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Nº 1567 - Ano 33
5.3.2007

Tacyana Arce Tacyana: Mec tinha a primazia do discurso

Goela abaixo

Dissertação da Escola de Ciência da Informação revela que cobertura jornalística sobre educação foi pautada pelo MEC durante o governo FHC

Fernanda Cristo

P

esquisa da Agência de Notícias para os Direitos da Infância (Andi) e Ministério da Educação (MEC), divulgada há menos de dois anos, revela que, de 1999 a 2004, houve crescimento expressivo no número de textos jornalísticos sobre educação: no primeiro ano desta série histórica, a impressa brasileira veiculou 9.069 textos sobre o assunto, ao passo que, cinco anos depois, esse número alcançou 36.136 matérias.

Quem “digere” esses dados pode até imaginar que a imprensa brasileira intensificou sua cobertura sobre educação. Não é bem assim, principalmente se esses números forem confrontados com outro dado: na mesma época, 72,7% dos releases enviados pela assessoria de comunicação do Ministério da Educação resultaram em notícias publicadas em jornais de grande circulação. Além disso, o MEC comandava a agenda sobre o tema, “pautando” conteúdos e aparecendo como personagem principal em 61% dos textos veiculados na época.

Então repórter de educação do jornal Estado de Minas, a jornalista Tacyana Arce percebia que as notícias sobre o tema veiculadas nos jornais mineiros durante a gestão do ministro Paulo Renato de Souza, além de bastante parecidas entre si, assemelhavam-se muito aos press releases enviados pela assessoria de comunicação do MEC. “Durante o período em que o Paulo Renato (hoje deputado federal pelo PSDB paulista) foi ministro, o MEC tinha uma equipe de comunicação que, além de numerosa, era bem articulada e competente”, analisa Tacyana. Segundo ela, o Ministério da Educação tentava equiparar seu status ao dos ministérios da área econômica. “Naquela época, ainda havia muitas crianças fora da escola, o que obrigava o MEC a desenvolver ações que precisavam ser complementadas por boas estratégias de comunicação para alcançar a sociedade”, destaca a jornalista.

Saeb
A influência do MEC na cobertura de educação feita por cinco jornais brasileiras foi o tema da pesquisa da jornalista em sua dissertação de mestrado A pauta do dia – informacão educacional em jornais brasileiros, defendida na Escola de Ciência da Informação.

Tacyana Arce, que hoje coordena a equipe de jornalismo da rádio UFMG Educativa, analisou notícias sobre o Sistema Brasileiro de Educação Básica (Saeb) veiculadas em três jornais mineiros (O Tempo, Hoje em Dia e Estado de Minas), e dois de alcance nacional (Folha de S. Paulo e Correio Braziliense).

Nos primeiros anos em que foi realizado, o Saeb apurou resultados “desastrosos”, como define Tacyana Arce. Mas o MEC não tentou disfarçar os números negativos. “O Saeb tinha grande potencial de levar a educação para as manchetes dos jornais. Por isso, o Ministério da Educação preparava verdadeiros arsenais de informação e mandava releases que eram praticamente a matéria pronta”, recorda-se a jornalista.

Mas se a assessoria de comunicação do MEC era bem estruturada e produzia material jornalístico com direito a análises e até contrapontos, nas redações dos jornais faltavam recursos – principalmente humanos – para mudar o rumo da agenda proposta. “Mesmo as matérias produzidas por jornais com boa estrutura guiavam-se pelos releases do Ministério”, afirma a jornalista, lembrando que o “MEC tinha a primazia do discurso, ainda que o repórter apurasse os fatos pessoalmente e tentasse buscar contrapontos”.

Durante a gestão do ministro Paulo Renato de Souza, o MEC não escondia os resultados ruins apurados pelas avaliações, mas usava alguns artifícios discursivos para amenizar dados alarmantes. A má qualidade da educação, por exemplo, era associada ao aumento do número de crianças na escola. No período, a taxa de matrícula subiu de 80% para 96%. Essa diferença a mais era constituída por crianças pobres, com poucas chances de sucesso escolar. “Só que em vez de discutir alternativas para melhorar o desempenho desses alunos, o MEC limitou-se a encarar esse fato como uma grande vitória”, conclui Tacyana.