* Ives Teixeira Souza e Jayne Ribeiro,  Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG

Conferências sobre o tema fizeram parte da programação da 69ª Reunião Anual da SBPC, que ocorre até sábado na UFMG

Eleita em 2016 pela revista científica Nature como um dos dez maiores destaques da ciência, Celina Martelli, da Fiocruz de Pernambuco, apresentou em conferência na 69ª Reunião Anual da SBPC, na manhã de terça-feira, 18, a cronologia dos estudos sobre zika no Brasil, que resultaram na comprovação da associação entre o zika vírus e a microcefalia.

“Todo o interesse dos grupos de pesquisa até 2015 estava focado na dengue, já que, até então, era o nosso marcador mais importante de arbovirose”, explicou a cientista. O alerta que existia da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) era sobre a febre chikungunya, já que se tinha o conhecimento que gerava inflamação nas articulações. Mesmo quando apareceu, o zika não foi motivo imediato de preocupação, já que eram inexistentes informações científicas que o vinculassem a doenças graves.

Somente em agosto de 2015, quando nasceram crianças com microcefalia e outros sintomas congênitos, houve uma associação preliminar com a possibilidade de o zika ser o causador da síndrome. “O Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em novembro de 2015. Esse reconhecimento do problema que possibilitou a agilidade dos processos de pesquisa”, declarou Celina.

A pesquisadora coordenou o grupo de cientistas do Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia, com estudiosos de Pernambuco e do Reino Unido, que realizou a associação, após analisar o líquido cefalorraquidiano (líquor) e o sangue do cordão umbilical de bebês, buscando a infecção congênita por zika.

A associação não foi encontrada em nenhum dos participantes do grupo controle. “Foi preciso estudar a criança ao nascimento, já que só assim era possível provar que a transmissão era vertical, de mãe para filho”, explicou.

Síndrome congênita

Também discutindo o tema, o ginecologista e geneticista da Universidade de São Paulo (USP), Thomaz Gollop, falou sobre os desafios da síndrome do zika congênita, em conferência ministrada na manhã da quarta-feira, 19 de julho. Gollop desfez a simplificação de relacionar, de modo imediato, o zika vírus e a microcefalia.

“É extremamente importante entender alguns conceitos. Microcefalia é uma terminologia inadequada quando se fala do feto ou bebê afetado pelo vírus zika”, acentuou. O professor explicou que as suturas cranianas, conhecidas como moleiras, fecham-se prematuramente em bebês com zika, o que não significa que o bebê, necessariamente, tenha microcefalia, condição neurológica na qual a circunferência do crânio da criança é menor do que dois desvios-padrões abaixo da média específica para o sexo e a idade gestacional.

“Microcefalia na zika é um sinal clássico, entre vários outros, que pode estar presente ou não. Os bebês vítimas de zika têm uma síndrome, um conjunto de fatores secundários causados por um fator conhecido”, explica Gollop.

Entre os sinais presentes nas crianças, o especialista destacou a dilatação ventricular do sistema nervoso central, calcificações intracranianas, problemas auditivos e complicações oftalmológicas severas, como lesões no nervo óptico que podem levar à cegueira.

“O vírus atravessa a placenta e atinge o cérebro do bebê, sendo que a infecção por zika no primeiro trimestre de gestação causa mais danos ao feto”, contou. De acordo com o professor, isso ocorre porque nesse período de gestação a placenta possui receptores que estimulam a adesão e a entrada do vírus. Em casos mais graves, inclusive, o vírus pode causar a morte do feto.

Gollop afirmou ainda que, desde 2016, há a certeza de que o vírus zika é a causa da síndrome congênita de zika. O que ainda é desconhecido, segundo o geneticista, é o motivo de algumas crianças terem sequelas e outras não. Mas já há pesquisas tentando desvendar isso, como a organizada por geneticistas da USP, feita com base em um casal de gêmeos, em que um foi afetado pelos sintomas e o outro não.

Estrutura biológica do vírus

Glaucius Oliva: pesquisa do vírus para desenvolvimento de novos fármacos. Foto: Carol Morena

Na conferência Zika: biologia estrutural e desenvolvimento de novos antivirais, nesta quinta-feira, 20 de julho, o presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq), Glaucius Oliva, traçou panorama geral do vírus explicando os desafios do desenvolvimento de novos fármacos.

O conferencista discorreu sobre as principais características estruturais dos vírus em geral, tais como terminologias, componentes e escalas biológicas. Glaucius explicou as estruturas do zika, destacando aspectos de transmissão, linhas do tempo e sintomas da doença. “O vírus da zika é um arbovírus, que é a denominação que usamos para definir os vírus que são transmitidos aos homens por insetos”, reforçou.

Glaucius afirmou que para entender a biologia do vírus da Zika é importante comparar as estruturas biológicas desse vírus com as dos vírus de doenças com características semelhantes, como é o caso da dengue.  “Parte do nosso trabalho foi analisar as sequências proteicas do vírus da dengue e zika, destacando o que era semelhante, o que era igual e o que era diferente, com o intuito de descobrir qual deveria ser a enzima alvo”, explicou o pesquisador.

Ele também relatou os desafios de se desenvolver antivirais para combater a doença. “Desenvolver um novo fármaco é estarrecedoramente difícil e complexo. Precisamos identificar uma molécula-alvo, criar cadeias de enzimas e depois transformar isso em um inibidor do vírus, e, ainda, fazer esse antiviral atravessar várias barreiras biológicas dentro do organismo”, descreveu Glaucius.

O presidente do SBBq participa, ainda, de equipe de pesquisadores do Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Estudamos cadeias de enzimas, alteramos temperaturas, fizemos experimentos em hospedeiros alternativos, ou seja, mudamos os sistemas estruturais, para dessa forma, tentar identificar a molécula alvo para inibir o vírus”, contou. “Nós conseguimos descobrir uma enzima-alvo, uma estrutura de cristal. O próximo passo é procurar moléculas que se encaixem nessa enzima”, concluiu o pesquisador.