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Nº 1589 - Ano 33
05.11.2007

Enxaqueca que transtorna

Pesquisa da UFMG revela que dor de cabeça intensa pode evoluir para complicações psiquiátricas, como fobias, depressão e ansiedade

Alessandra Ribeiro*

É muito mais que uma chateação ou desconforto. Além da dor de cabeça latejante, acompanhada de náuseas e vômitos, com episódios que podem durar de quatro a 72 horas, quem sofre de enxaqueca tem grandes chances de desenvolver transtornos como fobias, depressão, ansiedade, distúrbios alimentares, pânico e chega até a pensar em suicídio. É o que mostra pesquisa realizada com pacientes do Ambulatório de Cefaléias do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da UFMG.

O estudo resultou na dissertação de mestrado defendida no dia 25 de outubro pela psiquiatra Esther Angélica Coelho Costa, na Faculdade de Medicina. Entre março e dezembro de 2006, ela entrevistou 70 pacientes encaminhados pelo Serviço de Neurologia com diagnóstico de migrânea, termo médico para enxaqueca.

Os resultados impressionam: 81,4% dos pacientes com enxaqueca apresentavam transtornos psiquiátricos e 62,9% tiveram diagnóstico de dois ou mais transtornos. “Isso sugere que esta é uma população pouco investigada do ponto de vista psiquiátrico“, afirma Esther Costa.
O transtorno psiquiátrico mais freqüente, em 38,6% dos pacientes, é a fobia, medo excessivo de uma determinada coisa. Um exemplo de fobia, que pode levar a outros transtornos, é o medo da própria dor, a cefalofobia, capaz de explicar o uso abusivo de medicamentos por quem sofre de enxaqueca. Entre os integrantes do grupo pesquisado, todos os que abusavam de analgésicos (45,7%) sofriam de Cefaléia Crônica Diária (CCD), uma forma mais grave da doença, com mais de quatro crises de dor de cabeça semanais.

Abuso de analgésicos

Em vez de amenizar a dor, como esperado, os analgésicos consumidos em excesso podem agravar o problema. “Estudos mostram que o abuso de medicamentos interfere no número de crises de cefaléia e induz à evolução para a cefaléia crônica”, alerta a pesquisadora. No estudo do Ambulatório de Cefaléias não foi possível definir o que vem primeiro: o consumo exagerado de analgésicos ou o agravamento da dor. O certo é que os pacientes não devem se automedicar e, em muitos casos, a interrupção do uso diário das drogas diminui a dor sofrida pelo paciente.

Ao contrário de uma tendência esperada, de acordo com a literatura médica, a pesquisa da UFMG identificou só um transtorno psiquiátrico, a “somatização”, com diferença significativa entre os grupos com abuso (18,8%) e sem abuso de medicamentos (2,6%). Isso ocorre quando o paciente se queixa de vários sintomas ao mesmo tempo, como taquicardia, desconforto gastrointestinal e dores musculares.

Em geral, as comorbidades (doenças psiquiátricas associadas) afetaram 87,5% dos pacientes que abusavam de analgésicos, enquanto no grupo sem abuso a porcentagem foi de 76,3%. Esses índices, na opinião do professor Antônio Lúcio Teixeira Júnior, orientador da pesquisa, mostram que, independentemente do uso abusivo de medicamentos, “o acompanhamento psiquiátrico deve ser integrado na atenção ao paciente com migrânea”. Ele também esclarece que os números referem-se aos casos mais graves da doença que chegam ao Serviço de Neurologia do HC. Por isso, não devem ser tomados como parâmetro para a população em geral.

*Jornalista da Assessoria de Comunicação Social da Faculdade de Medicina

Perfil

Esther Costa ao lado do professor Antônio Teixeira (direita), e dos pesquisadores do Ambulatório onde o estudo foi realizado
enxaqueca
Marcos Vinicius dos Santos/Fac.Medicina

Entre os 70 pacientes com idade média de 35,6 anos (faixa etária de 18 a 63 anos), 94,3% eram mulheres, o que, na avaliação de Esther Costa, reforça a hipótese de que a doença está ligada a fatores hormonais. Segundo a pesquisadora, depois dos 50 anos de idade, época da menopausa, os sintomas da enxaqueca são amenizados nas mulheres.

A pesquisa também mostra que, no período da menstruação, a enxaqueca piora em 61,8% das entrevistadas. Outro aspecto que chamou a atenção da pesquisadora foi o fato de 43% dos entrevistados não exercerem qualquer atividade profissional, por estarem afastados do trabalho ou sequer conseguirem trabalhar, aspectos que, segundo Esther, “podem refletir a incapacidade provocada pela doença e enfatizar o caráter limitante da dor”. Ela também ressalta que a idade média dos pacientes coincide com a faixa etária em que as pessoas mais produzem.

Com relação aos transtornos psiquiátricos, os mais freqüentes, depois da fobia, foram depressão e ansiedade. Segundo o estudo, 31,4% dos pacientes apresentaram diagnóstico de depressão maior (a mais intensa) e 21,4% apresentaram distimia (outra forma de depressão, marcada pelo mau humor). O transtorno de ansiedade generalizada ocorreu em 30% dos freqüentadores do Ambulatório de Cefaléias.

Também mereceu destaque a ocorrência do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), diagnosticado em 22,9% das pessoas, e o alto índice de idéias suicidas, percebido em 24,3% dos pacientes, que manifestaram “pouca vontade de viver”.

Outros transtornos foram identificados em menores proporções: anorexia e bulimia (8,6%), transtorno bipolar (5,7%), abuso de álcool e outras substâncias psicoativas (2,9%) e transtorno do pânico (1,4%).

Dissertação: Comorbidades psiquiátricas na migrânea com e sem abuso de medicações analgésicas
Autora: Esther Angélica Coelho Costa
Defesa: 25 de outubro, junto ao Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Medicina
Orientador: professor Antônio Lúcio Teixeira Júnior, do departamento de Clínica Médica