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Nš 1500 - Ano 31 15.09.2005 |
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Capa |
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Opinião
-Jorge Luiz Domingues Dias |
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UFMG Educativa é inaugurada Academia abre canal com a mídia |
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Arquitetura poética
Dissertação da Fale investiga imagens de cidades na obra de João Cabral de Melo Neto
Maurício Guilherme Silva Jr.
e tijolo em tijolo, faz-se a cidade. De palavra em palavra, o “edíficio” literário.
Só mesmo o olhar do poeta para aproximar construções aparentemente tão
diversas e, em meticulosa operação, transportar para o verso a organização, os sentidos e o humanismo da pólis.
Ao longo de sua trajetória intelectual, o pernambucano João Cabral de Melo Neto trouxe para a própria obra imagens múltiplas da urbanidade. Além de um dos mais importantes escritores brasileiros, um Cabral diplomata foi capaz de transformar em paixão e poesia muitos dos elementos urbanos “recolhidos” ao redor do mundo.
A idéia de analisar a imagem da pólis na poesia de João Cabral de Melo Neto culminou com a dissertação de mestrado de Mércia Fernandes, defendida em junho de 2005 por meio do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras. A pesquisadora investigou, em toda a obra do escritor, as impressões e significados poéticos atribuídos a cidades estrangeiras, como Sevilha – um ícone na literatura de Cabral –, Medinacelli, Quito, Madrid, Barcelona, Londres, Paris e Berna, e brasileiras, a exemplo de Recife, terra natal do poeta, Olinda, Brasília e municípios às margens do rio Capibaribe.
“Percebi que o conceito de urbanidade estava na estrutura da poesia de João Cabral. Busquei, pois, rastrear as cidades na obra do poeta”, explica Mércia Fernandes. Além da interpretação e tradução poética de João Cabral para os “sentimentos” e realidades da pólis, a pesquisadora procurou aproximar os versos do poeta do pensamento de urbanistas, filósofos e críticos literários interessados na discussão do espaço urbano.
Poesia e planejamento
O estudo de Mércia Fernandes pode ser dividido em três “momentos”. No primeiro deles, a pesquisadora sai à cata do conceito de urbanidade, para, em seguida, aproximá-lo do universo da construção poética. Em Giulio Carlo Argan, identifica que o urbanismo, em sua essência, engloba diversas outras artes. “O urbanismo estrutura-se na noção de planejamento, algo muito próprio do fazer poético de Cabral”, resume a pesquisadora.
Conhecido como “o poeta da razão”, João Cabral de Melo Neto costumava, antes da escrita, planejar detalhadamente a natureza e o destino de seus versos. Assim nasceu, por exemplo, A educação pela pedra, de 1966. A literatura de João Cabral também é marcada pelo caráter imagético dos poemas. “Falo de uma poética propulsora de imagens, que utiliza a visualidade como base”, diz a pesquisadora.
No segundo momento da dissertação, Mércia Fernandes mapeia, na obra do poeta, as imagens da urbanidade. “A literatura de Cabral é construída sob os mesmos parâmetros das cidades, onde ele enxerga alguns dos critérios da própria poesia: luz, equilíbrio, simetria e racionalidade”, afirma.
As questões relacionadas ao desenvolvimento da pólis moderna também são abordadas nos versos de João Cabral de Melo Neto. Brasília e Olinda, por exemplo, transformam-se em poema sob a ótica do embate entre tradição e modernidade.
Um dos pontos mais importantes do trabalho de Mércia diz respeito à análise das relações poéticas – e sentimentais – de João Cabral de Melo Neto com a cidade de Sevilha, exemplo único, para o poeta, de lugar que crescera “sem se matar”. “João Cabral apaixona-se por Sevilha, onde encontra uma atmosfera de aconhego e intimidade. Para ele, a cidade fora construída na medida do corpo do sevilhano”, ressalta a pesquisadora. A cidade espanhola aparece em diversos momentos da obra do escritor, como nas obras Poemas sevilhanos e Sevilha andando.
Mércia Fernandes comenta, ainda, que, a partir do contato do escritor com Sevilha, sua própria poesia, marcada por rigoroso e impessoal processo de criação, aproxima-se dos elementos da subjetividade. “Para João Cabral, Sevilha era uma cidade feminina e isso estimulou a pessoalização de sua poesia”, resume.