Busca no site da UFMG

Nº 1606 - Ano 34
22.04.2008

Femtossegundos chegam a Minas

Tecnologia deverá acelerar pesquisas em nanobiotecnologia e com outros produtos nanoestruturados

Ana Maria Vieira

Paulo Cerqueira
Ana
Ana Maria de Paula: técnica permite obtenção de imagens de alta resolução

A obtenção de imagens de células em sua interação em tempo real com diversos tecidos num organismo vivo ou a filmagem de fenômenos da matéria que se processam no período ultracurto do femtossegundo, o quatrilionésimo do segundo, devem se tornar realidade para a UFMG ainda neste ano. A expectativa decorre de liberação de R$ 725 mil pelo CNPq para montagem, no departamento de Física, do Laboratório de Lasers Femtossegundos, Espectroscopias e Microscopias Multifótons em Nanobiotecnologia, o primeiro espaço de pesquisa em Minas Gerais a contar com essa tecnologia.
Gerado a partir de um cristal de safira dopado com titânio, motivo pelo qual é conhecido também como Ti:safira, o laser femtossegundo emite luz com espectro largo, sobretudo no infravermelho, não visível a olho nu. Acoplado a equipamentos específicos, ele obtém imagens por varredura, ou ponto a ponto, do objeto de pesquisa. “Organizadas em fatias de profundidade, essas imagens podem ser vistas em duas ou três dimensões e montadas como um filme”, descreve a professora Ana Maria de Paula, do departamento de Física. A técnica é usada desde os anos 90, mas só agora chegou a Minas, devido ao custo elevado dos equipamentos e à falta de profissionais especializados para implementá-la.

Na UFMG, a montagem do Laboratório foi articulada para uso de múltiplas áreas e abrigará, inicialmente, projetos de parceria entre pesquisadores ligados a 12 linhas de investigação da Universidade, além da Unicamp, Ufscar, Ufop e UFV. De acordo com Ana Maria de Paula, há poucos espaços do gênero no país. Entre eles, no entanto, o mineiro é o único a prever utilização do laser de pulso ultra-rápido junto com microscopia para visualização de processos biológicos dentro de animais vivos, como as relações entre células de tecido sólido – cérebro, articulações, linfonodos, entre outros.

“Uma das vantagens no uso das técnicas do femtossegundo nessa área consiste em obter imagens de maior resolução e profundidade dos tecidos, sem danificá-los”, observa a professora, responsável pela coordenação do Laboratório e especialista na tecnologia. A ausência de fotodanos nas células decorre da impossibilidade de o laser transferir calor ao pulsar em faixa tão curta de tempo, de um quatrilionésimo do segundo. “A transferência de calor é um processo mais lento”, diz Ana Maria. Isso favorece estudos que exigem a submissão de materiais biológicos à luz por longo tempo, para entender o desenrolar de processos específicos. Atualmente, essa modalidade de investigação é bastante difícil de ser desenvolvida a partir de microscópios confocais comuns.

“Em nosso caso, queremos acompanhar o destino do neutrófilo tão logo tenha migrado para o tecido periarticular”, diz o professor do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB Mauro Teixeira. Coordenador do projeto do CNPq para instalação do Laboratório de Femtossegundos, Teixeira também comanda grupo de pesquisa na UFMG sobre mecanismos inflamatórios. Ele avalia que a nova metodologia deverá impulsionar a qualidade das investigações da equipe em modelos experimentais de artrite e o conseqüente desenvolvimento de fármacos. “No Brasil, ainda não há grupos que utilizam a tecnologia em pesquisa sobre processos inflamatórios”, afirma.

Multifótons x espectroscopias

A forma de obtenção da imagem em microscopias ocorre pelo processo de fluorescência. “Você joga luz no material, e ele, por sua vez, emite fluorescência”, diz Ana Maria de Paula. Em microscópios confocais comuns, essa fluorescência pode ser vista em diversos pontos da amostra. Isso exige que seja filtrada, para evitar que a imagem final surja manchada. Já na microscopia multifóton por laser femtossegundo, o objeto de análise é bombeado por dois fótons, e a fluorescência fica restrita ao foco do equipamento, o que elimina distorções na imagem, melhorando sua resolução e, sobretudo, permitindo imagens em maiores profundidades de tecidos biológicos.

As duas técnicas para o laser também apresentam diferenças em seus usos. Enquanto a microscopia multifóton é aplicada na visualização de eventos que ocorrem de modo mais lento, a espectroscopia ótica possibilita acompanhar processos da matéria, em função de sua resolução temporal. “Os fenômenos mais rápidos para serem observados estão na faixa de femtossegundos e de atossegundos”, pontua a professora. Feixes de laser em atossegundos pulsam em velocidade mais rápida em um milionésimo da escala femto.

Pesquisa sobre o arranjo de série de partículas em semicondutores, nanotubos, fulerenos e outros nanomateriais são alguns dos desafios propostos pelos grupos do Laboratório de Femtossegundos da UFMG, que devem se beneficiar das técnicas de espectroscopias resolvidas no tempo. Conforme menciona a coordenadora em projeto enviado ao CNPq, diversos dispositivos investigados pelas equipes necessitam ser caracterizados pelas técnicas do novo Laboratório, inclusive para que possam ser industrializados.