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Nº 1373 - Ano 29 - 07.11.2002

 

 

Os perigos dos números e gráficos

Marcos Pimenta e Oscar Mesquita*

or incrível que pareça, nós, físicos, sempre desconfiamos de análises quantitativas de desempenho, representadas em tabelas e gráficos. Lidamos em nossas atividades de pesquisas com problemas complexos, que envolvem vários parâmetros e aspectos, e sabemos com isso que, de posse de um conjunto de dados numéricos, os resultados de uma análise podem ser apresentados de maneiras bastante distintas, quando se dá maior ou menor ênfase a determinados parâmetros. Conhecemos bem os perigos dos números e gráficos.

Fomos surpreendidos com um gráfico publicado no documento Política de Dimensionamento Docente da UFMG, página 57, produzido pela CPPD, que servirá como base para a atribuição de vagas docentes na Universidade. No gráfico reproduzido na figura abaixo, o eixo vertical representa uma grandeza que mede a produtividade de cada unidade da UFMG em termos de publicações. A carga didática média por semana está representada no eixo horizontal. Esta figura definirá basicamente a política de renovação e ampliação docente da Instituição e, portanto, o rumo que tomaremos nos próximos anos.

Esta figura nos diz claramente que a Escola de Veterinária é, de longe, a unidade mais produtiva da UFMG. Corresponde a um ponto singular neste gráfico. Em segundo lugar, praticamente empatadas, vêm a Escola de Engenharia, a Faculdade de Letras e a Faculdade de Educação. No pelotão intermediário, ficam os institutos básicos de ciências, como ICEx, ICB e Fafich. Com relação à quantidade de carga didática, chama a atenção a posição da Escola de Música, com uma carga didática para os seus professores digna de dó. Os professores das escolas de Medicina, Belas-Artes, Educação Física e os da Faculdade de Odontologia parecem trabalhar bem mais que seus colegas de outras unidades.

É claro que as conclusões do parágrafo acima podem resistir a algumas perguntas objetivas. Se a Escola de Veterinária é uma singularidade em termos de pesquisa na UFMG, por que os seus cursos de mestrado e doutorado não têm nota 7 na Capes, enquanto cursos de outras unidades (notadamente ICB e ICEx) o têm? Será que os professores da Escola de Engenharia e das faculdades de Educação e Letras publicam mais artigos científicos do que os professores do ICEx e do ICB? Qual é o número médio de alunos de um professor da Escola de Música? Quantas horas por semana um orientador passa com seus alunos de pós-graduação? Quanto tempo um professor do ICEx leva para corrigir as provas de uma turma de 55 alunos?

A dificuldade em responder as questões acima e muitas outras que poderiam ser formuladas evidencia que os resultados seriam bastante modificados se alterássemos levemente as grandezas representadas nos eixos da figura abaixo. Por exemplo, se contássemos como publicações válidas apenas artigos em periódicos indexados (introduzindo, assim, o parâmetro qualidade nesta análise) e desprezássemos comunicações em congressos e em revistas internas, haveria certamente uma dança vertical nos pontos do gráfico. Por outro lado, se considerarmos o número médio de alunos de cada professor na grandeza representada no eixo horizontal, poderíamos concluir que professores de unidades que estão bem à esquerda na figura abaixo trabalham, de fato, mais do que outros de unidades localizadas na parte da direita.

De acordo com a proposta apresentada no documento Política de Dimensionamento Docente da UFMG, haverá uma tendência para que as unidades caminhem para a reta representa da em negrito na figura abaixo. Assim, as unidades representadas por pontos acima da reta terão novos professores, e as unidades abaixo da reta terão de se virar com os que têm hoje, ou dar um jeito de subir no eixo vertical da figura. Será que uma política tão importante, que definirá o perfil da UFMG para os próximos anos, pode ser feita tomando por base os números e dados mostrados na figura abaixo? Será que ela não levará a distorções, como a profusão de publicações de baixa qualidade, para se galgar o eixo vertical da figura? Será que os números da figura abaixo são mesmo bons indicadores da qualidade dos trabalhos publicados e do tempo dedicado pelos professores aos seus alunos de graduação e pós-graduação?

A UFMG possui vários grupos de pesquisa reconhecidos no plano internacional e que trabalham em problemas na fronteira do conhecimento. Muitos alunos de pós-graduação formados na UFMG têm-se destacado em estágios de pós-doutoramento no exterior. A política de dimensionamento docente deve levar em conta a qualidade de seus grupos e a possibilidade de contratar jovens talentos que irão alavancar novas frentes de pesquisa. Em suma, consideramos que a análise da qualidade e o bom senso sempre devem prevalecer sobre números e gráficos.

* Professores do departamento de Física do ICEx/UFMG