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Nº 1696 - Ano 36
24.5.2010


Reflexos de Baudelaire

Itamar Rigueira Jr.

Chega ao fim, esta semana, a temporada de um mês na UFMG da professora Lauren Weingarden, do Departamento de História da Arte da Universidade do Estado da Flórida. Convidada pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), ela faz conferência nesta quarta-feira com o tema Reflexões sobre a modernidade de Baudelaire. Nesta entrevista ao BOLETIM, ela explica as metáforas do poeta e teórico francês (Charles-Pierre Baudelaire, 1821-1867) que ajudam a entender a pós-modernidade e as conexões entre as diversas mídias que decifram o que ela chama de “cultura virtual global”.

Como Baudelaire ajuda a entender o mundo de hoje?

Baudelaire estava interessado nas mudanças físicas que aconteciam em Paris na segunda metade do século 19. Estava preocupado com um aspecto negativo dessa mudança, que foi o deslocamento dos menos privilegiados para longe do centro urbano. Mas também tinha visão positiva dessa transformação. As coisas mudavam a cada minuto, em cada esquina, e ele via uma espécie de beleza moderna nisso tudo. Os artistas capturavam essa experiência, essas formas fragmentadas. E eu penso que hoje vivemos em um mundo tão multidimensional e tão mutável, que Baudelaire meio que nos inicia nessa espécie de encontro com a mudança. No século 21 experimentamos a transformação através da internet, das rápidas transformações nas cidades, no transporte, na publicidade e no encontro com pessoas tão diferentes.

Sua apresentação explora a ideia de espelho na arte moderna...

Baudelaire identificou a arte moderna como um espelho que reflete a transitoriedade da experiência urbana. Ou um caleidoscópio, já que as visões mudam a cada momento. O outro nível da metáfora é mais complicado, porque envolve ironia. O indivíduo é capaz de sair dele mesmo, e ver algo diferente, incorporando essa diferença em seu ser. Ele tem uma natureza dupla, o ser interno e o externo. Baudelaire utilizou essa noção ao falar do artista, que é parte da multidão e, ao mesmo tempo, separado dela. Como parte da multidão, ele a reflete. Fora dela, ele reflete aquela experiência. Este é o outro nível do espelhamento. Estar dentro e fora ao mesmo tempo cria uma situação irônica. Manet (o pintor Édouard Manet, 1832-1883) mostrou-nos reflexos de espelhos em superfícies bidimensionais. Ali, não somos autorizados a penetrar no espaço pictórico como acontecia antes com o espectador. Manet pintou espelhos e não podíamos mais penetrar porque é como se houvesse algo atrás de nós. O espelho de Manet tem uma função irônica, você espera uma coisa e tem outra. Isso causa o choque. As convenções são subvertidas, transformando nossa forma de ver a obra de arte.

As instalações de Inhotim, que a senhora visitou recentemente, seriam exemplo dessa mudança na forma de apreciar arte?

Em Inhotim, pensei muito em Baudelaire e nos artistas que o seguiram. Muda nossa perspectiva quando nos movimentamos por uma instalação artística. E Baudelaire também acreditava que a nova arte seria um choque para os nossos sentidos. E que teríamos de achar novas formas de apreciá-la. Um dos principais atributos da experiência estética é transportar-nos para outro plano de entendimento e de realidade. E você sai levando aquela experiência para sua vida cotidiana. A maneira como percebi as instalações de Inhotim está relacionada à forma como o espaço é reconfigurado. E, em minha conferência, eu remeto à forma como Manet cria uma experiência espacial para o espectador, que possibilita que ele seja parte da ação. Isso num espaço de duas dimensões. Nas instalações o espectador está no centro da ação, em quatro dimensões, porque está se movimentando. As dimensões interagem, e isso nos transforma, e transforma o jeito de experimentarmos um trabalho de arte.

A senhora ofereceu na UFMG um curso em que trata de intermidialidade. Sob que aspectos desenvolve seus estudos?

Pesquiso as relações entre palavra e imagem. Meu trabalho começa no século 19 comparando literatura com pintura, mas também podem ser comparados textos científicos e filosóficos com as artes visuais. Cada meio tem sua própria linguagem e suas próprias convenções. Se o cubismo usa jornal e papel de parede, isso está sempre em diálogo com as convenções em que se baseiam as artes visuais. O que discuto é como se analisa uma representação visual através dessas convenções, como se analisa uma articulação verbal segundo as convenções verbais, e o modo de considerá-las integrando um mesmo discurso. As atividades artísticas e literárias falam uma mesma língua. A questão é como as reconectamos para entender um momento histórico. Hoje, o computador nos oferece uma nova dimensão, a da realidade virtual global. O estudo da arte contemporânea não está mais confinado à pintura, ou à escultura, mas é intermidiático. E ainda temos na literatura, no teatro ou em qualquer das artes performáticas uma experiência multimídia. Então, é mais fácil localizar esses encontros.

Como imagina que o Brasil possa inspirar suas pesquisas?

Conheci aqui o trabalho de um estudante de doutorado que coleta poemas de pessoas da periferia sobre a estrutura urbana do século 21. Em certo sentido, abre-se o discurso para os menos privilegiados. Isso cria uma ideia totalmente nova do que é o ambiente urbano. São informações a que eu não tenho acesso. Para mim, como historiadora da arte e da arquitetura, é fascinante, porque essas comunidades têm sua própria linguagem e sua própria cultura. Isso me faz ficar mais atenta ao fato de que existem outras vozes falando sobre o ambiente urbano.