ficar com medo de determinado lugar
Aquela coisa absurda de ter que chamar, por exemplo, um agente comunitário de saúde para ir com você no lugar, porque o lugar é perigoso, mas como não somos de um lugar perigoso, então eles facilitam a entrada. Umas coisas assim.
E o outro problema, que a gente ainda não resolveu, tem a questão da violência e tem um problema que a gente ainda não resolveu que é a conversa com a comunidade, que ainda é uma coisa que precisa melhorar. Eu não acho assim muito incipiente, mas a gente ficou muito tempo a acreditar que se mudasse a linguagem estava tudo resolvido, e não está nada resolvido. Então, esse compreender a comunidade… Por que isso é à base de tudo. Então, essa relação dialógica que eu acho que a gente tem mais que investir.
Cevex: Bem Efigênia, nós estamos chegando aí aos 90 anos da UFMG, e a gente espera mais 90 anos, e mais 90 anos…
Profa. Efigenia: Mais 1000! [Risos], uma universidade de 1200 anos!
Cevex: E o que você deseja, em relação à extensão, para esses próximos 90 anos?
Profa. Efigênia: Eu vou falar uma coisa e você vai me xingar. [Risos]. O meu desejo é que a extensão esteja tão integrada, tão integrada, como a pesquisa também, tão integrada, que a gente não tenha mais essas três áreas: ensino, pesquisa e extensão… Que a gente tenha formação! A formação de um profissional, nesta formação você teria todos os componentes necessários, a produção de conhecimento, integração com a comunidade, etc e tal.
Esse é o meu desejo, na verdade, do futuro, e quando eu falo me xingam demais; os que amam a extensão falam assim “ Como assim você quer acabar com a extensão? ” E os que amam a pesquisa “Como assim, você quer acabar com a pesquisa? ”. Eu acho que a gente tem que formar integrando, área sectariza as coisas, é muito ruim.
Cevex: Muito bom. Você quer comentar mais alguma coisa…
Profa. Efigênia: Eu queria falar que essa ideia de fazer esse negócio é muito legal, não essa entrevista, porque você pode fazer o trabalho de qualquer jeito, assim, com várias maneiras de coletar dados. Mas a ideia de fazer essa retrospectiva, é muito legal. A retrospectiva ajuda a andar para frente.
Cevex: Precisamos mesmo andar para frente, porque muitas vezes parece que só tem um jeito de extensão, e a história mostra que foram vários caminhos, várias construções. Na linha do tempo que fizemos da extensão na UFMG encontramos várias concepções de extensão. Então, isso descentraliza de uma posição que fica a todo o momento julgando “Isso é extensão.” “Isso não é extensão.” Então tem sido um exercício bem interessante.
Profa. Efigênia: Eu sou do Conselho e aqui na extensão da Faculdade de Odontologia a gente tem procurado, eu principalmente tenho reforçado muito isso. Quando a pessoa apresenta um projeto eu falo com ela assim “Se fosse avaliar a rigor, eu ia falar que o seu projeto não é de extensão, por causa disso, disso e disso.” Então, o que você poderia fazer… É lógico que eu vou aprovar, estou fazendo o parecer, eu sei que tem relevância, e isso e isso… Mas eu acho que se você pusesse isso, ou isso… Então eu falo assim “Tem que conversar com a comunidade. Você não pode fazer um projeto… por que você nem perguntou nada!” Então, começa com uma coisinha. “Põe uma caixa na sala de espera, e estimula as mães a colocarem ali o que elas estão achando das coisas.” Começa com isso. Ok, eu tenho estimulado muito as pessoas a fazerem isso, sem ficar nessa perseguição de que, “Não, não pode ser aprovado, porque não é!” Mas para estimular as pessoas a começarem a ver as outras coisas. “Faz uma atividade em sala de espera com as mães. Aí você já começa a conversar com elas.” Dali você vai tirando caminho para outras coisas.
Cevex: A Thais, bolsista do Cevex, trouxe uma sugestão hoje… Olhando lá no seu curriculum tem dois programas de extensão ativos, que são a Promoção da saúde e o Tratamento estético com crianças e adolescentes.
Profa. Efigênia: Nesse programa… Até que no do adolescente eu não estou trabalhando agora não, porque a profa. Andréia assumiu, foi lá para o grupo e está indo muito bem, está entrando em um projeto lá na Fafich, está indo uma beleza. Agora eu estou só no Projeto Escolas e na Caravana, que eu mais ajudo do que trabalho, eu ajudo um pouco o Ricardo, mas não trabalho… O que eu trabalho mesmo é de me enfiar dentro da escola. Na escola estou bem arranjada, como a gente tem muita atividade lá, tem ensino, tem pesquisa e tem extensão, ele me absorve muito, o tempo da gente, muito mesmo. Então eu tenho ficado mais é lá.
Cevex: Bom, foi muito bom conversar com você. Efigênia, você sempre muito agradável, simpática. É bom estar perto de você.
Entrevista realizada no dia 26/ 08/2016, às 15:00 horas, na Faculdade de Odontologia – Campus Pampulha UFMG.Entrevistadora: Claudia Mayorga. Equipe participante: Gabriela Braga Casali, Cecília Cotinguiba da Silva e Thais Lopes Diaz.