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Nº 1627 - Ano 35
29.09.2008

Para além da área de serviço

Dissertação analisa influência do trabalho na aproximação de empregadas domésticas a práticas de leitura e de escrita

Ana Maria Vieira

Foca Lisboa
Patrícia Cappuccio: relação tensa com a escrita fica evidente em diversos momentos

Como empregadas domésticas lidam com a cultura escrita existente em seu ambiente de trabalho? Em torno dessa questão, Patrícia Cappuccio de Resende defendeu, em agosto, dissertação de mestrado na Faculdade de Educação da UFMG. “Meu interesse era estudar as vivências de indivíduos das classes populares relativas a essa cultura e decidi realizar as pesquisas com esse grupo devido à magnitude de sua participação no mercado de trabalho”, diz.

De acordo com o Censo 2000, pelo menos 20% das mulheres que trabalham no país são empregadas domésticas. O estudo recorreu a pesquisas qualitativas para reconstituir as práticas de leitura e de escrita entre quatro trabalhadoras em Belo Horizonte e a influência exercida pelo ambiente culturalmente diferenciado de seus patrões nas relações que elas criam com tal universo.

A dissertação transita entre os campos da Sociologia da Educação e da Leitura e da Escrita para elucidar como determinado segmento social se aproxima dessas práticas culturais. Nesse aspecto, trabalhar com camadas sociais distintas constituiu estratégia fundamental para os estudos. “Procurei ocupações profissionais que tornassem evidente o conflito cultural e social, pois minha hipótese era de que esse conflito atuasse como alavanca, motivando as pessoas a diversificar e intensificar suas experiências de leitura e escrita”, exemplifica Patrícia. Os atores dos casos analisados são empregadores com elevado nível de formação e trabalhadoras com baixa escolarização.

Conforme observa Patrícia Cappuccio, a literatura da área indica que o trabalho, depois da escola, é o ambiente que mais exige o uso de competências relacionadas ao alfabetismo. Sua pesquisa, porém, evidencia que a ampliação no uso dessas habilidades decorre de um conjunto de instâncias – grupo social, religião e família, por exemplo.

Eles e elas

Graça, Cleonice, Suely e Nazira, nomes fictícios cunhados por Cappuccio, têm entre 37 e 57 anos e começaram a trabalhar muito cedo em suas cidades de origem. Há dez anos, exercem a ocupação de empregada doméstica para os atuais patrões. Todas têm menos de oito anos de instrução. Três delas são evangélicas e apenas uma reside na casa dos empregadores. Estes, pertencentes à classe média e com idades entre 40 e 60 anos, possuem titulação universitária elevada: há doutores em três famílias. Lêem jornais, livros técnicos, revistas científicas, mídias informativas e romances.

Patrícia Cappuccio nota que o perfil cultural dos empregadores cria especificidades no cotidiano das trabalhadoras: elas envolvem-se em práticas de leitura e de escrita próprias da ocupação e em outras “intrínsecas” ao trabalho doméstico nesse ambiente. “As demais ocorrem em contextos sociais freqüentados por elas, fora do serviço”, pontua. Escrever bilhetes, recados, lista de compras, receitas culinárias e organizar materiais são algumas das situações relacionadas à escrita e à leitura que constituem a rotina desse trabalho em casas “letradas”. De acordo com a pesquisadora, em diversos momentos, fica evidente a tensa relação estabelecida com a escrita. “Elas se preocupam se os patrões vão compreender suas anotações”, exemplifica.

A pesquisadora ressalta que algumas dessas práticas – como anotar recados – são incorporadas por algumas empregadas em suas próprias casas. Seus filhos e netos também se beneficiam de materiais doados pelos empregadores: jornais e revistas, por exemplo, servem como suporte a lições de escola. De modo geral, no entanto, as empregadas não assimilam o hábito de leitura e de escrita dos empregadores em suas rotinas.

A exceção fica por conta de Cleonice, de 40 anos. Estimulada pelos patrões, retornou aos estudos. Além disso, na companhia deles, vai a cinemas, shows, jantares e festas. Por causa dos estudos, ela expandiu suas práticas de leitura.

Dissertação: Modos de participação de empregadas domésticas nas culturas
do escrito
Autora: Patrícia Cappucio de Resende
Defesa: 27 de agosto de 2008
Unidade: Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE
Orientadora: Ana Maria de Oliveira Galvão
Co-Orientador: Antônio Augusto Gomes Batista