Busca no site da UFMG

Nº 1693 - Ano 36
3.5.2010

Jequitinhonha da arte e da utilidade

UFMG volta a expor preciosidades do artesanato da região na Praça de Serviços

Zirlene Lemos*

Acervo Frei Chico
Zefa e Ana do Baú: memória viva da cultura do Jequitinhonha

Panelas, moringas, potes e utensílios de barro. Peças entalhadas na madeira, pinturas, bordados e artigos em tecelagem. Um pouco dessa diversidade, que mistura arte e utilidade, está sendo mostrada esta semana na Praça de Serviços, na 11ª Feira de Artesanato do Vale do Jequitinhonha UFMG. De hoje, dia 3, até sábado, 8 de maio, 40 associações de 23 municípios participam do evento, que só no ano passado movimentou cerca de R$90 mil e atraiu oito mil pessoas.

Promovida pela Pró-Reitoria de Extensão, Diretoria de Ação Cultural (DAC) e programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, a mostra consolidou-se como importante espaço de intercâmbio e comercialização dos produtos regionais. Na esteira da visibilidade alcançada com a participação na Feira, artesãos da Associação Arteluz, de Itaobim, fecharam contrato de fornecimento de peças de taboa (fibra encontrada na região) que vão embalar kits especiais de cosméticos fabricados pela Natura para o Dia das Mães. “Essa encomenda nos renderá cerca de R$46 mil”, contabiliza Gilson Menezes, artesão e presidente da Arteluz.

Além dos artigos de artesanato, a Praça de Serviços servirá de palco, ao longo desta semana, para música e teatro produzidos no Vale do Jequitinhonha, outros elementos marcantes de sua cultura. Entre as atrações, a Corporação Musical Euterpe Homero Maciel, de Turmalina, o compositor Nino Aráss, de Diamantina, Pereira da Viola (nascido em São Julião, no Vale do Mucuri, mas que teve sua trajetória influenciada pela música do Jequitinhonha) e a Murion Cia. de Teatro, de Padre Paraíso.

Homenagens

Este ano, a Feira da UFMG homenageará duas mestras do artesanato do Vale do Jequitinhonha: Josefa Alves Reis, a Zefa, de Araçuaí, e Ana Fernandes de Souza, Ana do Baú, de Minas Novas. “Elas ensinam os mais novos e ajudam a preservar a tradição e a cultura da região”, afirma Terezinha Furiati, produtora cultural da DAC e uma das organizadoras do evento. A homenagem às mestras será realizada na quinta-feira, dia 6, às 16h30, com participação do reitor Clélio Campolina.

Na década de 1960, Zefa, sergipana, criada no sertão da Bahia, radicou-se em Araçuaí. Fundadora da Associação dos Artesãos da cidade, conta que já vendeu doces ao lendário bando comandado por Virgulino Ferreira, o Lampião. “Eu vi os cabras de Lampião cara a cara, tava na idade de 12 anos e eles todos equipados de armamento, cartucheira de lado, lenço dourado que fazia a gravata. Aí chegaram, compraram doce na minha mão”, relatou, em depoimento registrado no livro-reportagem de Hamilton Fernandes da Silva.

Ela se tornou mestra explorando como poucas as características naturais das madeiras da região como emburana, cabiúna, cedro e aroeira. Suas obras enfeitam estantes de colecionadores na Alemanha, França, Itália, Áustria, Holanda e Estados Unidos. Hoje, aos 84 anos, aposentada e com problemas de vista, não consegue mais talhar a madeira com a perfeição de antes, mas sua influência sobre a produção artística local ainda é muito grande.

Em 1927 nascia na comunidade de Campo Alegre, em Turmalina, Ana Fernandes de Souza. Após a morte dos pais, morou com a irmã adotiva, Natália, na Fazenda do Baú. Por isso, ficou conhecida como Ana do Baú. “Tinha uns 10 anos quando comecei a fazer as panelinhas, ia na casa dos outros e observava, ninguém nunca me ensinou, eu ia pelejando, pelejando, Deus ajudou e eu aprendi”, revela com simplicidade.

Suas obras são de temáticas e tamanhos variados: mulheres sorridentes, com “rolinhos” nos cabelos, galinhas, vacas, beija-flores, pessoas e arvoredos. Em suas esculturas, chama atenção a forma como reproduz com naturalidade as cenas do cotidiano. “Mesmo nos meus bules menores se podia beber água; eu escavava direitinho, para que ficasse bem feito, trabalho de muita paciência. Isso ninguém fazia”, conta ela.