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Nº 1654 - Ano 35
25.5.2009

opiniao

Princípios filosóficos para uma humana docência

Westerley A. Santos.*

Uma das marcas do nosso tempo é o império da informação, que vem ocupando o lugar onde o conhecimento deveria se fazer presente. A educação não se isentou dessa lógica; podemos perceber em algumas escolas ensino à base de coletâneas ou de simples repasse de informações. Mas também é verdade que não se pode alcançar o conhecimento sem a informação. Então como fazer? A questão está justamente na qualificação; informação refere-se ao resultado de uma equação de dados, tem caráter instrumental, é efêmera por excelência. O que não quer dizer que a informação não seja importante para o conteúdo educacional. É sim, mas não pode ser confundida com conhecimento.

O conhecimento transcende a informação, é o ato pelo qual o espírito e o pensamento apreendem a realidade, tem caráter permanente, expressa conceitos, ideias, críticas; traz, implícitos, juízos de valor e, por fim, transforma-se em consciência. É este o papel da educação: qualificar de tal modo a informação que a transforme em conhecimento para o aluno. Este, por sua vez, deve interiorizá-lo e convertê-lo em sabedoria para si e para sua ação no mundo.

Outra marca do nosso tempo é a razão instrumental, o vale fértil do pragmatismo. O pragmatismo faz com que tudo o que pensamos e fazemos se transforme numa espécie de negócio com fins lucrativos. É o comércio de intenções, o mercado de interesses, visando sempre ao fim único do lucro e da vantagem naquilo que praticamos sobre aqueles com quem relacionamos. É a lógica do “o que eu vou ganhar com isso?” Nesse caso, a educação não fica isenta, pois, em muitos casos, se vale de práticas pedagógicas voltadas para fins puramente instrumentais. Por isso, é preciso repensar a função primeira da educação. Afinal, ela é um mero instrumento que prepara mão-de-obra barata para o mercado de trabalho ou um meio de transformação social pela formação humanista?

Outra característica contemporânea é o individualismo exacerbado, o elemento degenerador da solidariedade humana. Em tempos individualistas, pensamos que o problema dos outros, do vizinho, da nossa rua, da comunidade, da política, da escola ou da sociedade não são, também, problemas nossos. O individualismo traz consigo o hedonismo e o narcisismo, a concorrência e a exaltação às particularidades de cada um, o que termina por negligenciar a coletividade. É a lógica do cada um por si! Esse fenômeno também pode ser notado na educação. É comum, no ambiente escolar, perdermos a noção do todo, a visão de conjunto do processo educacional, do trabalho em equipe, da solidariedade entre docentes e discentes.

O império da informação que negligencia o conhecimento verdadeiro, o pragmatismo que obscurece as ações entre os homens e o individualismo que degenera a solidariedade humana acabam por gerar interpretações, atitudes e práticas equivocadas na educação. Mudar essa racionalidade é o desafio que se avizinha. Que tipo de professor essa mudança exige? Penso que a resposta está numa humana docência. A educação pós-moderna deve ser crítica e humanizadora e, para se fazer cumprir, prescindirá dos fundamentos axiológicos da Filosofia. O professor, agente dessa mudança, deve ser antes de tudo um educador. E aqui cabe uma distinção conceitual entre professor e educador: professor é aquele que professa e ensina uma arte, uma ciência. Já o educador é aquele que instrui, cultiva e orienta o homem na direção do bem. O educador é o que se envolve, pesquisa e se preocupa com a formação do homem integral.

Ocorre que o mundo moderno proletarizou o professor, transformando-o em um funcionário burocratizado em meio a diários, lançamentos e formulários e cada vez mais distante da sua verdadeira ação educadora. É preciso romper com a lógica da docência instrumental e discutir, nas escolas e academias, princípios filosóficos universais que orientem a ação pedagógica rumo à finalidade verdadeira da educação. O educador, a escola e os governos devem ter clareza dos princípios que conduzem a uma pedagogia humanizadora e formadora do sujeito ético.

E os princípios filosóficos de uma humana docência são a intersubjetividade e individualidade, que percebem o aluno como sujeito; a dialética, que opta pela pedagogia da pergunta como base da construção do raciocínio; a equidade, que visa à igualdade, sem perder de vista as diferenças; o conhecimento e a autonomia, que atuam sobre as potencialidades, habilidades e criticidade do aluno; o ontológico ou a formação do ser do aluno, que visa à formação do sujeito da aprendizagem. E a pergunta que leva à investigação para a descoberta desse sujeito deve ser: que aspecto do ser humano minha ciência quer formar?

E, finalmente, o mais importante princípio norteador da humana docência, o axiológico, ou dos valores. É ele que orienta a ação humana dentro do preceito do bem, da virtude, da antiviolência, da solidariedade, da liberdade com responsabilidade e do respeito à vida dos indivíduos, das espécies e do planeta.

Professor de Filosofia, pesquisador em educação e membro fundador da Associação dos Filósofos e Professores de Filosofia de Belo Horizonte

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