Busca no site da UFMG

Nº 1567 - Ano 33
5.3.2007

EntrevistaArsênio Oswaldo Sevá Filho
Antoninho Perri-Ascom/Unicamp
Arsênio Oswaldo Sevá Filho
Oswaldo Sevá: Brasil tem energia de sobra

"O risco de novo apagão é uma chantagem"

Maurício Guilherme Silva Jr.

E

specialista em energia e combustíveis, o professor Arsênio Osvaldo Sevá Filho,
da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, não mostra qualquer entusiasmo com a possibilidade do Brasil se transformar numa potência energética e fornecedor internacional de combustíveis de origem vegetal. “Quem defende esse modelo deve demonstrar que ele é vantajoso para a economia brasileira”, diz o cético professor, em entrevista concedida ao BOLETIM no dia 6 de fevereiro. Na ocasião, ele participou, na Fafich, do encontro do Grupo de Trabalho Energia, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais.

E ao discorrer sobre a probabilidade de um novo apagão energético, Sevá passa do cetismo à indignação. “Tecnicamente esse risco não existe. Trata-se de uma chantagem contra a sociedade brasileira”, garante o pesquisador.

Como o senhor vê a pretensão de o Brasil em se transformar em fornecedor internacional de produtos energéticos?

Se fosse para fornecer combustível e eletricidade ao povo brasileiro, diria que seria algo muito viável, porque o país está quase todo eletrificado e tem poucas comunidades, principalmente em localidades afastadas no interior do Amazonas e Centro-Oeste, que não têm constância de energia o dia inteiro, e dependem do fornecimento de óleo diesel. Além disso, os maiores problemas concentram-se nas capitais e cidades da região Norte, como Porto Velho, Manaus, Santarém e Rio Branco, que estão fora do sistema energético nacional. Na realidade, teríamos que ter um crescimento mais ou menos proporcional ao da população. Resolver isso não é complicado nem muito caro. O problema é que está se propondo que o Brasil seja um grande produtor de combustíveis de origem vegetal para exportação. Aí, a situação muda de figura. Para isso, é preciso, primeiro, planejar o abastecimento do mercado, ainda que ele não cresça muito. O crescimento da produção de combustíveis de origem vegetal, como o álcool, deve vir acompanhado de uma política de incentivo ao transporte público, com menor gasto de combustível. Uma solução poderia ser o uso de locomotivas movidas a óleo diesel para o transporte de passageiros. O Brasil desmantelou a indústria ferroviária, usada hoje apenas para transporte de carga.

Que vantagens o Brasil terá na condição de grande exportador de álcool ou de combustíveis de origem vegetal?

O problema é que este tipo de estratégia nunca é pensada tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. O que se tem em mente é vender álcool para Japão, China e Estados Unidos. Nesse sentido, fica a dúvida se realmente seria vantajoso para a economia do país produzir álcool para exportar ou gerar energia elétrica barata para fundir alumínio, aço, níquel, cromo, chumbo, cobre. Quem defende que o Brasil se transforme num grande parque de hidrelétricas, para produzir energia barata, ou num grande canavial, ou, ainda, num grande sojal, para produzir combustíveis vegetais, tem que demonstrar que esse modelo é economicamente vantajoso. Conheço um caso, o da exportação de alumínio, que já analisei, e que não trouxe ganhos para o país. Essa é uma equação muito difícil de ser resolvida, principalmente para nós que estamos na área acadêmica. Quem estuda esse tipo de assunto se sente numa encruzilhada. Eu e outras pessoas sempre colocamos como prioridade o atendimento das condições de vida da população e não a balança comercial.

Quais as chances de um novo apagão?
Sempre leio os estudos, avaliações e estimativas feitas pelos técnicos do governo sobre o assunto e, na mais recente, constava uma escadinha que indicava os percentuais de probalidade de falta de energia nos próximos anos. O que eu percebo é que os pressupostos são completamente errados, porque todos os estudos põem em risco a falta de energia elétrica: partem do princípio de que há uma relação numérica entre o crescimento do PIB e o do consumo final de energia. Isso não é verdade, justamente porque o país já está eletrificado. Na realidade, o que existe é um engodo, uma operação quase que ideológica e de mistificação, baseada em estudos feitos por colegas nossos, professores de universidades, que dão conta que o crescimento do mercado de energia é um pouco superior ao do PIB. Isso, no entanto, corresponde a uma determinada fase da economia que já passou e não voltará mais. A idéia de um novo apagão é um instrumento de chantagem contra a sociedade.

O senhor poderia explicar melhor?
Tecnicamente, a possibilidade de apagão não existe. Sobra energia no sistema brasileiro. Há várias hidrelétricas em andamento que vão gerar 2,3 mil megawatts novos de energia. Há outras, já prontas, mas que ainda não operam por falta de máquinas. E, por fim, termelétricas que só não funcionam por falta de mercado e não por carência de gás como alardeiam por aí. O setor elétrico brasileiro enfrenta dificuldades, mas elas são de outra ordem. Temos problemas na área de transmissão de energia, porque as linhas não são suficientes, de balanceamento entre usinas e de envelhecimento das represas e de algumas usinas. O apagão é uma fantasma que nos ronda, e essa visão não é a melhor forma de tratar e encaminhar o problema. O que ocorre é que as grandes corporações estão chantageando a sociedade, a exemplo do que foi feito na Inglaterra, no século XVIII, quando disseram que faltaria trigo. Hoje, dizem que vai faltar energia elétrica. Trata-se de um problema que envolve decisões importantíssimas, que não podem ser tomadas com base em uma chantagem.