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Nº 1373 - Ano 29 - 07.11.2002

/ Gilbert Guillaume

Cooperação é arma contra o terrorismo


a década de 20, a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, na Holanda, era requisitada a solucionar, anualmente, dois ou três conflitos entre nações. Passados oito decênios, a demanda pelos serviços da entidade cresceu, impulsionada pela complexidade das controvérsias entre os estados globalizados. Atualmente, cerca de 25 casos tramitam na Corte.

Coordenar o esclarecimento de tais processos, que hoje envolvem questões de difícil solução, como os atentados terroristas, é tarefa do francês Gilbert Guillaume, juiz-presidente da Corte, que esteve em Belo Horizonte no mês passado. Professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Guillaume participou, na Faculdade de Direito da UFMG, do I Colóquio de Direito Internacional - o fenômeno terrorista e a crise do Direito Internacional, fruto de parceria entre a Universidade, o Centro de Direito Internacional (Cedin) e a Associação de Magistrados de Minas Gerais (Amagis). Na ocasião, o juiz concedeu entrevista, cujo resumo é publicado abaixo:

Direito versus terrorismo

O direito internacional possui todos os instrumentos necessários para combater o terrorismo. Há convenções internacionais, a possibilidade de ação da Organização das Nações Unidas (ONU), em especial do Conselho de Segurança, e até mesmo os direitos nacionais dos diversos países para lutar contra o terrorismo. É necessária apenas a cooperação e a vontade política dos estados. A Corte Internacional de Justiça só pode ser demandada se os estados concordarem em submeter a ela a questão conflituosa.

Conflito Estados Unidos e Iraque

O Tribunal não é o único fiador da paz. É necessário que os estados aceitem a competência da Corte para resolver o litígio. Acho difícil que Estados Unidos e Iraque concordem em encaminhar uma demanda para ser julgada pela Corte. Há diversas questões jurídicas que podem ser evocadas numa eventual ação dos Estados Unidos contra o Iraque. Os norte-americanos, por exemplo, alegam que são um Estado em legítima defesa. Outros países, como a França, argumentam que, para que os Estados Unidos ataquem o Iraque, é necessária uma resolução do Conselho de Segurança da ONU.

Terrorismo: passado e presente

O terrorismo é um fenômeno antigo. Em todas as épocas da história, sempre houve pessoas que desejaram impor sua vontade pelo medo. O que é novo? Em primeiro lugar, os meios empregados. Temos hoje recursos bem mais potentes que os utilizados no passado. No século XIX, matavam-se reis, rainhas e presidentes com fuzis ou revólveres. As revoluções tecnológicas forjaram meios bem mais performáticos de ação. Outro elemento novo é a globalização do fenômeno, que se vale de redes de comunicação, notadamente a Internet. Isso favorece o surgimento de redes de planejamento do terrorismo no mundo.

ONU X Terrorismo

O papel da ONU circunscreve-se à ação do Conselho de Segurança, que tem a missão de zelar pela manutenção da paz e da segurança internacionais. É óbvio que atentados terroristas podem ameaçar a paz e a segurança mundiais. De certa forma, o Conselho de Segurança possui competência para impedi-los. Há pouco tempo, a ONU baixou uma resolução que combate o financiamento ao terrorismo. Mas, para que as coisas funcionem, é preciso que os estados demonstrem vontade política. As Nações Unidas precisam dos estados no que tange às forças

armadas, a recursos financeiros e a decisões políticas. Além disso, é necessário que haja cooperação internacional, principalmente quando os atores terroristas se refugiam no exterior.

Terrorismo no Brasil

Estou muito satisfeito pelo fato de o Brasil estar um pouco à margem dos acontecimentos terroristas. Mas o mundo é muito difícil de ser isolado. Em primeiro lugar, porque não sabemos o que pode ocorrer amanhã. Em segundo, porque acontecimentos ocorridos num determinado lugar podem ter ressonância em outras partes do mundo. Um ataque dos Estados Unidos ao Iraque repercutirá no mundo inteiro, pois se refletirá nos preços do petróleo. Há também o terrorismo político e o não-político, como o praticado por grupos mafiosos. O fato de o Brasil não estar no olho do furacão me deixa satisfeito, mas isso não significa que ele deva se isolar do que se passa no exterior.

A Corte e o terrorismo interno

A Corte só tem legitimidade para resolver litígios entre estados. As redes mafiosas da América Latina, por exemplo, só poderão ser objeto de litígio, perante a Corte, através dos estados. A princípio, a luta contra o terrorismo interno é um problema dos estados interessados, uma questão de polícia e justiça nacionais.