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Nº 1480 - Ano 31 - 21.4.2005


Boaventura defende globalização solidária

Em conferência na UFMG, intelectual português defende a construção de um conhecimento transdisciplinar com responsabilidade social

Andréa Hespanha e Regis Gonçalves

m dos principais intelectuais contemporâneos, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos participou, no período de 9 a 13 de abril, de várias atividades promovidas pela UFMG. A principal delas, no dia 11, foi a conferência A universidade no século XXI: para a construção de uma universidade com futuro , organizada pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT). Professor da Universidade de Coimbra, em Portugal, Boaventura é um militante intelectual engajado na reflexão sobre os efeitos da globalização, especialmente sobre os povos excluídos.


Boaventura (à esquerda) inteirou-se do trabalho da cooperativa de costureiras do Aglomerado Santa Lúcia
Foto: Eber Faioli

Boaventura cumpriu uma agenda movimentada na capital mineira. Além da conferência do dia 11, o sociólogo encontrou-se com a equipe do IEAT e com a reitora Ana Lúcia Gazzola e seus auxiliares. Na quarta-feira, dia 12, ele conheceu o trabalho do programa Pólos de Cidadania , da Faculdade de Direito, desenvolvido em áreas de exclusão social, tendo, inclusive, visitado um dos locais de atuação do projeto, o Aglomerado Santa Lúcia.

Mercantilização

Em sua conferência, o sociólogo destacou que a universidade moderna sempre foi considerada um bem público, ancorado em um projeto nacional _ daí ter sido originalmente financiada pelo Estado. Contudo, nos últimos 30 anos, a instituição "perdeu peso no âmbito das políticas públicas, o que vem concorrendo para a sua descapitalização". Nesse contexto, explicou, emerge, de forma desordenada, o ensino superior privado. "Assim, a universidade pública vem caminhando em um processo progressivo de privatização na medida em que tenta criar internamente um mercado de serviços", diz Boaventura

No plano global, acrescentou Boaventura, a Organização Mundial do Comércio (OMC) procura abolir regras e limites à circulação do capital interessado nos investimentos em educação, mercado estimado em dois trilhões de dólares. A nova ordem atingiu em cheio a universidade pública, "que não é capaz de responder a esse desafio, pois isso implicaria sua completa mercantilização. Assim, mais do que relacionar-se com o mercado, ela tem que ser o mercado", argumentou o sociólogo.

Subjetividade inconformista

Definindo-se como um "otimista trágico", Boaventura defende a construção de uma globalização solidária como antídoto para esse processo: "Precisamos desenvolver um conhecimento transdisciplinar em sistemas abertos, com responsabilidade social, onde esteja prevista a participação de todos os interessados''.

Para o sociólogo, é urgente a criação de "uma subjetividade inconformista, participante e solidária". Assim, caberia à Universidade contemporânea a capacidade de combinar ciência e emancipação, a partir de si mesma e ultrapassando os seus limites. "Não pode haver mérito se nele estiver inscrito o privilégio, e o grande desafio é distinguir o mérito do privilégio", defendeu Boaventura.

O diretor-presidente do IEAT, Alfredo Gontijo, diz que a vinda de Boaventura de Souza Santos insere-se num momento em que a universidade repensa o seu papel. "A universidade está em crise. Tanto que há uma proposta para reformá-la. Mas o IEAT não se preocupa apenas com as implicações políticas desse contexto. Também precisamos pensar na maneira com que o conhecimento do futuro vai se organizar", diz Gontijo, para quem a "forma disciplinar e o olhar ultra-especializado" não mais dão conta de fazer frente a essa ordem emergente.

Para Gontijo, as impressões de Boaventura sobre a UFMG mostram que a instituição está no caminho certo. "Ele chegou a dizer que os experimentos transdiciplinares em curso na Universidade superaram todas as suas expectativas", relatou Gontijo. Um dos projetos destacados por Boaventura é o Pólos de Cidadania , da Faculdade de Direito.

Intelectual conhece projeto inspirado em seus estudos

Para estudar a organização das comunidades dos morros, Boaventura de Souza Santos viveu, no início da década de 70, por alguns meses, em uma favela do Rio de Janeiro. Desde então, a situação dos excluídos virou tema recorrente de seus trabalhos acadêmicos, ensaios e reflexões. Inspirados nos estudos de Boaventura, equipe da Faculdade de Direito criou, em 1995, o programa Pólos de cidadania , que atua em áreas de exclusão com o objetivo de promover mobilização social e os direitos humanos.

No dia 12 de abril, Boaventura conheceu o trabalho mais antigo do programa: o Núcleo de Mediação e Cidadania do Aglomerado Santa Lúcia, onde funcionam salas de atendimento jurídico e uma cooperativa de costureiras, na qual trabalham cerca de 20 pessoas. Boaventura gostou do que viu e disse que a experiência materializa o conceito de "ecologia do saber", que identifica ações que reúnem saberes científicos, religiosos, sociais, culturais e artísticos.

Nas áreas em que o Pólos atua, houve significativa redução dos índices de violência. Boaventura aponta a construção da cidadania e da auto-estima das pessoas, através de projetos de mobilização social, como a melhor forma de combater a criminalidade. "A violência é produto da desigualdade social, que cresce nas sociedades corruptas, onde a justiça é seletiva. Por isso, a via punitiva não funciona", disse o intelectual.

Coordenado pelo professora Miracy Barbosa, o Pólos atua, além do Anglomerado Santa Lúcia, no Aglomerado da Serra e no Conjunto Felicidade. Nessas comunidades, o programa presta assistência jurídico-social, trabalha na resolução extrajudicial de conflitos e oferece apoio a iniciativas de inclusão e emancipação social.