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Nº 1684 - Ano 36
1.3.2010

opiniao

Trote, eis a questão!

Fernanda Oliveira Brito*

A satisfação por constatar que meses de estudo e dedicação haviam dado bons frutos conviveu com a preocupação com o trote, ritual de iniciação à vida universitária. Entrei na UFMG, no curso de Turismo, no segundo semestre de 2006, e como todo calouro tinha um certo medo.

Nessa época, ainda não havia na Universidade uma campanha de conscientização sobre o trote violento. Sendo assim, não me perguntaram se eu queria ou não participar. A brincadeira consistia em muita tinta, terra, confete, violeta e plaquinhas contando se você era o calouro sociável, calouro mala, “turisgata”, entre outros títulos. Lembro como se fosse hoje de quantos dias a turma ficou roxa por causa da violeta.

Muitos devem estar se perguntando: “que coisa horrível, não?” Bem, posso afirmar com propriedade que apesar de ter ficado roxa por muitos dias foi uma das melhores experiências e “farras” de que já participei. É como se o trote fosse uma maneira de quebrar o gelo entre calouros e veteranos, afinal depois de tanta tinta tem a famosa ida ao bar para comemorar. Você acaba conhecendo todo mundo, e no outro dia você já não tem vergonha de perguntar para o seu veterano como fazer, por exemplo, para chegar na sala de aula de determinada matéria, ou até mesmo onde fica o restaurante Setorial II, nosso famoso bandejão. E, pode ter certeza, o trote será assunto de muitas rodinhas de festa. Se o meu trote fosse hoje e alguém me perguntasse se eu queria ou não participar, certamente diria que sim.

Entretanto, algo me incomodava com relação ao trote. Não gostava da história do calouro ser obrigado a participar. Em 2008, início do segundo semestre, ao passar pela Fafich vejo um cartaz da DAE (Diretoria para Assuntos Estudantis), em parceria com o Cedecom (Centro de Comunicação da UFMG), que convocava alunos que compartilhassem a ideia de que os calouros merecem e devem ser respeitados, além de bem recebidos. Convidava a colaborar os estudantes que acreditassem em uma mobilização no sentido de conscientizar a comunidade universitária de que a prática de trotes violentos e constrangedores não corresponde às expectativas e à aceitação da maior parte dos alunos. A campanha na época se chamava “Vem amigo, sem perigo, tá contigo, tá comigo”.

O calouro deve ter o direito de escolher se quer participar ou não do trote, e, mesmo topando, calouros e veteranos em atividade de trote devem ter o cuidado para não ofender as pessoas

Foi dessa forma que conheci a campanha de conscientização contra o trote violento e desde então participo ativamente como promotora, em todos os semestres. Atualmente a campanha tem a assinatura “A diversão não é só sua”, e durante esse período posso afirmar que muita coisa melhorou. Há relatos de alunos de diversos cursos que garantem que o veterano concede ao calouro o direito de escolher se quer ou não receber o trote, e caso a resposta seja negativa ele não será excluído da turma. Um exemplo é o do meu amigo Matheus Dias, do curso de Medicina Veterinária, que afirmou: “Os meus veteranos perguntaram se eu queria ou não participar do trote (…) e apesar de sujo, o trote não foi violento, foi normal”.

Transitar com a camiseta da campanha pelo campus faz com que muitos alunos venham me perguntar, com 500 pedras na mão, se a Universidade é contra o trote, e até mesmo se a campanha é proibitiva. É aí que respondo com alegria dizendo que a campanha conta com estudantes que atuam como promotores, que pensam e agem junto com a DAE e com o Cedecom, na tentativa de se falar a língua dos alunos. Essa parceria levou à conclusão de que o trote nada mais é que uma diversão, desde que praticado com consciência, e sem abusos. Mesmo porque os estudantes, em geral, quando ingressam na universidade esperam pelo trote. Alguns até mesmo chegam a desejá-lo.

Porém, não tenho a ilusão que na UFMG não há mais nada a fazer em relação aos trotes. Na verdade, a campanha está concebida para ser permanente, com cunho educativo. As ações são diversificadas, o trabalho evolui a cada semestre letivo, mas os princípios norteadores continuam os mesmos: o calouro deve ter o direito de escolher se quer participar ou não do trote, e, mesmo topando, calouros e veteranos em atividade de trote devem ter o cuidado para não ofender as pessoas.

Faço uma analogia com a resposta dada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em agosto de 2009, na abertura da primeira reunião da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. Ele disse que “o mundo sem drogas é igual ao mundo sem sexo: impossível existir”. Hoje, sem medo de errar, afirmo que a existência de um mundo sem trotes é impossível, pelo menos em curto prazo. Entretanto, uma universidade sem trotes violentos pode existir, e acredito que já estamos caminhando para a direção certa.

*Aluna do 8° período do Curso de Turismo

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