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Nº 1492 - Ano 31 - 14.07.2005

Tétano ainda mata recém-nascidos, conclui estudo
de professor da Enfermagem

Tese de doutorado investigou causas dos óbitos junto às mães dos bebês

Ana Paula Ferreira

alta de assistência e práticas inadequadas durante o parto e o pós-parto são as principais causas da incidência de tétano neonatal em Minas Gerais. A constatação está no estudo realizado pelo professor Lúcio José Vieira, da Escola de Enfermagem da UFMG, que investigou casos de óbito pela doença no Estado, entre os anos de 1997 e 2002. Os resultados fazem parte de sua tese de doutorado, defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem de Saúde Pública, da USP-Ribeirão Preto (SP).

Entre 1997 e 2002, o tétano matou 26 recém-nascidos em Minas Gerais. A média de 4,3 óbitos por ano é considerada alta pela Organização Mundial de Saúde (OMS), já que a vacina é oferecida gratuitamente no Brasil. “Meu interesse era entender porque crianças ainda morrem dessa doença”, conta professor Lúcio Vieira, que foi buscar a resposta entre as mães das crianças falecidas. Ele investigou a trajetória percorrida por elas durante a gravidez e descobriu as causas que levaram os bebês a contraírem a doença.

Durante os sete meses de trabalho de campo, o pesquisador localizou 19 das 26 mães e, a partir das entrevistas e depoimentos, constatou que as principais causas da doença estão associadas à falta de assistência médica. De acordo com professor Lúcio Vieira, apenas duas mulheres fizeram o pré-natal – e ainda assim o iniciaram tardiamente. “O pré-natal é de extrema importânica para a prevenção da doença. Se a grávida receber duas doses da vacina antitetânica, o bebê é imunizado, eliminando o risco de contaminação após o nascimento”, afirma. O Ministério da Saúde recomenda a realização de pelo menos seis consultas durante a gravidez, a primeira no primeiro trimestre da gestação.


Lúcio Vieira: pré-natal pode evitar o aparecimento do tétano
Foto: Eber Faioli

O professor Vieira informa que, das 19 mães localizadas, 14 moram em pequenos municípios das regiões Norte e Nordeste do estado, alguns a 40 quilômetros do centro de saúde mais próximo. “Em muitos lugares, não existem meios de transporte adequados. Para dificultar, a maioria das mulheres possui mais de um filho e não há outra pessoa para cuidar das crianças durante sua ausência”, comenta.

Somados à falta de acompanhamento durante a gravidez, estão os perigos de partos realizados em casa e de cuidados alternativos usados para tratar o coto umbilical*, prática popularmente conhecida como “cura do umbigo”. A maioria dos partos investigados foi realizada por parteiras que não receberam treinamento para desempenhar tal tarefa. “A principal forma de contaminação dos recém-nascidos é por meio do uso de instrumentos não-esterelizados durante o parto, principalmente a tesoura que corta o cordão umbilical”, explica Lúcio Vieira.

Os 19 municípios visitados pelo professor estavam incluídos na lista do programa Saúde da Família. Entretanto, nenhuma das mulheres entrevistadas declarou ter sido atendida pelo programa. “Isso demonstra que a eficácia pretendida por iniciativas como esta ainda está longe de ser alcançada. O Saúde da Família é uma proposta excelente, mas precisa ser melhor aplicada”, argumenta o pesquisador.

*Trata-se do resíduo gerado pelo corte do cordão umbilical. O coto leva 12 dias para cair e cicatrizar totalmente, exigindo uma higiene cuidadosa que deve ser feita apenas com álcool absoluto. Materiais ainda hoje usados para tratar o umbigo, como teias de aranha, borra de café, fumo de corda, cinzas e fezes de animais, são potenciais vetores da bactéria causadora do tétano neonatal.

Tese: Reconstruindo a trajetória de mães de crianças que morreram por tétano neonatal em Minas Gerais.
Autor: Lúcio José Vieira
Orientadora: Maria Helena Pessini de Oliveira
Defesa: abril de 2005, junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP.
Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

Contaminação pode ocorrer durante corte do cordão umbilical

O tétano neonatal é causado pela bactéria Clostridium tetani, encontrada no ambiente, e a contaminação do recém-nascido pode ocorrer durante a secção do cordão umbilical, quando feita com instrumentos não-esterilizados e pelo uso de substâncias contaminadas no coto umbilical.

Os sintomas – choro persistente, dificuldade de mamar, contraturas e espasmos musculares – demoram de sete a dez dias para se manifestar, o que dificulta a percepção da mãe. Em 70% dos casos, a doença é letal. O tratamento é feito com soro antitetânico, e a criança deve ficar internada numa UTI para auxiliar a respiração. A vacina, que imuniza o indivíduo contra tétano e difteria, é oferecida gratuitamente pela rede pública de saúde, alcançando, inclusive, as mulheres brasileiras em idade fértil, com o objetivo de aumentar a proteção de futuras gestantes.