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“Deserto-me eu-mulher e não temo”
Por Polo Jequitinhonha em
O poema de Conceição Evaristo “Fêmea-Fênix” exemplifica a resistência da mulher quilombola.

Com cerca de 12 mil habitantes, Berilo é o município com o maior número de comunidades quilombolas de Minas Gerais. No total, o estado tem 480 comunidades quilombolas pré-identificadas pela Federação Estadual das Comunidades Quilombolas. Dessas, 105 estão no Vale do Jequitinhonha e 27 foram identificadas em Berilo.
As comunidades quilombolas são grupos étnicos, predominantemente constituídos de população negra rural ou urbana, descendentes de ex-escravizados. São terras utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
O seu reconhecimento, explica o professor da UFMG do departamento de Antropologia e Arqueologia, Aderval Costa Filho, não está relacionado com uma datação histórica específica, e não se materializa mais pelo isolamento geográfico nem pela homogeneidade biológica dos seus habitantes. O critério fundamental para dizer se uma comunidade é ou não protegida é a consciência de sua identidade. Isso quer dizer que são os próprios membros da comunidade que podem dizer se são ou não quilombolas. Ficam resguardadas, portanto, a sua auto representação e autodeterminação.
Sua identidade é base para sua organização. O documento de reconhecimento tem uma importância muito grande, pois dá visibilidade às comunidades e oficializa o compromisso do Estado em oferecer políticas voltadas à educação, moradia, saúde e acessibilidade. Contudo, boa parte dessas comunidades encontra-se ainda na invisibilidade, silenciada por pressões econômicas e fundiárias.
No 8º Fórum da Mulher, promovido pelo Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, realizado nos dias 23 e 24 de agosto em Berilo, a questão quilombola era um tema que não poderia faltar. A ex-prefeita de Araçuaí, Maria do Carmo Ferreira da Silva (Cacá), coordenou a mesa sobre a situação da mulher do quilombo, em que participaram o professor Aderval Costa e Ana Maria da comunidade de Faceira.

Aderval iniciou sua fala a partir de uma narração da força e independência das mulheres nos quilombos do Vale Jequitinhonha. O relato do professor foi de caráter pessoal, e atraiu a atenção das participantes a partir de histórias sobre comunidades e bom humor. Já Ana Maria relatou sua história de forma emocionante, exemplificando os desafios e realidades da mulher do quilombo. Com muita força, ela explicou sua luta para conseguir aprender a ler e fazer o ensino médio e, hoje, com 41 anos, estar em uma universidade federal. Para ela, a educação é libertação, e somente a informação pode nos envolver na sociedade.
As participantes ficaram inspiradas no relato de Ana Maria e fizeram depoimentos de suas trajetórias. A maioria delas não eram de comunidades quilombolas. Quando perguntada, Ana Maria conta que as mulheres quilombolas ainda não estão presentes nessas discussões, pois estão ocupadas com os maridos, os filhos e o trabalho familiar. Além disso, muitas mulheres, em seus depoimentos, contaram da importância do artesanato nas suas vidas, mas, nas mulheres quilombolas, tal tema gera pouco interesse, segundo Ana Maria. A agroecologia é o que produz interesse e empoderamento por meio da renda. As mulheres passam a produzir alimentos diversos em hortas para consumo próprio ou vender em feiras.
O evento ressaltou, em sua mesa, como os quilombos possuem uma importância gigantesca na história brasileira. Nesse sentido, eles preservam valores culturais que poderiam ter sido perdidos durante a colonização devido à repressão portuguesa. As religiões tradicionais do candomblé e da umbanda, por exemplo, são frutos do sincretismo religioso que ocorreu nessas comunidades. Desse modo, as comunidades quilombolas formaram uma das principais frentes de combate à escravidão, e continuam sendo um forma de resistência negra contra a imposição da cultura branca.
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