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Representação e identidade: o universo audiovisual no Jequitinhonha

Por Bárbara Ribeiro em

O documentário brasileiro sofreu diversas modificações com o passar do tempo, tanto em sua estrutura quanto em como se é interpretada a ideia de representação do real. Esse cinema documental carrega consigo uma enorme capacidade de trazer um novo olhar para cada realidade abordada e de atuar como agente discursivo na construção de auto imagem e representação.

No Vale do Jequitinhonha as produções audiovisuais construídas proporcionam ao povo e à própria região a emancipação de diversos estereótipos, além de serem uma importante ferramenta de difusão e preservação de identidade. E é por meio dessas produções que são reveladas e preservadas as histórias tão pouco conhecidas por quem não habita a região. 

Máscaras. Mestra Lira e suas obras. Divulgação “Do pó da Terra”.

Produzido pelo fotógrafo paulista Maurício Nahas, o documentário “Do Pó da Terra” apresenta um olhar sobre a vida e as relações dos ceramistas do Vale do Jequitinhonha com sua matéria prima: o barro. Além de retratar os processos de produção da cerâmica, ele explora a forte conexão entre natureza e artesão. Muito disso se deve ao fato de a cerâmica ser uma técnica originalmente indígena, mas que sofreu apropriação por parte de outros povos. Vem dessa origem a ligação com os elementos tal como todo o ritual do seu modo de fazer.

A cerâmica é uma das principais formas de artesanato e, por muito tempo, de sustento de diversas mulheres que precisavam buscar alternativas quando os provedores da família – seus maridos – saiam para trabalhar nas plantações de eucalipto. Além disso, representa os saberes tradicionais da região, passados de geração em geração, de mãe para filha, nas famílias. 

Barro. Artesã e suas peças. Divulgação “Do pó da Terra”.

Com o passar do tempo essa prática se tornou mais do que uma herança cultural, mas uma ferramenta de empoderamento de muitas dessas mulheres, as quais se apropriaram de diversos estilos para expressar a realidade em que vivem, (retrato de noivas, de famílias, da cultura negra e indígena nas peças, entre outros), bem como de trabalhar com a imaginação. 

O documentário apresenta entrevistas majoritariamente femininas, uma vez que essa atividade está mais ligada ao universo feminino. O documentarista não se coloca em cena e não apresenta as perguntas que compõem o roteiro do documentário e isso faz com que o público perceba a identidade em um sentido mais amplo.

O Vale conta suas histórias

O grupo “Cinema Meninos de Araçuaí” desenvolveu uma série de produções audiovisuais que  retratam as particularidades do lugar. O projeto foi criado em 2007 em parceria do Coral dos Meninos de Araçuaí e com o Grupo Ponto de Partida. Além de exibir vídeos e filmes, o grupo também produz documentários e curtas, mostrando suas realidades sob seus pontos de vistas.

Memória. Frei Chico e o início da trajetória dos Trovadores do Vale. Reprodução Cinema Meninos de Araçuaí.

“Aquela Vontade”,  produzido em 2009, e que ganhou o primeiro lugar da campanha  História que Mudam o Mundo, do Museu da Pessoa. O curta é o depoimento de Geraldo Nunes da Silva, que desde os seus 19 anos trabalhou em usinas de cana de açúcar. Ele conta brevemente o quão estressante era esse trabalho sazonal e como os trabalhadores acabam se afastando da família. No seu caso, estava na usina quando seu filho nasceu e não teve o privilégio de viver o acontecimento, além da saudade que sentia de sua casa durante a temporada . Desde então, trabalha com a pesca, tem pomar e cria animais. Além disso, não tem pretensão alguma de voltar em uma usina de cana.

“Trovadores do Vale”, de 2011, possui caráter mais documental. Mostra frei Chico, um holandês que veio para o Brasil em 1967 e se estabeleceu no Vale em 1968. Ele foi fundador do Coral Trovadores, que atraiu olhares internacionais, com músicas que retratavam sua realidade.

“Caminho das águas”, de 2013,  dá um maior enfoque na questão hídrica. Ele retrata o projeto que possui o mesmo nome, o qual visa uma melhor utilização desse recurso. É interessante dizer que logo no início desse documentário, a narradora, ao falar de sua cidade, Araçuaí, diz que esta está localizada no Vale do Jequitinhonha, região considerada como um lugar de miséria.

A infância como protagonista

Dirigido por Renata Meirelles, David Reeks e Fernanda Heinz Figueiredo, “Casinhas e Guisadinhos” é um dos documentários cuja junção resultou no filme “Território do Brincar”. A produção é parte de um projeto de pesquisa, registro e difusão que integra diferentes produções culturais, e que entende o cinema como uma excelente porta para enxergar a mudança que se deseja ver.

Criança. Brincadeiras no quintal. Divulgação “Casinhas e guisadinhos”.

No documentário são retratadas algumas das brincadeiras das crianças do Vale, as quais protagonizam a obra. Os rituais envolvidos com o ato de “brincar de casinha” revelam a proximidade da fantasia com a realidade por elas vivida. Vê-se, por exemplo, as meninas cozinhando, preparando um cafezinho e cuidando de suas filhas, as bonecas, enquanto alguns meninos apanham lenha para acender o fogo e preparam as cabanas. Há também elementos como a mulinha de barro carregando galhos, que representam a rotina da região. 

Essas produções revelam a importância de desenvolver oportunidades para que as pessoas criem narrativas e explorem suas realidades conforme as percebem. Assim é possível romper com estigmas que acompanham locais como o Vale, sobretudo em relação à miséria, alcançando também uma maior visibilidade.


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