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Nº 1426 - Ano 30- 12.2.2004


Os anjos da guarda da terceira idade

Centro de Referência da Medicina forma pessoal para cuidar de idosos

Fiorenza Carnielli

ardiologista, oftalmologista, endocrinologista, gastroenterologista, angiologista e tantos outros. Muitos idosos vivem cercados desses médicos especialistas, cada um cuidando de um pedaço do seu organismo. Resta saber se com tantos especialistas o idoso é tratado como deveria. "Tem médico que cuida do coração do João, outro do estômago do João e um terceiro dos seus ossos, mas quem cuida do João?", questiona o professor Edgar Nunes de Morais, coordenador do Centro de Referência do Idoso Professor Caio Benjamim Dias da Faculdade de Medicina.

Para Morais, professor de Clínica Médica e geriatra da própria Unidade, há uma medicalização excessiva do idoso, que acaba não sendo bem cuidado. Esse papel cabe ao geriatra que, segundo Edgar Morais, é o "gerente da fragilidade que acomete o paciente idoso". No entanto, o Brasil tem apenas um geriatra para cada dez mil idosos. "Em Minas Gerais não há mais do que 40 especialistas", informa o professor.

Uma explicação para essa defasagem numérica de profissionais está no grande crescimento da população idosa brasileira nas últimas décadas. Nos anos 60, o Brasil tinha três milhões de pessoas com 60 anos ou mais, hoje esse número passa dos 14 milhões, segundo o censo 2000 do IBGE. Em Minas Gerais, 9,1% da população são de idosos, o quarto maior índice do país.

Uma das principais preocupações do Centro de Referência do Idoso, inaugurado em novembro do ano passado, é formar profissionais capacitados para o atendimento da terceira idade. "Já que não podemos atender todos os idosos do estado, estamos nos empenhando na formação e reciclagem de recursos humanos".

O Centro de Referência do Idoso é o braço extensionista do Núcleo de Geriatria e Gerontologia da UFMG que desenvolve atividades de pesquisa e ensino. O Centro reúne professores, alunos e profissionais de áreas que trabalham com o processo de envelhecimento como medicina, fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição, educação física e psicologia. Oferece atendimento aos idosos por meio do Sistema Único de Saúde, além de fornecer medicação para os pacientes idosos de todo o estado.

Alma de criança

O grupo de profissionais da terceira idade do Centro acompanha diariamente os 102 idosos do Asilo Cidade Ozanam, mantido pela Sociedade São Vicente de Paula, no bairro Ipiranga, na Zona Leste de Belo Horizonte. Edgar Nunes de Morais afirma que oferecer cama, mesa e banho ao idoso não é suficiente. "É preciso manter um ambiente adaptado às necessidades do idoso para que ele mantenha sua independência pelo maior tempo possível", diz o geriatra.

Maria Antônia de Souza, 60 anos, escolheu ficar no asilo, apesar de uma sobrinha já ter-lhe oferecido um quarto em sua casa. Maria Antônia passa os dias costurando roupinhas para suas bonecas e reformando outras enviadas por creches. "Estou feliz da vida, ganhei meu primeiro boneco homem", comemora Dona Maria, dona de uma alma de criança. Todas as suas bonecas têm nomes. Uma delas chama-se Juliana, homenagem à sua geriatra.

O Asilo Cidade Ozanam é construído em plano único e tem corrimão em todas as paredes, o que facilita a locomoção dos seus moradores. Os idosos debilitados ficam em enfermarias, enquanto os mais independentes estão alojados em quartos duplos com banheiro. O asilo também oferece sala equipada para fisioterapia, acompanhamento psicológico, terapia ocupacional, piscina, área de lazer, capela e cozinha industrial, supervisionada por nutricionista.

As condições oferecidas pelo Cidade Ozanam são uma honrosa exceção no sombrio quadro da assistência à velhice brasileira. Em Belo Horizonte, por exemplo, há 1.800 idosos que vivem em asilos subvencionados pelo Poder Público. Os recursos, no entanto, são insuficientes. "A média repassada é de R$ 18 por idoso", contabiliza Edgar Morais, lembrando que, com esse valor, é impossível oferecer lazer, acompanhamento médico, reabilitação e alimentação adequada. Nesse sentido, o professor aponta o Estatuto do Idoso como uma vitória ao congregar todas as legislações do idoso. "A sociedade deve se organizar para que o Estatuto seja cumprido", defende o geriatra.

"Só não envelhece quem morre cedo", lembra Morais. E para envelhecer bem, tem que viver bem. "As terapias anti-envelhecimento são uma ilusão. O segredo está na atividade física e mental, dieta adequada e baixa ingestão de álcool", ensina. Não há remédio que substitua esta receita.