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Nº 1510 - Ano 32
24.11.2005

Calçado especial traz conforto para diabéticos

Desenvolvido por professora do departamento de Fisioterapia, sapato acomoda melhor pés deformados por ulcerações

Suéllen Valverde*

ada um sabe onde o sapato lhe aperta”. O provérbio cai como luva nas mãos – ou melhor, nos pés – dos portadores de ulcerações resultantes do diabettes mellitus, o temido diabetes. Espremidos em calçados estreitos, seus pés deformados acabam recorrendo a sapatos um ou dois números acima do tamanho ideal em busca de algum alívio. E quando um sapato especial é encontrado, o desconforto desloca-se do pé para o bolso: um modelo do gênero chega a custar até R$ 500.


Sapato especial: maior espaço lateral

Uma alternativa a essa situação nada confortável está num modelo de sapato especial desenvolvido pela professora Lígia Vieira de Loiola, do departamento de Fisioterapia da UFMG. A concepção do calçado é parte de sua tese de doutorado, que avaliou a eficácia de um programa de proteção aos pés por meio da educação do paciente associada ao uso do sapato especial.

O modelo se diferencia do padrão comercial principalmente em sua largura, já que as lesões, muitas vezes, provocam graves deformidades nos pés dos pacientes, fenômeno conhecido como “pé diabético”. Com maior espaço lateral, o paciente pode locomover-se sem desconfortos e riscos de agravar seu problema. Os pares, cuja numeração vai do 33 ao 43, possuem três larguras diferentes para cada número: pequeno, médio e grande.

Outro diferencial está no interior do calçado, que protege as áreas de risco para o diabético: a frente do pé, a sola, a parte superior dos dedos e o calcanhar. Para tanto, não há costuras internas, e a palmilha é mais macia que as convencionais, pois precisa absorver melhor o impacto dos passos. Ela é feita de couro, material que ajuda a impedir o superaquecimento dos pés, facilitando a transpiração.

Testes
O modelo idealizado pela professora Lígia Loiola ganhou forma nas oficinas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), de Novo Hamburgo (RS), onde foram produzidos 200 pares do sapato. Eles foram testados em um centro de saúde da Prefeitura de Porto Alegre, em 2002, quando a professora cursava o doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS).

"O calçado foi muito bem aceito pelos pacientes, que tentavam contornar o problema da falta de espaço lateral adquirindo produtos com numeração um ou dois números acima do que precisavam”, conta Lígia Loiola. A fisioterapeuta da UFMG entende que, para isso, foi decisiva a confecção de dois modelos diferentes: um fechado, para o inverno, e outro aberto, para o verão. Os pacientes tinham também a opção de escolher o modelo e a cor do sapato: preto, marrom ou marfim. “Essa possibilidade é um incentivo a mais para que eles se cuidem. Muitos me disseram que este era o melhor sapato da vida deles”, afirma Loiola.

Foca Lisboa

Lígia Loiola: programa de proteção aos pés

Há, no Brasil, poucas empresas que fabricam calçados para diabéticos. Talvez por isso os preços sejam proibitivos para a maioria das pessoas que precisa deste tipo de sapato. “Um problema no Brasil é o custo. Só de falar que é um produto ‘especial’, os fabricantes aumentam o preço absurdamente. É possível encontrar sapatos de até R$ 500”, alerta. O calçado desenvolvido pela professora custou R$ 40 para o modelo aberto e R$ 47 para o fechado.

Apesar do sucesso dos testes, a professora ainda não conseguiu negociar, com alguma indústria, a produção do sapato em larga escala. Desde que retornou a Belo Horizonte em 2003, para terminar o doutorado na Faculdade de Educação da UFMG, Lígia Loiola foi procurada por empresas paulistas interessadas em fabricar o calçado especial. “Assim que envolvi a universidade no processo e exigimos a documentação necessária, eles não nos procuraram mais”, afirma.

*Estagiária de Jornalismo na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional

Fisioterapeuta acompanhou pacientes e familiares

No Sul do Brasil, Lígia Loiola manteve contato com 30 pacientes que utilizaram o sapato especial e 11 familiares que participaram do acompanhamento, além dos 653 que participaram do programa por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O processo de educação do paciente, que continuou em Belo Horizonte, no Ambulatório Borges da Costa do Hospital das Clínicas, envolveu a realização de entrevistas e práticas educativas aplicadas individualmente e em dinâmicas de grupo. Nestas, foram utilizados jogos educativos também criados pela professora, cuja produção está sendo negociada com a Cooperativa e Editora de Cultura Médica (Coopmed).

Segundo Lígia Loiola, a convivência com os pacientes revelou que eles desejam, antes de qualquer coisa, entender melhor a doença. Para ela, um programa de educação do paciente portador de diabetes mellitus deve envolver a família, já que ela é quem o auxilia na gestão diária da doença. “Alguns deles poderiam até fazer algumas tarefas sozinhos, mas preferem que seus familiares os ajudem, porque este é um momento para estar perto do outro”, conta.