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VII Fórum da Mulher do Jequitinhonha

Por Polo Jequitinhonha em

Voz. Dona Geralda conta sua história. Por Acervo do Polo.

Nos dias 9 e 10 de agosto, ocorreu, na cidade de Diamantina, o VII Fórum da Mulher do Jequitinhonha. O evento contou com a participação de mais de 200 mulheres das regiões do Alto, Baixo e Médio Vale. Entre elas, representantes de comunidades quilombolas e agrárias de Minas Gerais, líderes políticas, professoras e jovens estudantes da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Neste ano, as discussões abordaram o empoderamento da mulher por meio do empreendedorismo, o espaço das mulheres na política em 2018 e o combate à violência de gênero na Região. A programação do evento contou com rodas de conversa, apresentações culturais, debates e depoimentos das participantes, bem como noites festivas.

Artesanato como possibilidade de emancipação

Um dos principais eixos tratados no VII Fórum foi o empoderamento feminino por meio do empreendedorismo. A professora da UFVJM, Aline Sulzbacher, destacou em sua fala os vínculos que existem entre a geração de renda própria e o empoderamento das mulheres. “Historicamente, as mulheres foram colocadas na casa para cuidarem do lar e dos filhos, de forma tal que se lhes negou o acesso a uma renda pessoal, sendo o marido responsável pelo papel de provedor. É dessa maneira que a mulher, historicamente, teve maiores dificuldades para se empoderar, justamente porque sempre pertenceu economicamente a alguém”. Para superar essa realidade, Sulzbacher explica que há uma forte necessidade das mulheres do Vale gerarem sua renda particular.

O Vale do Jequitinhonha se caracteriza por ter uma produção de artesanato muito valorizada e procurada fora das suas fronteiras. Estas expressões se materializam em diferentes formas: tapetes, pinturas, esculturas de madeira e barro, e em acessórios feitos com dezenas de materiais, como capim dourado e macramê, entre muitos outros. 

Expressões. Peças expostas pelas mulheres do Vale. Por Acervo do Polo.

Como consequência positiva, a venda do artesanato é uma alternativa para muitas mulheres que desejam gerar renda para si mesmas. Hoje, esta é uma das principais atividades econômicas delas no Vale. Contudo, também existem desafios que dificultam a consolidação da proposta. Leny Ketlen Fernandes, mestre artesã da Associação dos Artesãos e Artistas de Itamarandiba Sem Fronteiras (AAAISF), menciona alguns desses entraves. Um deles é a falta de conhecimento de algumas mulheres sobre as técnicas de fabricação dos artesanatos, o que a levou a oferecer cursos gratuitos para democratizar tais saberes. Mas outro problema, ainda maior, são as pressões que essas mulheres sofrem, por parte de seus maridos, para que desistam dos cursos e não trabalhem. “Há alguns dias, durante uma das minhas aulas, chegou o marido de uma aluna e, gritando, tirou ela da sala, dizendo que não tinha motivo para aprender”, conta a mestre no final da roda de conversa.

A violência permeia diferentes aspectos da vida, entre eles o econômico. As palestrantes do VII Fórum da Mulher destacaram que uma agressão não é só apanhar. Um primeiro passo é perceber o controle econômico como violência. “Meu marido falava que eu era negra e, como negra não necessitava de luxo nos pés, eu aceitava porque achava que era assim. Hoje, tenho um trabalho digno (mostrando uma panela de barro feita à mão) e decido o que fazer com meu dinheiro, o que fazer com cada centavo”, declara Inagmar, da cidade de Itinga, uma das participantes do Fórum.

Resistência. Artesã da AAAISF. Por Acervo do Polo.

Ocupando os espaços políticos em 2018

Outro tema que ganhou destaque nesta edição foi o debate sobre a presença feminina nas eleições de 2018. O eixo foi tema de uma mesa redonda que buscou evidenciar a importância da mulher em ocupar os espaços políticos e deixar de “votar em homem branco rico, que não nos representa”, como declararam várias participantes. A reivindicação é de quê é necessário levar à frente políticas públicas para mulheres, construídas por mulheres.

Uma das organizadoras do Fórum, Marlise Matos, professora da UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM/UFMG), explicou que, apesar do Brasil ter uma legislação específica para garantir a presença feminina na esfera política, a representatividade ainda está longe de se concretizar, haja vista que os espaços políticos são historicamente marcados por uma tendência machista. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Inter-Parliamentary Union, por exemplo, em um ranking de 190 países que avalia a participação feminina em parlamentos, o Brasil ocupa a 152ª posição.

