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Em palestra, Conceio Evaristo interpreta o mito de Anastcia

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017, s 16h49

Na primeira palestra da edio 2017 do Festival de Vero, a escritora Conceio Evaristo recuperou a trajetria de Anastcia, mulher que, escravizada no Brasil colonial, hoje reverenciada como santa no mbito da religiosidade afro-brasileira ainda que sua santidade no seja reconhecida formalmente pela religio catlica.

Tomando por mote a mais famosa imagem de Anastcia, em que ela aparece com uma mscara de flandres no rosto, Conceio Evaristo discorreu sobre a identidade mtica dessa personagem como um cone de resistncia. O sofrimento de Anastcia metaforiza o sofrimento dos afrodescendentes como sujeitos que experimentam vrias formas de excluso. E, por ser uma mulher, as dores de Anastcia se confundem com as dores das mulheres negras, em grande parte as mais empobrecidas na sociedade brasileira, disse.

Foto: Daniel Protzner O mito de Anastcia, recuperado pela memria popular, potencializa um discurso de resistncia e desafia uma orientao catlica, que, no aceitando a sua inscrio como santa, no consegue, entretanto, apagar os sentidos de santidade conferidos sua histria. Mais do que isso: o imaginrio em torno de Anastcia se constitui em discurso ideolgico que busca afirmar posio e lugar de resistncia da mulher negra na sociedade brasileira, afirmou Conceio, que mestre em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Ela tambm falou sobre o tema reportagem das Redes Sociais da UFMG (assista ao vdeo acima).

Reconhecimento Conceio Evaristo lembrou que a dificuldade de se comprovar documentalmente a existncia histrica de Anastcia o que mais colabora para que a Igreja Catlica no reconhea formalmente a sua santidade. Contudo, a inteno de reconhecer Anastcia como santa por si s j realiza um deslocamento das imagens de santos consagradas do panteo catlico, que composto por pouqussimos santos negros, defende a escritora e pesquisadora.

Conceio Evaristo tambm comentou que, ao entrar com contato com as reflexes de Georges Didi-Huberman sobre o ato de ver e de ser visto (que serviram de mote para o estabelecimento do conceito desta edio do Festival), decidiu realizar uma adaptao em sua conferncia, de modo a faz-la dialogar com o pensamento do filsofo e historiador francs. A partir dessa nova reflexo, Evaristo problematizou o olhar marcante que, da foto, Anastcia oferece a quem lhe mira.

Imagem: Castigo de escravos, 1839 (Jacques Arago / Wikipdia) Ao ver e ser vista pela imagem de Anastcia, penso na troca de olhares, no olho do outro como um espelho. como diz Didi-Huberman: o que vemos s vale e s vive em nossos olhos pelo que nos olha. Nesse sentido, perguntei-me: por que Anastcia nos olha tanto? E respondi: nesse caso, a histria de Anastcia que nos olha, obrigando-nos a todas e a todos a voltarmos os nossos prprios olhares para a histria da nao brasileira.

Para Conceio Evaristo, a mscara presa ao rosto de Anastcia um instrumento de interdio da fala, que lustra o poder patriarcal e representa um cone das lutas contemporneas dos negros brasileiros por representatividade e lugar discursivo. Se a mscara de flandres colocada no rosto de Anastcia calou a sua voz, foi justamente pela interdio de sua fala que o mito se ergueu e segue se erguendo, ao longo do tempo, afirmou a autora de Ponci Vicncio.

Fonte: Agência de notícias UFMG