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Nº 1621 - Ano 34
14.08.2008

 

Tombada e em pé

Dissertação analisa história ambiental e percepções sobre usos da Estação Ecológica da UFMG

Ana Maria Vieira

Um acontecimento incomum marcou o dia 31 de julho na Estação Ecológica, no campus Pampulha. Nessa data, o espaço sediou, pela primeira vez em sua história, a defesa de uma dissertação de mestrado. O fato, que deveria ser corriqueiro dentro da Universidade, cresceu ainda em simbolismo pela temática da pesquisa: a constituição da própria Estação. Mais inesperada ainda é a origem de sua autora, a catarinense Karina Rousseng Dal Pont.

Interessada em estudos que abrigam o intercruzamento das questões urbanas e naturais, essa geógrafa, formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina, teve sua atenção voltada à Estação num perído em que ainda era estudante de graduação. A mola propulsora foi uma exposição sobre o espaço, feita pelo professor do IGC Bernardo Gontijo, durante evento científico realizado na UFMG, em 2004, e no qual esteve presente.

Despertada para o tema, ela iniciou seu mestrado na UFMG. “Procurei contribuir para a formação do histórico da Estação, tendo como pano de fundo a evolução dos paradigmas do movimento ambientalista, além de identificar e analisar os diferentes sentidos dados aos usos que a área teve”, sinteza a catarinense, que, para compreender o processo, recorreu a entrevistas semi-estruturadas com pessoas que participaram da constituição da Estação e a arquivos da UFMG e da Prefeitura de Belo Horizonte.

Apesar da riqueza da história da área, uma das conclusões do trabalho é perturbadora: a invisibilidade que caracteriza a Estação Ecológica. “Ela possui valor ecológico, acadêmico, social e simbólico; é legitimada pelos usos, mas ainda assim pouco conhecida dentro da UFMG, além de não existir no organograma administrativo”, reflete Karina Dal Pont. Proposta em 1976, durante o reitorado do professor Eduardo Cisalpino, que junto com outros grupos da Universidade queria transformar a área em uma estação experimental, a Estação sofria com a ausência de uma consciência ecológica generalizada. “Quando começaram a ser feitas as construções no campus Pampulha, derrubava-se tudo, numa política de terra arrasada, pois a questão ambiental não era considerada fundamental”, diz Karina, baseando-se em relato feito pelo próprio professor Cisalpino.

A pesquisadora considera que o desejo de criar espaços ecológicos no campus, com fins acadêmicos, foi favorecido por uma dupla mudança: na consciência ambiental da comunidade interna e na amplitude do movimento internacional. “A década de 70 assistiu à maior divulgação da problemática ambiental após a realização de convenções lideradas pela ONU, e isso se refletiu na UFMG”, explica. Originalmente, a área de 114 hectares hoje ocupada pela Estação era parte de uma fazenda. Nos anos 40, o presidente Juscelino Kubitschek doou o terreno ao Lar Dom Orione. Posteriormente, o espaço foi desapropriado para construção da cidade universitária. Sua cobertura vegetal é formada por espécies de transição entre o cerrado e a mata atlântica. Conforme estudos realizados pelo biólogo e atual diretor do espaço, Celso Baeta, a Estação abriga 13 tipos diferentes de biótopos.

Bota-fora

O desejo do grupo precursor de implantar o projeto de campus ecológico não seguiu em frente e na década seguinte – entre 1979 e 1988 – a área foi praticamente abandonada e tornou-se bota-fora da UFMG, recebendo entulhos da construção civil e podas de árvores e grama. “Foi uma década perdida para a Estação. Havia interesses divergentes entre muitos grupos da UFMG que queriam trabalhar na área, mas também a questão ambiental no Brasil ainda se encontrava fragilizada”, analisa a pesquisadora. O ano de 1988 acabou sendo uma espécie de marco da virada. “Foi criada nova comissão e produzido relatório sobre as condições e necessidades da área”, relata. Dois anos depois, a Prefeitura tombou a mata. “Caberia à UFMG delimitar a extensão da área tombada, mas isso não ocorreu”, afirma Karina.

Paulo Cerqueira
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Estação Ecológica: valiosa acadêmica e socialmente, mas pouco conhecida dentro da UFMG

O fato mobilizador sobreviria em 92, com proposta de construção das faculdades de Odontologia e Farmácia no Quarteirão 14, então ocupado pela Estação. O projeto obedecia ao Plano Diretor de 1969, mas a reação de grupos da comunidade universitária foi imediata e repercutiu externamente. Tendo à frente os professores Angelo Machado e Tomaz Aroldo da Motta, entre outros, eles denunciaram o problema à Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A decisão final determina o tombamento do Quarteirão 14.

Karina Dal Ponte lembra que um dos sentidos simbólicos da Estação advém do fato de ter sido construída paralelamente à evolução do movimento ambientalista local e brasileiro, e que decisões da Universidade refletiram visões da relação entre o planejamento urbano e o ambiental, nos diversos momentos dessa história. “Da mesma forma, percepções sobre seu uso mudaram. De espaço inicialmente pensado para pesquisa, legitimou-se ao longo do tempo como centro de educação ambiental e importante corredor ecológico na região da Pampulha", conclui

Dissertação: De lugar de “bota-fora” à Estação Ecológica da UFMG (pequenas conquistas e a construção de significados ambientais urbanos)
Autora: Karina Rousseng Dal Pont
Orientador: Bernardo Machado Gontijo (IGC)
Defesa: 31/07/2008