[O professor Ramayana Gazzinelli em foto de Carol Prado / UFMG]

(Reportagem: Ewerton Martins Ribeiro)

Se passasse em frente à sala B304 do CAD 2 no início da tarde de quarta-feira, 19, um desavisado talvez pensasse que uma aula muito importante estava sendo ministrada paralelamente às atividades da 69ª Reunião Anual da SBPC, dada a atenção com que os “alunos” ouviam a exposição de Alaor Silvério Chaves, professor emérito da UFMG. Alaor ministrava uma palestra em homenagem ao físico experimental Ramayana Gazzinelli, também emérito da Universidade.

“Ramayana foi o primeiro físico com doutorado a aparecer em Belo Horizonte. Mais do que isso, foi o primeiro físico experimental, que praticamente fundou o Departamento de Física da UFMG”, lembrou o colega no evento. “E eu tive a oportunidade de apreciar suas qualidades como professor e como orientador, já que fui seu orientando de mestrado e seu aluno em duas disciplinas de graduação e duas de pós-graduação”, afirmou o palestrante, emocionado pela oportunidade de prestigiar o mestre.

Alaor Silvério Chaves saudou o homenageado. Foto: Carol Prado / UFMG

No decorrer de suas vidas e carreiras, a diferença de 11 anos entre orientador e orientando perdeu significado: em certo momento de suas carreiras, os dois passaram a fazer pesquisas juntos, como parceiros. Nesse sentido, Alaor recuperou um marco dessa trajetória. “Em dado momento, lançamos a ideia de que o Departamento de Física, para cada físico teórico que contratasse, passasse a contratar dois físicos experimentais. E que esses físicos experimentais fossem tão bons como os teóricos, ou seja: queríamos que, do ponto de vista conceitual, fossem teóricos, também.”

Arrojada, a ideia vinha de uma percepção de que a formação de físicos experimentais no Brasil era negligente – “desastrosa, em alguns casos”, explicou Alaor – e dissonante do que era e é feito em centros mais amadurecidos de produção em física, como a americana, em que o investimento na parte experimental é muito forte.

“Começamos a defender essa ideia, que foi polêmica e gerou muitas brigas dentro do Departamento. Mas nosso argumento era forte: isso ia gerar dados originais em primeira mão, e os físicos teóricos também seriam beneficiados, pois poderiam usar esses dados. Com o tempo, a nossa perspectiva se tornou processual. Hoje, de fato, para cada físico teórico que há no departamento, há dois experimentais”, afirmou Alaor, destacando essa conquista como um legado da escola de Ramayana. “Foi algo que fez tanto sentido que, ainda hoje, os profissionais que atuam no Departamento continuam propondo a manutenção dessa política – inclusive os físicos teóricos.”

Alaor destacou que o Departamento de Física da UFMG pode se orgulhar de ter físicos experimentais muito bem formados, capazes de discutir os aspectos das pesquisas com os teóricos, enquanto estes, em contrapartida, envolvem-se na análise dos dados experimentais. “Essa política, no meu modo de ver, foi o que distinguiu o Departamento de Física. É o único do país em que a pesquisa é mais experimental que teórica”, cravou, destacando o papel precursor de Ramayana nessa política.

Progresso da ciência
Alaor ainda lembrou o esforço do mestre em levar os conhecimentos da pesquisa de física complexa para o público leigo. “Ele escreveu dois livros para o grande público, Teoria da Relatividade Especial e Quem tem medo da mecânica quântica: a visão quântica do mundo físico, que está em sua segunda edição. São livros muito interessantes, em que está presente a grande característica de Ramayana: focalizar o essencial. Como escritor, ele não cansa o leitor falando de coisas secundárias.”

Entre as principais realizações da carreira de Gazzinelli, foram destacadas no evento a criação de uma infraestrutura básica de pesquisa em física na UFMG, a participação ativa na reforma universitária – que foi essencial para a integração das diversas escolas, faculdades e institutos em uma instituição una – e na criação da Fundação de Amparo à Pesquisa em Minas Gerais (Fapemig), além da criação da pós-graduação em física na UFMG. Ao fim do evento, vários alunos de Ramayana – alguns já com vários anos de docência na própria Universidade – pediram a palavra para homenagear o professor.

Jaime Ramírez, reitor da UFMG, foi dessa geração que, apesar de não ter sido aluno de Gazzinelli, fez questão de se manifestar sobre o professor. “Como reitor e representante da instituição, presto aqui os meus agradecimentos ao professor Ramayana pela sua visão, sua obstinação, seu vigor, sua simplicidade. Não são todos os departamentos que tiveram o privilégio e a honra de contar com um Ramayana como fundador capaz de estabelecer o padrão de qualidade que se iria buscar a partir de então. O padrão de qualidade da física se irradiou para vários departamentos desta instituição, e só temos de agradecer ao senhor por essa contribuição”, disse.

Sessão foi proposta pela Sociedade Brasileira de Física. Foto: Carol Prado / UFMG

Ao fim do evento, Ramayana agradeceu emocionado às manifestações de apreço e citou uma passagem de As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, para ilustrar – “quase como um mantra” – a beleza e “a importância do trabalho coletivo em ciência”, como explicou o homenageado. Disse Ramayana: “Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. ‘Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?’, pergunta Kublai Khan. ‘A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra’, responde Marco, ‘mas pela curva do arco que estas formam’. Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: ‘Por que falar das pedras? Só o arco me interessa’. Polo responde: ‘Sem pedras o arco não existe.’”

No vídeo abaixo, produzido pela TV UFMG por ocasião das comemorações dos 90 anos da Universidade, o professor relembra a reforma universitária e a sua importância para a profissionalização dos processos administrativos e de gestão da UFMG.