Durante a mesa redonda, Maria do Carmo, a “Cacá”, secretária de Desenvolvimento da Prefeitura de Diamantina e ex-prefeita de Araçuaí, trouxe exemplos pessoais sobre essas dificuldades. Segundo Maria do Carmo, ela não apenas sofreu várias tentativas de assassinato quando foi eleita prefeita, como também conviveu com companheiros de militâncias que duvidaram de sua capacidade como gestora pública.

Maria da Consolação Rocha, candidata à Deputada Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sinalizou a importância das cotas para mulheres como meio para ocupar ambientes políticos. A declaração foi reafirmada pelas demais candidatas e pré-candidatas, que mencionaram também a formação de uma possível articulação, a fim de alcançar mudanças no panorama eleitoral de 2018.

Apresentações culturais

O VII Fórum da Mulher do Jequitinhonha também foi marcado por muita descontração e alegria, contando com apresentações culturais protagonizadas por mulheres. Os grupos que se apresentaram, além disso, possuíam engajamento social com causas ligadas às lutas das mulheres, bem como ao empoderamento feminino.

Mulheres. Grupo da Felicidade. Por Acervo do Polo.

No dia 09 de agosto, quinta-feira, apresentou-se no evento o Grupo da Felicidade, da cidade de Rio Grande, majoritariamente composto por mulheres idosas e que sofrem de doenças como depressão. Para elas, que também se encontram em situação de vulnerabilidade social, o projeto se tornou um ambiente de convívio e superação de problemas, no qual elas podem exercer livremente a criatividade que carregam. Procurando mostrar que a mulher pode dançar, cantar e ser empoderada em qualquer idade e através de coreografias que remetem às rodas de cantigas, as senhoras do Grupo da Felicidade encantaram os presentes. Um grupo feminino de dança árabe, com seus trajes típicos coloridos, também se apresentou.

No campasso. Apresentação infantil em Diamantina. Por Acervo do Polo.

Já na sexta-feira, o dia começou com a belíssima apresentação das crianças da Vila Educacional de Meninas de Diamantina, que cantaram e dançaram um repertório animado e diverso, composto por obras como o folclore “As Pastorinhas”. A Vila Educacional de Meninas é uma escola destinada às crianças vítimas de violência ou que se encontram em situações de vulnerabilidade social, oferecendo, além do conteúdo escolar, atividades como dança e música. Dessa maneira, as alunas desenvolvem novas potencialidades, crescem em um espaço de criatividade e harmonia e aprendem a importância da diversidade dentro e fora da sala de aula.

Histórico do Fórum da Mulher

Iniciado em 2011, o Fórum da Mulher do Jequitinhonha vem acontecendo anualmente em cidades do Vale. A primeira edição foi impulsionada por demanda própria das cidadãs, que foram apoiadas pela UFMG, através do NEPEM e do Polo Jequitinhonha, projeto de desenvolvimento que a Universidade Federal de Minas Gerais possui na região. Naquela vez, o cenário foi a cidade de Jequitinhonha. O evento se viu marcado pela construção coletiva da Carta Aberta das Demandas das Mulheres do Vale do Jequitinhonha, que teve a finalidade de tornar pública – à população e aos organismos estatais e não estatais – as reflexões e proposições realizadas e debatidas democraticamente no primeiro Fórum. Tal documento terminou conduzindo os debates dos anos posteriores, que devem ser vistos como espaços de reflexão, discussão e denúncia dos temas que permeiam as vidas das Mulheres do Vale.

Em 2016, no V Fórum, decidiu-se retomar a carta, procurando refletir sobre quais demandas haviam sido atendidas, em especial pelo Governo Estadual, bem como por parte das prefeituras e dos órgãos competentes da Região, em uma construção participativa no processo de formulação de políticas públicas para a população feminina.

Aos poucos, o Fórum tornou-se um espaço de grande importância na vida das Mulheres do Vale. Primeiro, por servir como lugar de auto-percepção, e segundo por possibilitar a reflexão conjunta. Tendo muito a dizer sobre suas próprias experiências e potencialidades, elas são capazes de aliar o que sabem a políticas públicas que promovam dignidade e proteção para todas e todos, seja em seus municípios, no estado ou no país.


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